RETRATO DE UMA SAUDADE

03 - RETRATO DE UMA SAUDADE

Meu pai foi o homem mais íntegro que eu conheci na vida. Exemplo de família, de bonança. Viveu para seus filhos e netos. Deixou-nos de legado principal a exata noção do quão importante é estarmos sempre juntos, sermos éticos, termos amizade e, acima de tudo, valorizarmos os nossos laços afetivos.

Deixou uma esposa, dez filhos, sete genros, uma nora, 18 netos e hoje, se fosse vivo, a soma de netos e bisnetos, seria outra.

Soube agradar, respeitar, considerar. Foi um homem gigante, forte, e extremamente simples.

Lembro-me sempre dele, do seu olhar de amor, da forma como nos enxergava, da verdadeira adoração que nutria por todos nós, lembro-me de como ansiosa o esperava chegar do trabalho para lavar os seus pés, e de como ele trazia o cansaço estampado no rosto, lembro-me também da roça, dos beijus feitos na casa de farinha que tínhamos no sítio, dos banhos de mar que ele gostava na praia da cidade, dos doces que não faltavam em seus bolsos, para distribuír às crianças da rua em que morava.

Lembro-me com ternura, do meu pai, a ouvir no seu radinho de pilha, os jogos do América (RN) ou do Vasco da gama (RJ), times do seu coração, a alegria que transmitia em seu semblante quando um gol eles faziam, nos alegrava também, sua risada era empolgante, suas faces se faziam rubras da emoção que sentia.

Apesar das dificuldades de criar tantos filhos, nossa mesa sempre foi farta, não faltava o bacalhau ou a carne de baleia com rodelas de batatas doce.

Lembranças boas das nossas brincadeiras, juntava-se a nós, sempre que podia, do balanço que ele nos fazia, que em sua ausência virava um verdadeiro trapézio, o cuidado que ele tinha em separar as frutas para que, os filhos que o visitava, as levassem para as suas casas.

As festas de São Sebastião, seu santo protetor, ele comemorava todos os janeiros, seus olhos lacrimejavam, brilhavam, do orgulho daqueles momentos. Naquela altura, eu, menina-moça, juntos aos meus irmãos, o auxiliava.

Lembro-me ainda, o dia em que ele comprou uma moenda de cana-de-acuçar, manual, era uma diversão só, a moagem, para a retirada daquela garapa que bebíamos. Quando ele tirava os cocos verdes, e todo satisfeito ao ver aquele carro de mão lotado, abria-os e nos oferecia, era uma folia... era tudo engraçado, natural, diferente, até os canudos, eram cortados dos talos das folhas de mamoeiros que davam um sabor diferente à água do coco, um sabor de passado bem vivido, riamos sem cessar, como bem cabia a uma família feliz.

Colher as mangas, cajus, juntar castanhas para assa-las, era sua primeira obrigação do dia, depois juntava os filhos, para saborearem toda a sua colheita, em seguida se sentava a balança-se na sua cadeira de balanco preferida, satisfeito, feliz, depois de um longo dia.

Depois vieram os netos, alguns deles vivenciaram isso também.

Lembro-me ainda da cumplicidade dele com a mamãe... - "Manéu!" , Como era doce e amável o tom da voz dela a chamá-lo, a ausência dele a deixou triste, inconformada, infeliz.

Ele nos preparou para a vida, muito bem, Nos tornou homens e mulheres destemidos, nos protegia de tudo, pelo menos tentava, mas era difícil nos tirar do banho na chuva, ele gritava para entrarmos e a gente fazia de conta que não o ouvia, pulávamos sem cessar, só pelo prazer das brincadeiras, dos barquinhos de papeis e para nos molharmos também, rojávamos nas poças d'água, o que nunca nos fez mal... quando decidíamos voltar pra casa, arrodeávamos, escolhíamos o caminho mais longo possível, rápidos somente e apenas quando os trovões eram fortes, o que nos faziam tremer de medo, ou quando ele gritava com voz trovejante, raivosa, - "JÁ PARA DENTRO, MENINOS!" Aí sabíamos, que havia chegado o seu limite de paciência, aquele que metia medo, a surra de cinturão.

Ele me ensinou a reconhecer a chegada de um temporal, através do olhar, às árvores, movimentos dos animais e cor do céu...

Dono de uma risada gostosa, diferente, só dele!

Noveleiro nato!

Um pai, um avô bem grandes, diante de nosso tamanho criança, e gigante, se considerarmos as boas lembranças...

É amor, é avô, é pai, é marido. É uma saudade tamanha. Uma saudade muito gostosa pelo que vivi, dolorosa por ele já não estar aqui.

Digo sempre a frase "ÉRAMOS FELIZES E SABÍAMOS SER!" .

Homenagem ao meu pai Manoel Rodrigues Ferreira (in memorian).

Neide Rodrigues, poetisa Potiguar, Canguaretama/RN, 08/08/2013

reeditada em 27/09/2018

NeideRodriguesPoetisaPotiguar
Enviado por NeideRodriguesPoetisaPotiguar em 27/09/2018
Reeditado em 07/06/2019
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