Morando sozinho – Saindo do mundo encantado das casas de mãe

Hoje eu saí do trabalho preocupada. Louça suja na pia eu não tolero, mas aquela pilha equilibrada no escorredor de pratos cresce exponencialmente há duas semanas. O banheiro, que vira e mexe exige aquela limpadinha – Pinho Sol na privada e Veja Multiuso na pia –, não tinha a minha atenção havia pelo menos dez dias. O sabão em pó havia acabado na quinta, última vez em que eu pus os pés em casa. E a pilha de roupa suja ia se acumulando no meu quarto, só pra esfregar na minha cara que, não, eu não sou capaz de encarar a tal da jornada quádrupla: trabalhar pra me sustentar, cuidar do meu corpo pra ser gostosa e ser dona de casa pra ser independente. Você acha que é foda, Jane Corrêa, mas eu estou aqui, esperando ser lavada, passada e guardada na gaveta. Você acha que entende da vida, Jane, mas toda quinzena alguma coisa estraga na sua geladeira – cadê a sabedoria para comprar o necessário, sem passar fome e sem deixar comida apodrecer? Você se acha invencível, mas a poeira te derrota a cada vez em que se deposita em cima do rack da sala e você não dá conta de limpar.

Esse é o mal de quem – acredito que a maioria de nós – vem do mundo encantado das casas de mãe. Um lugar lindo, limpo e confortável, por mais simples que seja. Um lugar onde a sujeira não tem vez. Um fantástico mundo onde a roupa aparece limpa, na estica e cheirando a Fofo dentro das nossas gavetas, enquanto estamos lá, de pezão no sofá assistindo à Sessão da Tarde. Um paraíso onde aquele treco vermelho nada apetitoso que ocupa um espacinho da geladeira, num passe de mágica, se transforma num delicioso bife acebolado pra comer com pão. Que, por sinal, brota todo dia de manhã na mesa da cozinha sem que tenhamos que plantar, regar, colher ou gastar sequer um centavo.

Quando eu decidi morar sozinha – algo que aconteceu há mais ou menos 4 anos – essa parecia a melhor escolha da vida. Sair e chegar em casa a hora em que eu bem entendesse, ouvir música na altura que me fosse conveniente, deixar a toalha de banho onde quer que ela caísse, fazer farra até de madrugada. Mas aí vem a vida, as tarefas de dona de casa e uma continha inconveniente chamada aluguel nos mostrar que a vida não é o nosso Toddynho gelado e que a gente ainda tem que comer (e cozinhar) muito, mas muuuuito arroz e feijão pra ser quem a gente acha que é nos momentos de soberba.

A roupa suja vai ficar lá. A cama desarrumada vai ficar lá. Os sapatos vão ficar lá. É aí que a gente dá valor a uma das coisas mais importantes da vida: o carinho. Ou você acha que sua mãe realmente arruma a sua bagunça porque ela acha gostoso? Ou que ela morre de vontade de cozinhar aquele arroz e feijão fabuloso todos os dias? Ou que ela não tem nada mais importante/ interessante pra fazer do que varrer a sala onde você joga videogame todos os dias?

Sim, ela tem. E antes que isso pareça sermão de gente chata arrependida, eu digo que chata eu até posso ser, mas que não me arrependo nem um pouquinho de ter dado esse importante passo rumo à independência, à liberdade e ao crescimento pessoal. É gratificante ver que, mesmo aos trancos e barrancos e com um conforto duvidoso, a gente tem pulso pra manter uma casa. É delicioso, de fato, poder sair, chegar ou ficar o tempo todo enfurnada embaixo de uma coberta sem dar satisfação a ninguém. Mas é que às vezes bate saudade dessa coisa gostosa que é o carinho de mãe. Que pode ser traduzido em beijos, abraços e eu-te-amos. Ou em coisas menos óbvias, como o leitinho quente no café da manhã, a toalha cheirosa na hora em que a gente sai do banho, a casa varridinha e cheirando a Poliflor, o almoço delicioso – e de graça – na mesa do meio dia.

Cadê mamãe pra me dar um colinho?

Jane Corrêa
Enviado por Jane Corrêa em 10/02/2015
Código do texto: T5132720
Classificação de conteúdo: seguro