Eu e minha samambaia

Sheena das Selvas, minha samambaia amazônica, anda estranha comigo. Nós nos conhecemos nos anos 90, numa edição da Feira do Verde, na marquise do Ibirapuera, e desde então desenvolvemos a telepatia, única forma de interagirmos (além da rega, claro). Tentei a telepatia também com o meu cactus, o Espinosa, mas ele é demasiado espinhudo para uma convivência sadia. Deixo-o, em seu vaso, tomando cuidado com os espinhos, mas sem negar-lhe água, luz e sombra. Mas, o caso aqui a ser tratado é que Sheena tem andado meio estranha comigo, desde a última campanha política. Cedo descobrimos que nossas tendências são diferentes e, de início, passamos a tentar nos influenciar mutuamente quanto ao voto. Chegamos a ter debates acalorados, e mesmo a beirar o desrespeito. Uma vez ela firmou um pensamento de que eu não compreendia que deveria votar em X porque me faltava informação, ou cultura política. Quando lhe mostrei meu currículo, fechou as folhas indignada, proferindo que "se não é falta de informação, só pode ser conivência com o que está errado". Curiosamente, pensei o mesmo dela. Ou era um caso de ignorância (que eu perdoaria, pela boa-fé) ou então estava insistindo no erro, mesmo ciente das iniquidades perpetrados por X, e isso seria realmente imperdoável. Por que, afinal, ela não admite que Y é muito melhor? Mas, passadas as eleições, e já se insinuando um pouco de chuva para dirimir a fumaça de todos os tipos de poluição, voltamos o pensamento à nossa própria história. Estamos tentando nos reaproximar, tomando ciência de que, de fato, não soubemos respeitar efetivamente as diferenças de opinião. Ontem, quando olhei para suas lindas folhas que refletiam o luar, ela assim pensou: "Sabe... no frigir dos ovos, queremos as mesmas coisas: o bem do nosso Brasil, o bem do nosso povo, e o nosso próprio bem." Creio que a chave para fortalecer nossa relação e voltarmos a conviver de forma sadia é tomar a consciência de que temos essas semelhanças nos objetivos, o que difere é apenas opinião quanto aos caminhos que melhor nos conduzirão a isso. Parece bem aceitável, muito melhor do que a poda radical de uma verdadeira amizade.