Natureza Espiritual da Idade Média e da Modernidade (Olivier / Reale)

A partir da perspectiva dos autores, Olivier e Reale, compreende-se que a modernidade propõe uma nova ordem de reflexão sobre o homem e estabelece uma ruptura com a Idade Média, marcada fortemente pela compreensão do meio, a partir do espiritualismo teocêntrico, entretanto, há uma proposta de se compreender o humano por meio de sua natureza espiritual, agora, não mais sob a tutela da ética e da moral religiosa coercitiva, mas no sentido de extrair do humano sua potencialidade criativa.

Em face do advento da modernidade, onde se estabelece de maneira cabal e determinante os paradigmas e pressupostos da nova estrutura de espiritualidade, há o ruir quedante e fragmentado dos alicerces rígidos e falsamente sedimentado do teocentrismo, bem como, da tentativa pretensiosa de manter o homem subserviente, sob uma obediência cega à vontade de “Deus”.

Há um fracasso uníssono da compreensão da pesssoa humana e sua cupidez na elaboração do que tanto prometera, o teocentrismo, agora “rei” destronado, que assiste da platéia o irrompe da nova ordem educacional que trará, individualização, pluralização das sociedades, privatização da família e da religião. O teocentrismo é o resultado sistemático e reverso do projeto da luz racional patrocinado perniciosamente pela religião, em que foi estabelecida uma relação pessoal de verticalidade com o sagrado e total anulação das relações de alteridade e altruísmo.

Para tal, a Teologia do Domínio, em que Deus era o portador da benção e o diabo é o causador dos males existentes no mundo, travava-se assim, uma guerra espiritual, onde o perdedor purgava na fogueira. Para promover a verdadeira libertação das influências do diabo, se fazia necessário um ritual realizado pelos lideres religiosos. Ritual este realizado de forma espetacular onde o demônio era achincalhado e acusado de todos os males causados as pessoas e ao mundo, é expulso em meio à platéia sedenta de show, bazófia, sob olhos adestrados para o espetáculo que aplaude e glorifica a Deus celebrando a síncope do mal de maneira.

Instrumentalizados pela estética e mecanismos de controle como afirma Foucault, por meio da confissão e direção espiritual, o desamparo, a condição mais primitiva e necessária do homem é negado e justificado em nome da lógica da negociata mercadológica daquela que promete religar o homem a Deus e sua benção. Entretanto, o desamparo é a marca da condição faltante do sujeito, que é longamente justificada e jamais consideramos como inerentes a natureza humana e implicados nos percalços de seus desejos. A culpa do que acontece de sofrimento é ação das forças demoníacas e é somente Deus que sujeito encontrará possibilidade de gozo na sua totalidade e inteireza.

O incentivo e o sucesso, bem estar e repúdio a todo tipo de sofrimento é uma constante, onde o sujeito é convidado a tomar posse da benção divina. A nova ordem é garantida pela negociação divina que indica toda sorte de bênçãos e firma-se um pacto, um contrato. Mantendo-se fiel, pagando o dízimo a benção era garantida, caso isso não aconteça é necessário mais fé na sustentação da responsabilidade do contrato, aja visto que o fiel, sujeito contratante, não possui ainda uma fé vitoriosa para alcançar tal benção, ou estava amaldiçoado.

Era super valorizado de forma insinuante por parte do líder religioso, o prazer hedonista e efêmero, numa relação frugal que se dá quando afirma categoricamente fundamentado e sustentado pela lógica da “tradição”, que o que é importante é a pessoa e sua relação com Deus, descaracterizando assim o sentido religioso de outrora que é a possibilidade de dialogo e convívio sócio comunitário de convívio e comunhão. A religião que tem como missão aproximar as pessoas de Deus, religá-las ao sagrado, favorecer possibilidade de igualdade e fraternidade, sendo a preconização do paraíso e modelo de justiça, acaba por tornar-se um grande instrumento de alienação que aprisiona e motiva de forma legitimada pelo discurso religioso, tal disparate e tirania.

Neste contexto, o poder religioso é legitimado e muitas atrocidades são cometidas em nome de Deus. A modernidade estabelece uma nova ordem, onde o humano se torna o centro da construção de um novo mundo, onde a razão iluminada pelo fervilhar das idéias, escreve mais um capítulo de nossa história.

O Renascimento alimentado pelo naturalismo e humanismo expressa o homem que se desvencilha das amarras religiosas e pode pensar a partir da espiritualidade de sua natureza racional, expressão essencial do humano

O humanismo é fruto da evolução progressiva cumulativa dos germes revolucionários medieval em que permite que o homem caminhe em direção a perspectivas e possibilidades novas nos métodos, no sentido da história, na significação do seu espaço, na compreensão dos fenômenos sociais, morais, políticos, literários, religiosos e científicos, e no modo de escrever, “colorir” e resignificar o mundo a partir de sua natureza espiritual.

BOUNOUIS, Olivier. O que há de novo na Idade Média. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2008. REALE, Giovanni. Humanismo e Renascimento. Cap. I e II. P. 16-57.

Edvaldo Lourenço
Enviado por Edvaldo Lourenço em 14/03/2013
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