CINE MONTE CASTELO


Seu Krippa era o dono do cinema. Nos dias úteis, trabalhava como barbeiro em seu salão na Avenida Salomão Carneiro de Almeida, a principal da cidade. À noite e nos finais de semana, era o fazedor de sonhos no Cine Monte Castelo, onde operava o projetor de velhos westerns americanos, da Nouvelle Vague francesa, dos filmes de mestres italianos: Fellini, Antonioni, Pasolini, Zeffirelli, De Sica, e das comédias do mexicano Cantinflas e do nosso Mazzaropi, que faziam a alegria dos moradores de Curitibanos, cidade que naquela distante década de 1960 não devia ter mais do que 20.000 habitantes, contando área urbana e rural.

Para mim, meus irmãos, parentes e amigos, era a diversão existente, nas matinées de domingo ou nas sessões das 20 horas, com direito ao pacote de pipoca, às balas, chocolates, marias-moles e outras guloseimas compradas na entrada.

Bem mais tarde construiu-se o Cine Ópera, maior e mais moderno, o point da cidade por muitos anos. Entretanto, para mim, o antigo Monte Castelo tinha o seu charme pois introduziu-me ao mundo do cinema, ao glamour das divas e galãs hollywoodianos, franceses e italianos. Eu lia sobre seus filmes e suas vidas na Revista Manchete e quando ia vê-los atuar, estava familiarizada com eles como se participassem de minha vida cotidiana.

Quando criança, era levada à sessão da tarde de domingo por minha avó Mariquinha que adorava as comédias do gordo e do magro, de Mazzaropi e Cantinflas. Meus pais raramente iam ao cinema.

Papai era amigo de Seu Krippa e nos contava que quando este era perguntado sobre o filme da noite, dizia que era “muito movimentado”, porém não mencionava o nome da película. Sobre os atores, respondia que eram “uma trinca deles”. Parecia nunca saber detalhes da fita e nem os nomes dos atores, ou era uma estratégia para fazer suspense? Vá saber...

O Monte Castelo era uma sala pequena, digamos, com 100 lugares, as cadeiras, com assentos que dobravam, de madeira, muito duros e desconfortáveis. A tela não era ampla e antes da sessão havia sempre uma curta projeção de propaganda, de episódios da vida brasileira, da cultura nacional, produzidos por Osvaldo Massaini ou Alan Severiano Jr., ou trailers de filmes que entrariam em cartaz proximamente.

Na minha adolescência, papai não me deixava ir ao cinema com as colegas. Só permitia se acompanhada por alguém de casa ou outra pessoa adulta. Geralmente era com vovó ou com Dona Olga, que levava a neta Rose e outra menina vizinha, a Marlene. Dona Olga fazia uns pirulitos vermelhos muito doces e os levava para chuparmos durante as sessões. Inocente diversão.

Hoje, passados tantos anos, o Monte Castelo é um restaurante self-service, vendendo comida a peso. Foi engolido pelos filmes da TV, pelas séries pagas da Netflix ou da Globo. E o também saudoso Cine Ópera, mais luxuoso e moderno é, hoje, um templo da Igreja Universal, convertido à pregação dos pastores, aos testemunhos de curas, às preces e cânticos religiosos.



 
Aloysia
Enviado por Aloysia em 07/09/2021
Reeditado em 14/09/2021
Código do texto: T7337316
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