Lá no Fundo do Quintal

Lá no Fundo do Quintal

Lá no fundo do quintal, o seu Miguel trabalha construindo os muros da sua tão sonhada propriedade privada. Seu Miguel, que também é João, Manoel, José é Severino, assim como já foi nomeado por João Cabral de Melo Neto, segura nas mãos calejadas o seu martelo pesado, desgastado e cansado por já ter batido tanto na vida, e dela também já ter apanhado. Martelo esse que já bateu em muito prego e que se assemelha a ele próprio, homem calado e cansado da vida judiada de operário.

Lá da janela da cozinha, dona Maria, que também pode ser chamada de Tereza, Francisca ou Severina assim como já foi batizada por João Cabral de Melo Neto, observa seu marido trabalhando. Seu Miguel olha pro céu e sente o sol tocar seu rosto já enrugado pelo tempo que com alguns se faz tão ingrato. Ele pega seu velho chapéu de palha, companheiro de longa data, sua única proteção contra o sol que lhe esquenta a cabeça desde sua criação lá acolá no sertão. Naquela época, em vez do martelo quem lhe calejava as mãos era enxada, com ela apoiada nos ombros e com velho chapéu de palha, entrava na fila de meninos que ia ajudar o pai a capinar a roça desafiando a falta de chuva e enfrentando as picadas das muriçocas.

Tudo isso são lembranças de quem viveu a vida de sítio, memórias de quem foi simbora mas sempre vai sentir saudade da roça. Hoje seu Miguel está longe da terrinha onde nasceu, lugar que em uma mistura de saudade e remorso chama de lar. Região que já foi a casa de sertanejos, caboclos e ex escravos, as correntes que a esses acorrentavam ainda deixam marcas nos pulsos de quem se joga na vida de migrante sem ter medo de enfrentar a vida de operário.

Depois do dia cansativo de trabalho, seu Miguel senta na mesa de jantar com dona Maria e os três filhos, com o olhar tranqüilo ele observa os meninos falarem sobre o que aprenderam na escola, escuta serenamente eles reclamarem do sol que estava fui forte no jogo de futebol. Seu Miguel e dona Maria, apreciam a fala dos filhos que não tem nome de João de Manoel ou de José, mas que sempre poderão se orgulharem de serem filhos, netos e bisnetos de Severinos.

Glória Costa
Enviado por Glória Costa em 13/09/2018
Reeditado em 13/09/2018
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