NA LUZ VERMELHA

NA LUZ VERMELHA

Tinha dentes amarelos

De café e nicotina...

Seus olhos azuis, tão belos,

Decerto valem castelos,

P'lo que retêm na retina...

Onde castanhos cabelos

Luzes louras se imagina:

Já à cabeça platina

Não sem maiores desvelos

De mulher não mais menina.

Ela pede uma bebida;

Eu acendo seu cigarro.

Gargalha, desinibida,

N'uma risada comprida:

Ela bafora; eu pigarro...

Seu decote convida

E eu, saliente, lhe agarro

Louco por vê-la despida

Com uma fúria incontida.

O que se mostra bizarro...

À escada do sobe-desce

Eu lhe segui pé por pé.

Lá, contudo, me aparece

Um cornudo que padece

Das misérias da má-fé...

Diz o outro que s'entristece

E que mata e morre até!

Mas a dama o desconhece,

E logo a malta enlouquece:

-- "Pega fogo, cabaré!"

Brilha navalha na mão

E voa garrafa no ar!

A dama a chorar no chão

Parece pedir perdão

Ao corno que a quer matar.

Mas já rendido o vilão

Ela renega o chorar

E estapeia um pescoção

Na estupefacta feição

Co'os dedos a lhe marcar.

-- "Sou puta e filha da puta!

Não devo nada a ninguém.

Quem me reprova a conduta 

M'expõe como dissoluta,

Dizendo-se homem de bem.

Eis o pateta em disputa

Por dama alheia, porém...

O que ninguém mais refuta

É que quem perdera a luta

Só resta dizer amém!"

E tapa depois de tapa

O corno toma da dama.

Como à malta nada escapa,

Todos riam à socapa

D'aquele pomposo drama...

E quanto a mim -- na caçapa

A bola da vez da trama --

Vencida a primeira etapa,

Ela e eu saímos do mapa

Para acabarmos na cama.

Belo Horizonte - 12 10 2019