Vinicius de Moraes vive

Vinicius de Moraes vive

Por Guimarães Rocha (*)

Capitão-do-mato, poeta, o branco mais preto do Brasil. Saravá! Com essas palavras Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes define a si mesmo e saúda as pessoas. O diplomata viveu 67 anos com indescritível alegria e, sobretudo, amou as mulheres. Nasceu no Rio de Janeiro em 1913 e morreu em nove de julho de 1980. Completaria 92 anos neste dia 19 de outubro.

Alguns críticos assinalam que no início de sua carreira o artista esteve intimamente ligado ao neo-simbolismo da corrente espiritualista e à renovação católica da década de 30. Observa-se o bíblico em vários de seus poemas, seja nas epígrafes, ora diluído pelos versos.

O eixo de sua obra logo se deslocaria para o sensualismo, criando-se o que se entende como a contradição entre formação religiosa e prazer da carne. Destaque-se aí a valorização do momento para um acentuado imediatismo — as coisas acontecem “de repente, não mais que de repente”, ao mesmo tempo em que se busca algo perene.

Uma constante em sua poética é a binômia felicidade-infelicidade. Em várias oportunidades enaltece a alegria: “É melhor ser alegre que ser triste/A alegria é a melhor coisa que existe/É assim como a luz no coração” (Samba da Bênção); noutras, associa a inspiração poética à tristeza — “Para que vieste/Na minha janela/Meter o nariz? /Se foi por um verso/Não sou mais poeta/Ando tão feliz” (A um passarinho).

Em outros momentos o poeta expõe que “Tristeza não tem fim/Felicidade sim” e isso independe da nossa vontade: “É claro que a vida é boa/E a alegria, a única indizível emoção/É claro que te acho linda/Em ti bendigo o amor das coisas simples/É claro que te amo/E tenho tudo para ser feliz/Mas acontece que eu sou triste...”.

Os poemas de Vinicius de Moraes, aqueles voltados à temática social, como “Operário em Construção”, alcançaram o mesmo grau de popularidade atingido pelas suas composições dedicadas ao amor.

É marcante a participação do Poetinha Camarada na evolução da música popular brasileira a partir da Bossa Nova, ao final dos anos 50. Registra-se que em 1956, Vinicius convidou Tom Jobim para fazer a música de sua peça teatral Orfeu da Conceição. Assim nasceu a parceria que, logo depois, com a inclusão do cantor João Gilberto, daria início ao movimento de renovação da MPB. Posteriormente novos parceiros foram incluídos: Edu Lobo, Francis Hime, Ary Barroso (compositor da famosa Aquarela do Brasil) e outros.

Logo após a morte do “Poeta, meu poeta camarada/Poeta da pesada, do pagode e do perdão” (trecho do Samba Pra Vinicius – homenagem de Toquinho e Chico Buarque), Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Vinícius passou a vida preocupado, à sua maneira, usando meios próprios de expressão, com o problema do destino e da finalidade do homem. Para ele, a princípio, essa finalidade consistia na identificação com o Absoluto; depois, com o Tempo, e para sempre, com o Amor, que compreende uma vida social e individual fundada na justiça e na paz. A plena realização do amor era, a seu ver, a razão da vida, e a poesia era um meio de tomar conhecimento e de espalhar essa verdade. Sua vida foi a ilustração do seu ideal poético. Ele queria um mundo preparado para o amor, livre de limitações, pressões, humilhações, sociais e econômicos. Ora, um ideal desta ordem é, certamente, naturalmente eterno, e Vinícius o defendeu com muita eficácia, quer na poesia pura quer na poesia em forma de música”.

(*) Poeta escritor, membro da Academia Sul-Mato-grossense de Letras

Guimarães Rocha
Enviado por Guimarães Rocha em 17/05/2006
Código do texto: T157915