TRAIÇÃO

Maravilhada ante a suntuosidade do Palácio Imperial de Petrópolis, Joaquina apreciava com apuro extremado cada detalhe das nobilíssimas dependências. Havia uma tensão mal disfarçada pelas ruas do Rio de Janeiro naquele final de outubro de 1889, justamente no mês em que completava quinze anos de vida. Melancólica por ser obrigada a permanecer presa em casa por vários dias seguidos, pediu a seu pai, o poderoso barão do café João Fidelino, permissão para acompanhá-lo na visita ao imperador. Contudo, o severo senhor não deixou que presenciasse a conversa que ele e D. Pedro II teriam. Nada insatisfeita, a jovem aproveitou para conhecer os recintos. Maria, uma das aias das princesas, foi incumbida de acompanhá-la. Tinha uns quarenta anos, era bela e altiva. Apresentou-se, pressionou delicadamente as mãos macias da moça e iniciaram o passeio pelo interior do palácio, enquanto trocavam palavras:

– És belíssima, Joaquina!

– Quanta gentileza, senhora. Sou apenas uma menina comum.

– Não. Tens fogo no olhar. Não és comum. Já tens pretendentes?

– Não sei. Meu pai não me fala sobre isto.

– Entendo. Gostas de algum moço?

– Não tenho contato com moços. Mas também não me interesso. Prefiro ficar com minhas amigas, conversar com elas sobre coisas de meninas.

– Estás certa. Homens são maus, eles machucam as virgens. Penetram seus talos duros dentro das moças e até provocam sangramentos.

– Verdade? Que horror! Ai, eu não quero me casar!

– Aprende, menina, que tua vida apenas começa, com esta aqui, que partirá em breve: precisam sentir-se fortes, poderosos, especiais, privilegiados; e nós somos suas eternas nutrizes.

Chegaram ao jardim. Um lindo recanto verde, repleto de árvores enormes e atapetado por flores viçosas. Envolvidas na conversa, caminhavam, caminhavam distraídas. Joaquina, tensa pelo que ouvia, tropeçou numa pedra e quase iria ao chão, se não fossem os braços acolhedores da aia. A menina chorou nervosamente e Maria, envolvendo-a no seu corpo, confortou-a:

– Calma, queridinha. Estou aqui para proteger-te, para fazer-te feliz. Esquece-te dos homens agora e deixa que eu te acaricie.

Estavam, àquela altura, num local distante das dependências do palácio, cercado por um matagal, bem deserto. A acolhedora criada ajoelhou-se, levantou o vestido, a anágua e demais trajes íntimos da linda jovem assustada e pôs-se a lamber sua vulva. Joaquina alucinou-se, de tanto prazer! As pernas bambearam, deitou-se na grama e abriu-as ao máximo, submetendo seu sexo inteiro às carícias da outra. Jamais sentira algo assim.

Dom Pedro voltava pela porta dos fundos, para reiniciar o colóquio com o barão João Fidelino. Havia se retirado por alguns minutos, a fim de aliviar uma necessidade fisiológica. Falaram por mais algum tempo, até que o barão manifestou disposição de ir-se embora:

– Perdi quase todos os meus escravos com a abolição e nada recebi para compensar. Restaram apenas os mais domesticados, que tiveram medo de deixar a fazenda e estes não têm a mesma força física dos outros. As coisas estão difíceis. Bem, aguardemos os próximos acontecimentos, mas não tenho outra alternativa, senão apoiar os republicanos de última hora, imperador. Preciso ir. Onde está minha filha?

– Estou aqui, meu pai.

Despediram-se cordiais e se foram. Sim, as coisas estavam difíceis, D. Pedro era pressionado por todas as frentes e tinha consciência de que seu império não resistiria. Antes, estava disposto a lutar bravamente até o fim, na tentativa de mantê-lo, mas diante do que viu naquele dia...

Quando pediu licença ao barão para aliviar-se, seguiu ligeiro, à procura de um lugar mais reservado no exterior do palácio. Foi então que deparou-se com a cena: sua criada aos carinhos pecaminosos com a jovem Joaquina! Ninguém sequer desconfiava, mas ele amava Maria perdidamente. De todas as mulheres que passaram por sua vida, era ela a melhor. Quanta felicidade, quando se encontravam às ocultas e ouvia as juras de amor sussurradas pela bela senhora ao seu ouvido! Que traição! A amante agradava a menina com os mesmos recursos que ele usava para agradá-la em seus momentos íntimos, uma vez que não mais dispunha da virilidade desejada. Foi ele quem lhe ensinou tais artifícios! E ela usando-os de maneira tão absurda! Não podia permitir que houvesse outro encontro entre as duas! Era forte o suficiente para suportar a traição dos homens, não a de uma mulher. Ah, mas já estava velho, cansado, precisava dos carinhos de Maria, precisava perdoá-la. Bastava impedir que a perfídia se repetisse... E se a menina contasse tudo ao pai? A reputação da família real seria arruinada! Teve raiva daquele palácio e até ficou aliviado ao lembrar-se de que o retorno definitivo à Europa estava prestes a acontecer. Perderia seu império, mas se afastaria do perigo de uma desonra maior.

Outubro de 1989. A centenária senhora Joaquina, sobre uma cadeira de rodas, visita o antigo palácio de Petrópolis, agora Museu Imperial, e recorda-se dos momentos ardentes ao lado da dama que lhe mostrou haver deleite verdadeiro. Ah, quanto sofreu com sua partida repentina para a Europa... Queria tanto tê-la visto por uma vez a mais que fosse. Viúva de um grande líder republicano, mãe de militares e revolucionários de esquerda, atordoada em meio a golpes, ditaduras sangrentas, corrupções e carestias, não teve outra oportunidade de experimentar o pleno prazer. Os olhos marejados não escondem a lacerante saudade e frustração. Tudo por causa da ambição, da sede de poder dos homens! Apesar de muito nova naquela época, percebia com relativa clareza os conchavos, barganhas antiéticas e jogos de interesses que aconteciam e determinaram a queda da monarquia. Sujeiras que pouco se alteraram ao longo desses cem anos de república. Mas agora está às vésperas de ajudar a eleger, com seu voto, o novo presidente do Brasil. Finalmente, este país vai mudar!

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 05/07/2013
Reeditado em 09/07/2013
Código do texto: T4372996
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