Cansei de me portar mal

Agora quero pôr numa folha tudo aquilo que me aflige por igual.

Antes era menina prendada, de certo um tanto desaforada, mas pronta para ser feliz. Uma felicidade aparente. Prefiro mais esse meu novo desatino. Prefiro e não prefiro, porque às vezes me pego imaginando o que seria se fosse diferente.

Existe algo inegável entre estas paredes que me cercam. É bom que não me pergunte sem que eu possa dar garantia de resposta certa. Deve ser um sentimento sem nome, sem dono, sem pátria. Apátrida.

No começo tudo era verbo, era só uma vontade a florescer. Nem sei se você vai entender, mas sabe quando a vontade desatina a doer e é como se começasse a rasgar a gente por dentro? Pois é, exatamente assim.

Apesar de tanto tempo passado, ainda não me cabe responder se foi bom, ruim, quem sabe os dois ao mesmo tempo, ou se seria possível segurá-la um pouco mais. Está aí outra falácia do coração, cujo segredo se esconde, momentos em que você simplesmente não pensa. Não pensa? Sim, sim, o pensamento que te persegue sempre, nestas horas coloca o rabo entre as pernas e foge. Acho desnecessário pedir licença poética para dizer isso, a palavra rabo, se ela já faz parte do dia-a-dia de cada um, até dos mais hipócritas.

O pensamento voa, ou melhor, ele fica, insistindo para não funcionar. E quando funciona trata logo de se convencer de que o certo é o incerto. Tudo vira confusão, a cabeça de pernas pro ar.

Situação semelhante aconteceu comigo nos últimos tempos. E retomando a minha narrativa, deixemos de lado as baratas reflexões que tanto fazemos e que, no fim, de nada valem e alguém raramente passa para o papel, tamanha a sua amplitude e importância. Um monólogo banal.

Como disse, era menina prendada e desaforada , respondia aos pais e não me envergonho disso, sempre tive garra pra lutar pelo que quer que fosse. Essa minha garra já me rendeu muitas palmadas, surras de vara verde e outras vivências que toda criança deveria ter.

A timidez também era parte de mim. Não sei em que parte do caminho da vida eu a perdi. Como teria conseguido lógica proeza? Na verdade, creio não a ter deixado ir por completo, ficando um pouco ou um muito resguardado em mim.

Quando conheci o amor, meu Deus, como fantasiei. O mundo se resumia em sonhos e banalidades que nunca saíram do surreal, nunca as realizei, no entanto, elas foram importantes pra que eu me tornasse o que sou hoje e, neste ponto, considero-me satisfeita. O ser humano se forma a partir do produto de suas experiências pelo modo como encara o mundo, no qual uma parcela pode alterar a outra. Se as experiências anulam a sua visão de mundo, lamento, caso de conformismo, ah, mas se o inverso acontece, nem se deve lamentar, só retruco ser caso de loucura. Esta é uma das minhas maiores verdades. Minha verdade, porque não existe verdade universal, e esta também fica sendo uma verdade pessoal. Logicamente qualquer um que me escute pensando pode tachar-me transloucada ou sapientíssima. Enfim, cada um com suas verdades. O segredo é o respeito.

As banalidades e perseveranças de garota me fizeram parte do que sou. Elas me respaldaram no momento em que todas as outras queriam desfrutar do calor da idade chegando, enquanto eu me perdia entre meu ufanismo masculino e a realidade de estudar, estudar e brincar.

Posso dizer que, nesta etapa, fui madura. Não que tenha perdido a maturidade com o tempo e os solavancos da vida que fazem de algumas pessoas um pouco mais ou muito mais crianças do que deveriam ser, pelo contrário, ela só fez crescer em certos aspectos e encurtar assustadoramente em outros. Minha mãe disse que eu estava louca, loucura boa.

Continuo no processo de arquitetar o ser, que só vai ter fim quando eu morrer. E a morte, meu caro, é coisa relativa. Um traço se conservou em meio às provações que se colocaram no meu caminho, este permanece intacto, com pequenas adições, na essência virgem: o meu romantismo. Confesso, sou romântica e ai daquele que de mim rir, quem sabe se o mundo fosse mais ilusório tudo seria bem mais fácil? Falo de facilidade, não de simplicidade, nem todas as tarefas simples são fáceis.

Então, se cada um praticasse mais o romantismo, logo teríamos uma corrente de pessoas de mãos dadas, vivendo em um mundo parcialmente imaginário e um tanto mais feliz. Esse fato é estranho, ao mesmo tempo em que afirmo ser romântica, contradigo a idéia dizendo não passar de uma condição viciada, que aliena a humanidade.

Posso garantir que era muito mais feliz no tempo em que pensava o homem como um ser mítico. Não todos os homens, somente os belos. Nessa hora não há quem queira ser hipócrita, porque negar seu próprio bom gosto? Gostava dos belos, em especial os loiros, meu Deus, os loiros, meu objeto de admiração e continuam a ser. Hoje menos que ontem. Meu marido pode ser belo, porém moreno.

Eu pensei que os homens se portassem como homens, no jeito de ser, na honestidade e na frialdade. Foi um tanto desconcertante e triste perceber que, ao receberem o mínimo impulso, se comportam como animais, uma na ânsia de devorar o outro. E este meu conceito vale também para falar da relação homem-mulher, e lá se vai por água abaixo toda a delicadeza e gentileza, toda frialdade que usamos para conquistar. Comigo aconteceu que, decepcionada, eu risquei um X vermelho nas minhas esperanças. Como diz Adriana Falcão. Digo eu agora, um X vermelho e não um preto. Apesar dos pesares de estar perdida nos destroços, ainda tenho a vontade de apagar o X vermelho.

Mais triste que estar assim tão fora do tom, é o fato de saber que reservo possibilidades. Às vezes penso que deveria perder logo tudo que há de bom dentro do peito e só guardar sentimentos de discórdia e revolta contra os que me cercam. Nem estas reminiscências seriam dignas de ficar, porque excitam a expectativa que pretendo não ter. A emoção que faz levitar, também pode fazer doer.

Se o homem soubesse do futuro, jamais se apaixonaria, jamais sentiria amor. Deus a cada dia mostra-se perfeito nos pormenores, deu ao homem a inteligência aguçada para perseguir o que desejar, mas não foi generoso, usou da prudência, quando não permitiu que a criação antevisse o próprio futuro. Assim fosse, logo saberíamos que amar e não amar conduzem a desfechos parecidos. Sem amar chegamos ao fim, solitários e amando teremos a chance de chegar acompanhados. Qual é a graça de ter amado e terminar a vida só? Há graça, o pior está justamente nisso, há uma agonizante graça. Sabe a bagagem? Sim, a bagagem, a única que pode transpor a morte, a lembrança. Ser lembrado afasta a morte, ainda que ela já tenha se consumado. E ser lembrado tornou-se meta no mundo dos homens. O amor virou um mal necessário.

Eu pareço tão afirmativa, impositiva, quando, na verdade, eu sou motivada ou talvez, positivada.

Tem uma voz dentro de mim que diz o amor como um bem indispensável.

Não, eu não sou desvariada e nem estou afetada nas minhas faculdades mentais, nas psicológicas, até pode ser que sim. Mas estou em pleno juízo agora. Sem rasgar dinheiro ou comer insetos. Depois de tantas desesperanças ao longo da vida, como pode existir uma voz que me estimula a amar alguém?

Tudo aquilo que escrevo parte do íntimo, e este meu coração pirata guarda emoções que não já me dediquei em expulsar, tentativa frustrada. Como disse, eu tento me deixar afastada dos sentimentos de expectativa, nem sempre consigo. E com o amor é justamente assim, porque, apesar de tudo, ainda sou romântica. Acredito nas pessoas.

Perceba quem circula ao seu redor e veja como, por medo, elas deixam de viver em outros mundos. Não sou uma delas, muito pelo contrário, se me decepcionei tanto só pode ser porque tive peito para me lançar ao que eu não conhecia. Quis amar, eu amei demais, amo demais, vou amar mais ainda.

O amor vale tanto a pena que me fez voltar a crer que alguém pode, de fato, ter vontade de estar ao meu lado, verdadeiramente e construir uma vida, superando os obstáculos.

Esse sentimento que maltrata, que rasga a alma em frangalhos, sem o qual ninguém deveria viver. Vale a pena como sempre, não importa o tempo que passar.

Sou agnóstica iniciante, fui deixando pedaços de crenças firmes pelo passado. Um dos meus consolos é saber que tenho por quem acordar. Tenho amigos, família, amor aos que me cercam. E, em nome desse sentimento, eu perdôo sempre todos que me fazem mal e até a mim mesma que posso muitas vezes me julgar o pior dos viventes.

Enquanto a humanidade ignorar essa vontade de fazer amor, estaremos sempre negando a nossa filosofia, natureza e essência. Essa vontade faz-se única na nossa espécie que eu até me arrisco:

Amor é fogo que arde sem se ver. É fogueira que começa a queimar e você deixa, porque no fundo é bom.

Amor é dor que desatina sem doer. Dedo na ferida que dói e você, percebendo, tenta se safar, mas nunca, nunca, nunca consegue.

Amor é um contentamento descontente. Ou um contentamento contente. Ou um descontentamento descontente.

No começo era verbo, que se fez carne entre nós.