VÊNUS VETUSTA

VÊNUS VETUSTA

O Tempo tudo nos muda,

Deteriora, envelhece...

Nunca a ninguém ele ajuda!

Por segar a sua messe,

Colhe da face desnuda

A rósea maçã carnuda

De quem seu lavor padece.

As belas neves d'outrora

Onde estarão? Onde estão

Da florescente Senhora

Seus olhos que nem clarão?

Quase nada veem agora

Se quando o sol vai-se embora

Só lhe deixa escuridão...

'Té o rosto lhe é estranho

Tal-qual a mão sob a luva:

Envelhecida no amanho,

A pele se fez murcha uva;

Em prata, o cacho castanho

E o véu de noiva d'antanho

Hoje um xale de viúva...

Que é dos passados encantos?

Que é dos antigos louvores?

Olhos banhados em prantos,

Passa entre achaques e dores

Vivendo à espera de espantos

Ou da morte, que faz santos

Mesmo os grandes pecadores.

Quem fora tão desejada

Deseja ora estar sozinha...

E a beleza celebrada

Jaz, por obscura e daninha,

Como ventura passada

Que lhe dói quando lembrada

Diante de tudo que tinha.

Os homens -- tão inconstantes! --

Com promessas insensatas...

Seus arroubos delirantes

Lhe cercando entre bravatas:

Indo de amigos a amantes;

Depois, de amantes a errantes

E, enfim, de errantes a erratas!

Que dizer dos grão-senhores

Que seu amor fez captivos?

Dos sérios comendadores

Com ela sempre festivos?

Dos vãos especuladores,

Dos agiotas, dos doutores

Cobiçando-a d'olhos vivos?...

Quem, como rainha entre reis,

Dominou-lhes as vontades?

Contra os costumes e as leis

Com extremas liberdades,

Vê-se perdida das greis

A contar de seis em seis

A própria infelicidade.

Os primeiros seis foram ricos;

Os segundos, poderosos

-- De rendas e de fabricos;

Os terceiros, perigosos...

Mui violentos e impudicos;

E os demais, só namoricos

Cada vez menos fogosos.

Um após outro se vão,

Levando a sua beleza.

Sem nada no coração,

Senão alguma torpeza...

Contempla-se em solidão,

No espelho em sua mão,

A sua própria tristeza.

E o Tempo, só por capricho,

Lhe adia o fim de sua obra,

A esculpir-lhe em cada nicho

Outro vinco que lhe sobra.

Sobre a face algum pasticho

Caricatura-a igual bicho

N'um misto de águia mais cobra...

Afinal -- eu vos inquiro --

Que é d'aquela tão augusta?

Recolhida em seu retiro,

Dia após dia se assusta

Co'o Tempo que, sem respiro,

D'uma Vênus, giro a giro,

Fê-la outra mulher vetusta.

Betim - 25 05 2018