SIEMENS, uma empresa longeva

Tenho evitado muito falar dessa empresa, para a qual dediquei longos anos de minha vida profissional. Percebo ser difícil que se diga algo sem aguçar algumas suscetibilidades.

A título de manifestar minhas conjecturas sobre os momentos que ela passa hoje, com sérias denúncias de atitudes “non compliant” no exterior e mesmo aqui no Brasil, eu escrevi em um site de relacionamento (facebook) que a atitude da empresa fora corajosa em fazer delação premiada junto aos órgãos de defesa econômica do Brasil, em um processo que se arrasta já por vários anos e volta e meia aparece na mídia local. Lá fora, a repercussão dos fatos ocorreram com muito mais estardalhaço que no Brasil, onde os atingidos estão muito próximos e a imprensa pouco tem de base e visão holística para fazer seus artigos, que não sejam com algum arroubo de acusação tendenciosa e com pechas de “furo”, como se novidades fossem.

Também manifestei que, após esses fatos todos, fora audaciosa a dimensão do seu chamado programa de COMPLIANCE mundial, que é visto como um “benchmarking” no mercado, cujo principal objetivo é demonstrar ao mundo uma outra visão de como todos ganham em um ambiente de negócios livres de desconfianças, em que pesem as consequências e adversidades decorrentes dessa coragem e audácia.

Isso, naturalmente faz com que as pessoas livremente se manifestem também e, cada qual com seu sentimento, fruto das mesmas experiências nessa grande corporação e com visões limitadas aos seus raios de alcance. Todos com suas razões e suas doses de conhecimento de causa em cada canto dessa grande empresa. Nos cabe cabe respeitar e entender.

É certo que o cuidado em manifestar opiniões nos meios de comunicações nos dias de hoje tem que ser pensado com muito carinho. Não existe retorno ou estorno nas manifestações que expomos na Internet, portanto, mister se faz com que sejam responsáveis e livres de preconceitos, embora difícil de que não seja mesclada com a experiência e visão particular de cada colaborador ou leitor.

Mas, para que não caia no lugar comum ou na forma meio que impessoal e despretensiosa de manifestar opinião em site de relacionamentos, com sentimento de que não existe autoria ou mesmo consequências, procurei aqui externar aos que me conhecem uma pequena visão sobre os momentos por que passa a empresa, de forma a ficar também registrado sem que se perca nos imensos lodaçais de postagens que se avolumam nesses fantásticos meios de hoje.

Tenho alimentado a intenção de escrever e publicar algumas memórias relativas á minha vida profissional. Não que tenha sido um grande exemplo, como esses livros de autoajuda, mas, muito mais para deixar um legado e impressões de uma pessoa sensível às questões de relacionamento humano no ambiente empresarial, com visões que em muito talvez extrapole o ambiente de trabalho, porém, sem nenhuma pretensão de fazer literatura ou quiçá manifestar eventuais dissabores e ódios alimentados ao longo de tanto tempo, o que seria um grande despropósito já que nunca existiram, e se fosse o caso, estaria externando uma grande mágoa que denotaria um cotidiano imensamente “pesado” para a alma de quem queria apenas trabalhar, ser reconhecido e respeitado, apenas como um trabalhador. Nada disso e, volto a dizer e frisar, que sempre tive muito orgulho de ter trabalhado nessa empresa.

Tenho enorme respeito por todos os colegas que se dedicaram a essa empresa por tantos anos! Todos merecem a minha maior admiração, sem nenhuma exceção. Permitimo-nos até divergências, expormos pensamentos e tecermos análises sobre temas delicados, p.ex., como esse que se apresenta. Podemos até estar equivocados e o futuro nos dirá, e, estaremos prontos a reconhecer eventuais equívocos, já que não estamos comprometidos com o erro.

Para essa situação, pelo que sei, o CADE oferece a mesma possibilidade a todos. Uma espécie de denúncia premiada. Imoral, insípida, sem ética... pode até ser. Apenas lembrando que empresas concorrentes fizeram uso do mesmo expediente, denunciando também a Siemens em outras ocasiões recentes, muito embora não possa ser apenas esse o motivo, mas também não podemos alimentar a hipocrisia de que somos a última ou única flor no pântano.

Parece que a empresa hoje é mais "mecânica" que “emotiva” na busca de resultados.

Aos olhos dos mais antigos, a impressão que fica, é a de que os colaboradores que decidem por isso ocultam-se no caráter institucional da companhia, já que no tempo desaparecerá a lembrança dos que tomaram tal decisão. Àqueles com história mais longa, fica a sensação de que falta hoje o caráter nos compromissos e o comprometimento e de todos. Todos ficam expostos e uns se incomodam e outros não, a depender se suas próprias razões.

Aquela diplomacia existente nos relacionamentos com clientes e mesmo com nossos parceiros da matriz eram maiores. Assim, hoje, quando a penalidade acenada se trata de uma despesa, creio que a empresa deva ser mais insensível, como é em qualquer negócio, e tomará o rumo onde o custo for menor e o resultado econômico maior... As pessoas que a representam, diante da decisão, pendem para a instituição, cuja sensibilidade para o caráter da decisão recaia sobre ela (a instituição). Muito embora, seus representantes hoje representem a formação moral da companhia como um todo. A forma até como ela contrata hoje desveste seus colaboradores daquele ar de "vestir a camisa" até suas últimas consequências. Não leva mais a que seus colaboradores "infiram de forma velada" a "conivência com o ilícito"...

Deve ter sido muito difícil a escolha! Fortes conflitos entre moral, ética e atitudes pelas quais se esperava o beneplácito da empresa. Assim, em que pesem as consequências, acredito que é mesmo corajosa a decisão, justamente por expor a companhia a toda sorte de julgamentos, até mesmo como esses nossos, uns contra outros a favor, e por aí vai. Mas, já que foi feito, há que se tirar proveito disso, não só pecuniário... O benefício disso, que pode ser até pouco e de consequências diversas, contribui para que o mundo dos negócios no futuro tenha outra forma de realizá-los, no qual, por mais utópico que essa ideia possa ser, as relações serão mais livres de desconfianças e mais abertas, as discussões mais francas, a “sagacidade” em enganar se desvanece. Todos ganham com isso e renascem atitudes mais salutares no futuro.

A dimensão do custo que isso tinha na empresa como um todo é incomensurável.

Acabam os que, respeitados por deter conhecimento das coisas mal feitas, mesmo contra ele próprio como cidadão (preços + altos), galgam melhores postos ou melhores salários, como "recompensa pela sua lealdade", essa sim de valor duvidoso e porque não imoral - faltou coragem para dizer não antes. E não diriam, pois, o "environment" era aquele.

A empresa também na sua história e dentro desse ambiente sombrio, talvez até tenha "permitido" também de forma "velada" o enriquecimento de alguns, por estar manietada, justamente por esse mesmo meio. Perde-se com isso de toda forma e tudo se reflete nos preços, dos produtos e da salubridade social entre os colaboradores.

Mas houve agora o basta, vindo de fora e com um programa ousado. A esperança é de que dê certo, que faça uma mudança cultural para melhor. No mínimo, não tenho dúvidas, restará o exemplo dado a toda a sociedade, aquele de que podemos fazer melhor e que um dia, ao menos pensamos em um mundo melhor.

A empresa hoje e para o futuro espera-se que volte a valorizar o bom caráter e o trabalho honesto de todos indistintamente em prol de um mundo melhor! E não precisará pagar mais por isso - é o mínimo o que se espera de todos que clamam por mudanças!

Os tempos mudaram. Cada qual dançou com a música de sua época. As pessoas mudaram, os tempos mudaram e a empresa mudou. Estaria evoluindo? Certamente, e é meu desejo, perdurará como um todo por muito mais que seus 160 e tantos anos de existência, e em patamar melhor, propiciado até por essas experiências que assistimos nesse momento triste para todos!

Especialmente no caso do Brasil, talvez o cuidado tenha sido relevado à segundo plano. Na reorganização perdemos também a aproximação com os acionistas. Podemos até pensar que lá fora, na matriz, para decidir em "mostrar serviço" em outras esferas do poder mundial (SEC americana, p. ex.), e “montar um teatro” para reaver coisas que ficaram para trás, não teriam dúvidas em expor a empresa aqui, que pouco significa no todo... Essa sim, atitude mais condenável, pois, a renovação lá, fez com que os olhos deles vissem os latinos mais com preconceito que com conhecimento de causa. Aquela citada diplomacia se esvaneceu com as mudanças. Hoje, o preço que pagamos por essa exposição indigesta é ser visto como apontam as pesquisas da Transparência Internacional, qual seja: como um povo altamente corrompido e indignos de maiores considerações. Não temos dúvidas que a dedicação de seus colaboradores aqui, por mais de 100 anos, são partes ricas dessa história, e lamentamos como conseguiram deixar a imagem atualmente. Mas, lá é que começou também essa grande mudança, com os fatos da Grécia que eclodiram em 15.11.2006, com condenações e quedas de Presidentes mundiais da situação e condenações até mesmo dos que já estavam fora da empresa. A decisão de fazer melhor para o futuro, melhor até mesmo que os próprios americanos que a condenam, talvez não tenha sido muito bem aceita ou entendida aqui ou acolá, dependendo do grau de "comprometimento" em cada país ou região. Assim, as medidas podem realmente ter sido sentidas também de modo diferente, análogo ao remédio, para uns de sabor aceitável, para outros, muito amargo...

Assim, quando falamos do nosso orgulho de tantos anos colaborando para essa grande empresa, em que pesem as situações vividas, os questionamentos que sempre fizemos, os sentimentos de que tenha sido iludido até os últimos momentos, os pensamentos de que estivemos relegados a segundo plano na ascensão profissional, mercê até de talvez não ter pertencido ás castas mais privilegiadas da companhia, mas, também de nossas próprias decisões e escolhas, e principalmente por não ter também sucumbido às tentações nesses longos anos, quando sempre falou mais alto a formação do lar, estamos falando também do reconhecimento de que ela mudou nossa vida, nos deu oportunidades de conhecer coisas, nos proporcionou, enfim uma situação social relativamente tranquila e ainda nos influenciam, e não poderia ser diferente. No meu caso, quando me desliguei, percebi que naquele momento mais de 50% de minha vida fora dedicada a essa empresa.

Valeu a pena e, por mais motivos que eu possa ter e dispor, e o pressentimento de que ela não mereça muitas das pessoas que hoje abriga no seu seio e que as abrigou ao longo do tempo, julgamentos esses exclusivos de onde minha visão limitada alcança, contra ela eu não moveria nunca qualquer ação.

Oportunamente, espero poder me dedicar a escrever minhas memórias, as quais certamente trarão mais luz para as manifestações de muitos colegas com os quais pude dividir espaço nessa grande corporação.

Abraços a todos!

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 19/07/2013
Reeditado em 19/07/2013
Código do texto: T4394426
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