O câncer - Por que "luta"?

De todas as doenças que povoam o universo dos medos difusos, nenhuma causa o mesmo impacto daquelas que se batizam sob o codinome “câncer”. Essa palavra, por si, já desperta um sentimento misto de repulsa e censura. Um tipo de temor cheio de dedos para se lidar com o assunto.

Tal é o contexto em que se instalou o jargão da luta, da guerra. Toda vez que se noticia a morte de alguém em decorrência do câncer, é inevitável a presença da metáfora: “fulano LUTAVA contra o câncer desde tal data”. Ou seja, se era uma luta e a pessoa morreu, perdeu a luta, certo? E por que se perdem as lutas? Por não ser forte? Por não ter a estratégia, a esperteza suficiente? Quão cruel é isso? Além da pessoa padecer de uma doença que causa dores e desconfortos, com difícil tratamento, eventualmente minando todos os recursos financeiros e psicológicos da família, ainda carrega o estigma de “perdedor”, de não ter “vencido”a “batalha” ou “a guerra”.

Enfim, se é uma luta ou uma guerra, por que razão o câncer “vence”? A meu ver, só há uma explicação: A metáfora não é boa. Não se trata de uma luta, tampouco de uma guerra. Não há vitória ou derrota envolvidas. Trata-se de uma, ou melhor, de diversas doenças, no contexto de inúmeros tratamentos e abordagens que podem em maior ou menor grau ter efetividade médica. A cura é a meta, não a “vitória”. Se impossível a cura, que a meta seja a melhoria das condições de vida, ou ainda, por último recurso, o próprio alívio da morte.

A vitória pessoal de cada um será, dessa forma, a consequência, não o objeto da problemática. Pode parecer uma filigrana, um detalhe semântico. Porém, é no bom uso das palavras que diferenciamos a expressão dos sentimentos. Há um significado importante em deixar de lado a metáfora batida: Colocamos a importância onde deve estar, ou seja, na pessoa, e não na doença. Romantizar o tratamento com base na metáfora da luta só serve ao propósito de alimentar o mito de que o câncer é incurável. Em princípio, não é. Há muito que pode ser e vem sendo feito para o bem dos pacientes, seja obtendo a cura clínica ou o alcance de melhor qualidade de vida, ainda que a doença esteja presente.

Há pacientes corajosos, conscientes e, por mais que a doença cause abalos psicológicos, que fazem questão de se manterem no controle dos próprios desígnios, sem transferir cargas para o etéreo ou para a crueza do fatalismo. Precisamos, portanto, ir nos livrando desses chavões, que repetimos sem pensar. Que o amor mova os nossos atos, não a inércia da repetição automática de modelos genéricos.