UMA RECEITA INACABADA, PREPARO CONTÍNUO

UMA RECEITA INACABADA, PREPARO CONTÍNUO

Mesmo já tendo participado de outras edições da OLP, sabia que esta seria uma experiência desafiadora e, dadas as circunstâncias, diferente de todas as outras. A expectativa não decepcionou em nada, vista por esta ótica, pois a sequência de acontecimentos na tentativa de viver o “novo normal” foi bem difícil. Mas estas reflexões que faço agora me permitem fazer um paralelo entre estes desafios atuais e o início de tudo, os primeiros passos.

Pois bem. Estudei na época da geração mimeógrafo (anos 80), tempos difíceis, poucos recursos, muitos e altos obstáculos, estudava sem livros, com várias dúvidas e quase nenhuma perspectiva. Mas, como um guerreiro que sobrevive das batalhas, venci. Terminei com louvor o (antigo) primeiro grau; o segundo com bem menos. Parei de estudar por quatro anos, casei, trabalhei muito em outras profissões, nutrindo uma vontade de ser professor, pouco alimentada naquele período.

A demissão inesperada do melhor emprego até então conseguido, despertou-me o sonho escondido. Decidi e fiz pela primeira e única vez o vestibular convencional na UESPI, em 1999. Passei em 14º lugar, o que me causou uma alegria como se fosse do 1º lugar em Medicina. A família cresceu, os recursos diminuíram, o curso foi concluído após 4 anos e meio, percorrido com muitos embates. As primeiras oportunidades para lecionar vieram a partir do 2º período. Aplicação de provas, substituto na rede pública de Teresina, escolas particulares na sequência, algumas decepções com donos de colégio.

O entusiasmo foi refreado por um período de mais 4 anos. Seguiram-se várias tentativas de concursos públicos frustradas, diversos seletivos com êxito, boas experiências em Fortaleza e finalmente a tão esperada aprovação em certame do município de Pacatuba-CE em 2015. O ápice da carreira pedagógica (o reinício),seguida de novos desafios.

O amor pela sala de aula foi o principal ingrediente em uma receita de vida que poderia não ter dado o ponto ideal, mas que pela perseverança, e até pelos percalços, temperou e deu um sabor especial à continuidade dessa história e às principais vitórias. A comparação que faço aqui se deve ao fato de que os desafios da OLP, somado ao momento de pandemia e às limitações pessoais foram também ingredientes de uma receita de trabalho, que embora gratificante no fazer, se mostrou árdua nos aspectos negativos e limitantes. Como ser professor é uma parte significativa da minha receita, cabe a mim ditar os próximos procedimentos para aprontá-la.

Quando li os materiais divulgadores da nova campanha, logo percebi que poderia ser um divisor de águas em nosso trabalho na fase escolar da OLP. A principal mudança na apresentação final, com o Relato de Prática, o Álbum e a Linha do Tempo indicaram logo as inúmeras possibilidades de se realizar um trabalho ímpar, porém nada fácil de executar, já que seria a primeira vez neste formato. Estudei os cadernos docentes, assisti as entrevistas e li alguns artigos relacionados a atual edição. Pronto para planejar as estratégias, traçar um percurso, uma linha de ação, elaborei os primeiros planos, as primeiras atividades. O começo foi uma apresentação em vídeo, onde apontei vários aspectos de cada fase da 7ª edição da OLP. Em seguida expliquei sobre o tema a ser trabalhado: “O lugar onde vivo”.

A principal dificuldade que surgiu naquele momento foi dominar um aplicativo de edição de vídeos que baixei para gravar e utilizar na aula. Nunca havia trabalhado com essa ferramenta, então pedi ajuda a um dos coordenadores da escola onde trabalho. Liguei pra Leomaro e prontamente deu-me algumas explicações e enviou um tutorial. Com a formação adequada concluída, fiz a primeira gravação. Ao assistir, vi que não estava legal e reiniciei os trabalhos. Uma madrugada foi pequena pra deixar do jeito que julguei ser o ideal. Feito isso era hora de escolher os textos e elaborar as questões da análise dos textos de memórias. Assim como na vida, a sala de aula às vezes nos surpreende de uma forma muito positiva, embora tenhamos que sacrificar algo que julgamos importante dentro de casa, o tempo e a disponibilidade com a família. Tempero insosso.

Os alunos fizeram perguntas, procurei responder a todas de modo que me fizesse entender. Ainda restavam dúvidas na mente deles quanto às fases da OLP e à obrigação de participação. Tentei explicar que não se trataria de obrigação mas que seria uma parceria que faríamos com o objetivo de aprendermos juntos, o gênero proposto. Nessa relação eu seria apenas um facilitador, um coadjuvante, e eles seriam os protagonistas. Ingrediente interessante.

O próximo passo foi mostrar através de slides os principais aspectos identificadores do gênero em estudo. Preparei o Powerpoint e gravei a aula com o recurso mencionado anteriormente. Nessas primeiras oficinas ainda não estávamos trabalhando com o Google Classroom. Esta última ferramenta trouxe consigo algumas lacunas a serem preenchidas em minha “formação tecnológica”, se é que podemos chamar assim. Mais uma vez recorri aos “universitários”, por que até então estes apetrechos não faziam parte do meu kit de recursos habituais.

Quanto ao aprendizado dos alunos, percebi que não estavam desenvolvendo os conhecimentos e habilidades esperados. Isso me deixou preocupado, entendi que à distancia era bem diferente da sala de aula física. Era hora de mudar um pouco a estratégia. Propus então que os alunos lessem e comparassem textos dos gêneros: Memórias Literárias, Relato Pessoal e Diário. Reexpliquei os elementos que compõem cada Gênero e pedi que apontassem os aspectos semelhantes e aqueles que os diferenciavam um do outro. Esta proposta surtiu um efeito mais promissor, avançamos um pouco.

Em seguida comprei um caderno para registrar os acontecimentos e avanços das oficinas. Elaborei um formulário no google forms para testar os alunos quanto ao aprendizado apresentado até ali. Confeccionei também alguns slides sobre Figuras de Linguagem, pesquisei ou criei alguns exemplos de Comparação e Metáforas, depois foi a vez da Sinestesia e Hipérbole. Esta aula animou um pouco os alunos e o retorno foi melhor. Satisfação saborosa, porém insuficiente.

Na aula seguinte preparei um roteiro para propor uma entrevista com a pessoa a ser homenageada pelos discentes, expliquei a maneira como deveriam proceder, os recursos que poderiam utilizar e o tipo de perguntas que poderiam elaborar. Enfrentei um pouco de resistência dos alunos, pois não ficaram muito empolgados com a função de repórter, alguns alegaram o problema da pandemia, outros reclamaram ter dificuldade de abordar os parentes ou familiares escolhidos. Com bastante paciência consegui convencê-los que seria uma tarefa divertida. Aceitaram mas sem total adesão. Com estes problemas apresentados, tive que esticar os prazos para a devolução da atividade e precisei adiar também a próxima proposta, que seria a primeira escrita deles.

Após os inevitáveis adiamentos, recebi as primeiras escritas, fiz algumas observações individuais, outras fiz no coletivo, no momento das aulas virtuais. Passei algumas dicas pelo whatsapp e pelo Google Classroom. Aos poucos fui aprendendo a usar os novos recursos, conforme a necessidade ia exigindo. Uma pitadinha de auto formação na receita.

Além das intempéries do ambiente virtual de aprendizagem, dificuldades pessoais por parte dos alunos, que enfrentaram cotidianamente problemas de saúde devido à pandemia, pois esta avançava nos lares e a quarentena modificava negativamente a rotina de alguns. Somado à falta de recursos pra ter uma internet de qualidade e até um aparelho compatível com as ferramentas disponíveis.

Isso tudo influenciou muito nos resultados , pois concluo que foram bem aquém dos esperados. Mesmo assim conseguimos dar continuidade e finalizar a fase escolar, apresentando os materiais e as produções finais com os aspectos mínimos identificados. O tempo findou, a missão foi concluída e ficou uma sensação de que aprendemos juntos, professor e aluno, sabemos que poderíamos ter feito mais, no entanto, temos a certeza que demos o nosso melhor Mas, como dizem por aí: é vida que segue. Hoje podemos vislumbrar uma luz que se apresenta ao longe e faz renascer a esperança dentro e fora dos lares de todos nós. Considero o trabalho realizado nesta edição da Olimpíada de Língua Portuguesa de 2021, como uma formação contínua de um valor inestimável e que nos marcou significativamente. A receita sempre pode receber alguns acréscimos.