Estevão

Na época eu deveria ter entre quatro ou cinco anos. Por que aos seis, eu fui mandado pelo juiz, para o orfanato Lar Monsenhor Fellippo, no bairro do Potim (hoje cidade)em Guaratinguetá.

Dos três aos meus quatro anos, eu estive em regime de semi internato, em uma instituição chamada Lar Bibi Monteiro.

Saí dali alfabetizado, rumo ao outro Lar Monsenhor.

Naquele dia, havíamos ido ao bar-mercearia comprar algumas poucas guloseimas de criança, minha mãe permitira que catássemos a sua última moeda, não se importava de ir à pé para o tŕabalho.

Naquela época não se tinha notícia de violência contra crianças, não havia televisão, não havia o culto institucional à violência e o bar era próximo da nossa casa.

Na minha lembrança, quando nos aproximávamos do bar, o meu pai apareceu do nada, sorridente, com o seu terno de tergal(tecido da época, que não amarrotava), com um bolo pullman em uma das mãos e na outra o chapéu, que só tirava dentro de casa, ou dentro da igreja.

Ele nos abandonara a algum tempo.

Ele sorria e até onde alcança a minha memória, seus olhos tristes, estavam sérios.

Se ajoelhou na calçada, em frente a mim e a meu irmão e nos abraçou demoradamente.

Abraçado pelo meu pai, eu via na distância, a uns cem metros, a plataforma da estação de trem. (Sem cerca).

Sempre amei estações ferroviárias, como se à espera de que, esse único momento na minha memória, um dia fosse se repetir.

Não me recordo do que ele disse exatamente, apenas que precisava pegar o trem para não perder a hora, eu o ouvia atentamente.

Em um dado momento, o trem parou diante da plataforma e me lembro da minha ansiedade, dizendo-lhe para correr, caso contrário, perderia o trem.

Desejando que ele se arrependesse e ficasse conosco.

Então ele beijou a minha face e a do meu irmão, no último minuto e pôs-se a correr desabaladamente no sentido do trem.

Era um homem atlético, toda a minha juventude fiz esportes, tentando me parecer ao máximo com o meu pai.

Então ele alcançou o trem, entrou esbaforido, se voltou e ficou acenando para nós todo o percurso, antes do trem sumir na curva.

Foi a última vez que vi o Estevão. (Meu pai)

Daniel Barthes.

BARTHES
Enviado por BARTHES em 01/12/2020
Código do texto: T7125311
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