O mundo na crise da encruzilhada

Nosso mundo não começou hoje.

Somos frutos de milhares de anos de cultura e de processo naturais: a produção humana que se acumulou, gerando o que somos e sabemos; e os lentos passos da natureza se autoproduzindo em ritmo lento, para não cometer erros nem dar saltos.

Mas o nosso mundo não é assim. Ele tem um sabor: é amargo. Amargo porque temos sempre a impressão de estarmos atrasados. Não temos tempo. Tudo nos é cobrado para já. E quando algo ou alguém cumpre o prazo, mesmo depois da tarefa concluída permanece numa angústia mortal: quase que não deu tempo de cumprir o cronograma. Nada interessa se não for rápido, imediato. “Quero isso para ontem”, dizem os chefes para seus subordinados.

Mas que tem de diferente neste nosso louco mundo que nos cobra o imediato?

A velocidade.

As empresas, além de aumentar a cobrança pela eficiência, cobram também maior produtividade; além de cobrar mais velocidade na execução das tarefas, também querem que se executem mais tarefas em menos tempo: “tempo é dinheiro” é a máxima que maximiza a cobrança e minimiza o trabalhador; aumentam-se as exigências na produção, mas não se aumentam os salários. E o trabalhador é sugado e espremido. É uma esponja: o empresário sabe que pode apertar mais um pouco pois sempre tem uma gota a mais para escorrer.

E, como tudo tem que ser feito muito rapidamente e com urgência, não dá tempo de aperfeiçoar; de caprichar, de fazer bem feito… mesmo assim são cobradas qualidades. Por isso vivemos na era da superficialidade: não dá para aprofundar conhecimentos, relações, qualidade dos produtos. E essa é outra qualidade destes tempos desqualificados: os produtos não são fabricados para durar, mas para se acabar logo, para que logo se comprem outros; além disso, os novos modelos apresentados como novidade, fazem com que se joguem fora os modelos anteriores ainda perfeitos. Mas eles devem ser substituídos pelo modelo novo, atual, que “todos já estão usando” e o consumidor, pescado pelo consumo engole a isca, com medo de ficar ultrapassado.

Uma das formas pelas quais o ser humano criou a armadilha atual, à qual chamamos nosso mundo, foi armada a partir do final do século XX: com o advento do mundo infotecnovirtual. E a armadilha se aperfeiçoou com a universalização da Internet. Universo em que tudo está ao alcance de um toque na tela ou de uma tecla, se a pessoa for da geração antiga.

Na escola o professor faz uma afirmação e o aluno a confronta com a internet: se as informações não coincidem o professor está errado, diz o aluno especialista em tela e analfabeto em estudo e conhecimento.

Dá para dizer que nosso mundo contemporâneo é uma anomalia da modernidade: valoriza o superficial por ser imediato, por isso nega o conhecimento que depende de tempo e pesquisa; é avesso à natureza porque ela tem sua dinâmica e seu ritmo independentemente de nossa vontade; a natureza é lenta e as pessoas querem tudo imediatamente. Estão sempre com pressa como o coelho do mundo de Alice; as pessoas querem saúde e não querem ficar doentes e desejam prolongar suas vidas, mas cobram novos produtos: maiores para depender de menos espaço na produção,com menor ciclo produtivo para acelerar a colheita e agilizar as vendas… por isso se investe em biogenética interferindo na qualidade sanitária do produto potencializando enfermidades já existentes e oportunizando novos problemas da saúde.

Formou-se um mundo no qual a família está em crise pois o companheirismo e o amor perderam espaço para o individualismo, o egoismo; o diálogo, a tolerância, a compreensão, a compaixão, o perdão, os momentos de estar juntos … a história da família na pessoa dos avós… tudo se perdeu nas desavenças do momento, no imediatismo das vontades sobrepostas à razão. Os casais se separam pois, se não há amor, não tem sentido buscar soluções, contornar conflitos, dialogar e perdoar... e o casal se separa porque não vê sentido ficar junto com alguém com quem “as ideias não batem”!

Bem tinha razão a raposa, conversando com o pequeno Príncipe que dizia ter pressa: “Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, as pessoas não têm mais amigos; se queres um amigo, cativa-me”. Só que cativar, para gerar uma amizade, leva tempo. E tempo, como se diz na sociedade atarantada, é o que não se tem. Tem que ser imediato. Como de imediato não dá pra fazer coisas bem feitas, o mundo fica pela metade. Fica numa encruzilhada: quer o que não tem e tem o que não lhe agrada. E nessa crise de identidade e de valores segue o mundo...

Essa crise vai produzindo a angústia das pessoas que vivem no tempo do imediato: e aí os psicólogos tem trabalho; e as pessoas querem explicações para a crise: aí os filósofos, sociólogos e antropólogos têm trabalho… mas isso não cura a crise nem coloca uma seta na encruzilhada...