A Cidade Branca de Aziss Iunes

A Cidade Branca de Aziss Iunes colocada em síntese

Um esforço concentrado em defesa da memória

Por: Guimarães Rocha*

As memórias precisam de vozes. O passado necessita de canetas corajosas que o reconstruam na percepção dos homens, visando consolidar o presente e projetar o futuro. A reverência aos heróis e seus enredos, o relembrar dos panoramas físicos formados nos variados momentos históricos e das lutas cívicas de quantos nos antecederam na marcha da vida, constituem impagável estímulo para o mundo jovem na senda do conhecimento que leve a progredir conscientemente, e também para o mundo antigo que se renova, quando os atores decidem contribuir para benéficas transformações.

As páginas que percorro avidamente, do livro História e Crônica da Cidade Branca, de Aziss Tajher Iunes, tocam a saudade, o reencontro e o amor que sinto pelo Município de Corumbá. Em capítulos curtos, com elogiável poder de síntese, associando o local ao nacional e vice-versa, o odontólogo e professor sabe costurar, com linguagem clara e direta, os elementos de composição dos diversos contextos no tempo e no espaço, jogando luzes pela compreensão histórica a respeito de Mato Grosso do Sul e do Brasil, fronteiras e origens de problemas.

O livro, prefaciado pelo ex-procurador geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, lançado em Corumbá no final de 2005, publicado pela Associação dos Novos Escritores de Mato Grosso do Sul, tem apoio da Academia Sul-Mato-grossense de Letras.

Aziss Iunes é questionador: Por que desprezar e descaracterizar edificações históricas, apagando a memória da cidade, como tem acontecido ao longo dos anos? Justas homenagens oferecidas aos heróis da terra ou que a ela estiveram ligados, como placas de inauguração, nomes conferidos a logradouros, são trocados ou simplesmente retirados, sem consideração. Não por saudosismo estéril, mas, sim, por saber da importância de muitas obras que têm sido destruídas, o escritor começa o seu livro com a intitulação “Sonhei”, resumindo sua indignação, a exemplo do trecho: “Sonhei que estava entrando no majestoso Cine-Teatro Santa-Cruz...” — aí lembra, a bela estrutura, que exibia filmes, sendo também palco de memoráveis apresentações de grandes artistas e lutas de boxe, foi demolida para construção de um estabelecimento bancário. Reminiscências desse tipo percorrem vários capítulos da sua construção literária.

No albor do século 14 era a busca portuguesa pelo ouro a provocar a primeira exploração nas terras em que se instala Corumbá. Depois, no crepúsculo do século 16, o domínio militar pela defesa do território, com estabelecimento de bases e presídios que provocaram fixação de famílias dando origem a povoado, agora Município desde 1850, com aniversário em 21 de setembro. Tomada e devastada durante a Guerra do Paraguai, Corumbá foi retomada em junho de 1867 pela bravura de Antônio Maria Coelho. Região estratégica tem, relatadas por Aziss Iunes, a atenção e a presença física, por muitas ocasiões, de homens ilustres que ocuparam a presidência da República Federativa do Brasil.

Além da saga envolvendo grandes momentos até ao presente, Aziss relata, como testemunha, o cotidiano sócio-cultural corumbaense a partir dos anos 40 — e também curiosidades, estruturas de educação, saúde, política, imprensa, turismo, comércio, indústria, exportação. A exploração energética, os descasos e depredações, fenômenos climáticos, os fatos principais não escapam, mesmo por tomadas rápidas, do seu olho retrospectivo.

A história do Brasil passa inevitavelmente por Corumbá, e o professor não esquece os heróis da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que brilharam na Europa e no retorno ao Município: “No auge da Segunda Guerra Mundial, quando os pracinhas brasileiros lutavam contra os alemães à frente da batalha na Itália...” — leia o livro.

O escritor tem didática inquietante, especialmente quanto comenta a mudança dos tempos. O que acontece com a evolução? Os novos caminhos são apenas continuidades, mas... Como continuar quando se perde o fio da meada (raízes), ou seja, quando se destrói a memória imediatamente anterior?

Quero dizer a Aziss Tajher Iunes que somos solidários com a sua luta. Escreva mais, amplie detalhes e venha mais uma vez nos abraçar com novos ímpetos literários.

* Escritor e poeta, membro da Academia Sul-mato-grossense de Letras

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Guimarães Rocha
Enviado por Guimarães Rocha em 17/05/2006
Código do texto: T157914