Boletim de Ocorrências

A má utilização da língua portuguesa é capaz de gerar situações inusitadas, mesmo além das quatro paredes de uma sala de aula.

Situações esporádicas vêm demonstrando a incapacidade dos que se submetem à criminalidade, de confrontarem-se com situações onde se faz necessária a aplicação de conhecimentos gramaticais básicos; daqueles que se aprendem logo no início do processo educacional de uma pessoa.

No dia 16 de Junho de 2006, a Folha de S.Paulo publicou uma matéria sobre uma interceptação de um carro roubado na Rodovia Régis Bittencourt, que liga São Paulo ao Paraná. Entretanto, uma notícia normalmente atribuída às páginas policias do jornal acabou ficando inadequada, em consequência de um detalhe extra que colaborou na identificação e posterior captura do veículo.

Isso se atribui ao fato da identificação do carro ter ocorrido em função dos bandidos, no processo de adulteração do emplacamento, terem anexado ao carro uma placa com a identificação "SC - Frorianópolis", um erro infantil que obviamente faz referência à capital de Santa Catarina, Florianópolis.

E esse não foi o único caso. Um ano após esse incidente, mais precisamente em Novembro, foi publicado pelo Jornal do Brasil-Online uma situação muito parecida; guardadas as devidas proporções. Dessa vez, após receber uma denúncia anônima, a polícia de São Paulo armou uma emboscada para bandidos que, segundo o relato, invadiriam um condomínio de luxo na Lapa. Quem denunciou também disse que os bandidos estariam desfarçados de entregadores. E aconteceu exatamente da forma como foi descrita a situação.

Bandidos com armas de fogo e ferramentas usadas para arrombar cofres foram interceptados pelos polícias na operação. Curiosa foi a maneira usada pelos polícias para identificar se as pessoas as quais estavam prendendo, realmente se tratavam dos ladrões. Os delinqüentes utilizaram um Fiat Dobló branco com os dizeres: "Impório Santa Maria" nas laterais do veículo, deixando evidente a não-veracidade da entrega. O erro residiu na utilização da palavra "Impório" quando o correto seria "Empório", por definição: "centro de comércio internacional"; "praça comercial de grande importância".

Espantosa foi a declaração do delegado Ruy Ferraz Fontes, do Departamento de Investigação sobre Crime Organizado (DISCO). Ruy fez a seguinte afirmação:

-"Estávamos preparados porque é uma quadrilha violenta. Do ponto de vista operacional, são muito bons. Mas, do ponto de vista gramatical, são péssimos".

Uma infeliz ironia por parte do delegado. Esse tipo de acontecimento não pode ser interpretado somente como um infortúnio dos que praticaram os delitos. As características das situações deixam claro a falta de educação básica dos praticantes de atos ilegais, o que pode levar quem analisa as situações a conectar a falta de educação à prática de atos ilícitos e violentos.

Ao invés de utilizarem-se de sarcasmo ao falar sobre o ocorrido, os órgãos do governo deveriam perceber que a falta de educação pode ter barrado uma série de oportunidades a esses bandidos, forçando-os a apelar para o mundo do crime a fim de conseguirem condições mínimas de vida pra si e, se for o caso, também para seus familiares.

Não é querer justificar a atitude dos ladrões, muito menos desmerecer o fato de os terem capturado, mas o modo e os detalhes dessas operações são vergonhosos. Isso só demonstra a falta de interesse, por parte dos que têm o poder em mãos, de tomar atitudes com a finalidade de combater esse paradígma. A violência, e os desvios de conduta em geral são conseqüência de diversos fatores, dentre eles a educação; a qual pode ser julgada como o mais importante. As situações descritas e outras várias que acontecem Brasil afora expõe constantemente a debilidade do sistema educacional do país. Se governos realmente tivessem uma preocupação sobre isso, então se poderia ter orgulho de dizer que os erros gramaticais, inclusive em salas de aula, raramente seriam o motivo de risadas inconseqüentes.