Convivendo e sobrevivendo com a esquizofrenia de minha filha.

Conviver com um filho com esquizofrenia não é uma tarefa fácil. Neste processo estão envolvidos perigos e medos psicológicos e até mesmo físicos. Afirmo com toda profundidade de meu ser que carregarei marcas profundas para o resto de minha vida, e que com certeza, se esconderão por detrás de muitas portas internas. Porque é preciso muito mais que amor para lidar com isto.

Um filho esquizofrênico é alguém que perdeu a capacidade de pensar de uma forma lógica e, como conseqüência disto, perde também a capacidade de se comunicar e de se relacionar, vivendo em um mundo paralelo e sem as normas pelas quais se regem as pessoas ditas normais. É entrar em contato com o mundo da loucura, e embora, cada um de nós, possua a sua taxa de loucura, este mundo é assustador, pela desestruturação e desorganização de tudo que conhecemos como lógico, mas principalmente pela desconexão com a realidade aparente, ou seja, a que se conhece.

Ter um filho esquizofrênico é estar em contato, sem dia e hora marcada com mudanças súbitas de humor, desconfiança extrema, provocação, confusão, isolamento, incompreensão, isto tudo intercalado com alguns momentos de lucidez, arrependimento, choro, desamparo total e a procura desesperada de um carinho.

E saibam que embora os riscos físicos sejam visivelmente os mais graves, os psicológicos são tremendos. O medo permanente, a sensação de impotência de não conseguir travar a doença de um filho, a dúvida sobre interná-lo ou não, e ninguém, nenhuma instituição, a que se possa recorrer para quem sabe trazer a solução tão esperada.

Acredito que esta sensação de medo que tenho hoje, voltará a cada estrondo, mesmo que se passem anos. A preocupação, o nervosismo, são sentimentos que sei, me acompanharão pelo resto de minha vida.

Como mãe, tenho minhas falhas no convívio com este mundo da loucura, e muitas das vezes, sou abarcada por ela, entretanto, o meu amor me indica caminhos e soluções, nem sempre acertadas e eficazes, mas é o meu “melhor”, que a cada dia tento aperfeiçoar e entender. Se é que seja possível, raciocinar com lógica, sobre o “ilógico”, o “irreal” para nós, mas não para o esquizofrênico. Pois me pergunto a toda hora como me sentiria se o meu cérebro começasse a trapacear ou funcionar de outro jeito (diferente do conhecido)? Se vozes começassem a gritar dentro de mim? Se eu perdesse a capacidade de agir logicamente? Com certeza, eu reagiria da mesma forma que minha filha.

Minha experiência me diz que a esquizofrenia é uma doença devastadora, não só para o doente, mas também para a família. É como se no intervalo entre as crises, ficássemos esperando uma bomba explodir a qualquer momento. A vida social e financeira de todos, ficam prejudicadas, desorganizadas. A imprevisibilidade dos sintomas, quando piorará ou quando melhorará, acredito ser o aspecto mais difícil, criando muita tensão para todos. As tarefas domésticas e comuns, geralmente tornam-se difíceis e muitas das vezes fracassam.

Sinto que a coisa mais importante a fazer, é aprender não só a conviver com a esquizofrenia, mas sobreviver a ela. E esse processo envolve o uso de uma força interna muito grande para lidar não só com as situações a que ela nos expõe, mas ao seu pior inimigo: a culpa. Pois, quando sou abarcada pela loucura contagiosa, chego a acreditar que minhas atitudes, meus sentimentos tenham sido a base da saúde mental de minha filha. Ela própria deve também, atribuir alguma culpa a mim por sua doença.

O grande problema em conviver e sobreviver a esta situação é que nem sempre possuímos senso de humor, aceitação da doença, equilíbrio familiar e esperança baseada em expectativas reais. E sinto, pela minha convivência com minha filha, que quando consigo usar estes elementos, ela responde melhor aos seus sintomas, confia mais em mim e torna-se mais dócil e flexível. Entretanto, nem sempre é assim. Às vezes também me pego confusa, perdida e impotente.

Ter um filho esquizofrênico modifica a estrutura habitual da família e o movimento natural do ciclo da vida familiar. Pois quando um filho tem esquizofrenia, ele sofre e também sofre toda a família. Quando a doença não passa e os sonhos se desfazem, a perda da esperança surge com a tristeza e o sentimento de perda de vida, da perspectiva, do futuro daquele que adoeceu, que talvez não seja mais superado. Percebo a cada dia, a necessidade de mudanças e adaptações para continuar a ser feliz apesar da dor, e o entedimento de que só o meu Amor não basta, é preciso mais....muito mais do que isso.