"You are not serious people"

*Spoilers de Succession S04E03*

Esse episódio conseguiu de mim uma coisa inédita, além, única. Me fez assistir duas vezes, o mesmo episódio, no mesmo dia.

A primeira pra sabê-lo, senti-lo. A segunda pra enxergar.

Eu já fui a um enterro. É uma das experiências mais aterradoras que pode existir pra quem tá vivo. A ausência que, a partir dali se instala e fica. O medo para os próximos, de não saber da vida adiante, sem aquele que partiu. De aprender a ser agora, outra coisa.

Lembrei de uma das histórias de Mia Couto.

Um dos contos, (já devo ter falado sobre ele), tem o personagem "Zuzezinho" do conto "O homem cadente". Presente no livro "O fio das missangas"

Assim como Logan, o evento da morte de Zuzezinho (ou a possibilidade dele) já causa nos outros um barulho sem fim, quase inaugurando um novo centro de gravidade nas coisas.

Assim como Logan em seu jatinho, Zuzezinho está também acima da linha do chão ( querendo saltar de um prédio.)

"pairando como águia real, o Zuzé Neto. O próprio José Antunes Marques Neto, em artes de aero-anjo. Estava caindo? Se sim, vinha mais lento que o planar do planeta pelo céus."

Só que diferente de Zuzezinho, Logan Roy de nada tem "Aero-anjo" tá mais pra "Aero-demo", se eleva, brilha, mas brilha de um jeito espesso, grosso.

Esse episódio, "Connor's weeding", é uma maestria em nos fazer, pela próxima hora, sufocar nessa coisa fúnebre, sem manual, repentina, que é a perda.

E tal qual a história de Mia Couto, Succession se vê num momento em que a queda demora pra cair, é lenta, gerúndio, é "um desmando nas leis da gravidade" ou até, um gráfico de ações na bolsa de valores que despenca

Outra coisa interessante, é a palavra "Sucedido" e os correlatos "Sucessão", "Sucessor" etc Está no conto de Mia, e tem a ver com "o que vem depois", "a seguir", mas também com "aquilo que se foi, se sucedeu, não é mais."

"- É Zuzézinho! Está caindo do prédio.

 E as gentes, em volta, se depressavam para o sucedido. Me juntei às correrias, a pergunta zaranzeando: o homem estava caindo? Aquele gerúndio era um desmando nas graves leis da gravidade: quem cai, já caiu."

Vi (Acho que o Jeremey Strong) falando que foi um mecanismo filmar uma das cenas. Uma tomada inteira de meia hora, películas 35mm, 4 câmeras ao mesmo tempo, sem cortes.

Cada câmera, isto é, cada rolo, consegue rodar10 minutos. Esconderam pelo set os rolos, então quando uma acabava, uma câmera tomava o lugar, enquanto a outra recarregava.

Uma coreografia maravilhosa!

Teatro!

Os personagens todos falam com o corpo, com a voz, reagem, dançam junto as câmeras procurando um eixo, mas nunca sabendo antes o que dizer, antes pra onde olhar, desorientados, a final, só se morre uma vez.

E até quando é clichê, é bom, e mandam bem.

Casamentos para a família Roy são sempre um evento, explosão, impacto, (literalmente até), só que dessa vez foi diferente.

Depois de ver o Ep, ainda elétrico, eu fiquei me perguntando: "Como matar um personagem?" .

Como tirar de cena, uma presença-titã como foi Brian Cox? Logan Roy, e ainda, uma pergunta mais aguda que essa: Quando fazê-lo? Qual o momento?

A resposta veio logo no terceiro episódio (Faltam mais sete.) Pra mim isso foi um recado soberano, implacável: As coisas são na hora das coisas.

E é muito curioso ver isso sendo dito de forma tão brutal pra eles, pros irmãos.

Quer dizer, fodasse o dinheiro todo do mundo, fortuna nenhuma consegue negociar com o tempo, domar a natureza. Embora ali eles ainda estejam meio que na ilusão de controle, tentando. "me deixa falar com o piloto", "chama o médico"...

Tudo em vão

E eu digo essas coisas sem nunca esquecer de quem falamos. A série se esforça em nos contar que estamos falando de víboras, mas nada é binário. Mesmo víboras, mesquinhas, ainda são um pedaço humanas. Víboras que choram!

E aí vamos até a frase-título desse texto

'You are not serious people"

Essa frase acontece ainda no episódio anterior, no segundo, mas é significativa. É um pai, dizendo pros filhos, que apesar de amá-los, eles não são pessoas sérias. São na verdade, crianças.

E assim foram também pela última vez, no esperneio, no choro, ressentimento, na negação.

"Succession" confirmou mais uma vez, o seu lugar de excelência, prestígio. É o show televisivo em seu mais alto nível.