Resumo do artigo “A sintaxe em Mattoso Câmara”, de Válter Kehdi

Introdução

A produção intelectual de J. Mattoso Câmara Jr., praticamente, não faz menção aos seus trabalhos investigativos no campo da Sintaxe. Mas o autor manifestou preocupação com a sintaxe do português, como em suas observações acerca do período simples e composto. Ainda que tenha dado caráter formalista às suas considerações, estas não devem ser vistas como mero retorno da concepção tradicionalista.

Constata-se que as análises linguísticas de Mattoso Câmara, direcionadas à sintaxe, não gozam de considerável relevância, uma vez que se centram nas áreas da Fonologia e Morfologia. Na época da publicação de seus trabalhos, a linguística estrutural dava maior atenção aos ramos da Fonologia e Morfologia, o que explica este posicionamento em suas obras.

Mattoso Câmara considera que há uma interpolação entre as frases intelectiva a afetiva, e isso estabelece um elo entra a Sintaxe e a Estilística. Assim, fica vedado de ligar-se à sintaxe formalista, o que não o impediu de expor uma sintaxe precisa, ordenada e proveitosa.

Baseado em alguns teóricos linguísticos, distribuiu as frases nas classes: emotivas (prevalência do ser que discursa e ação de externar estados de espírito), requisitivas (que podem ser interrogativas e imperativas e centram-se no ser que ouve) e assertivas (que desenvolvem o tema, autônomas dos agentes discursivos).

1. Morfologia e Sintaxe

A fixação dos limites entre a Morfologia e a Sintaxe é alvo de controvérsia por parte dos linguístas; há ainda os que postulam a postiça distinção entre ambas, na alegação do que chamam Morfossintaxe. Sobre este assunto, Mattoso expõe uma visão elaborada e evidente.

Para ele, a análise linguística se processa mediante os campos sintagmático e paradigmático. Sendo assim, postula a demarcação dos extremos dessas duas áreas dos estudos gramaticais, pautados nos dois eixos saussurianos. Em vista dessa separação, fica a cargo da Morfologia o estudo do vocábulo à parte, e, à Sintaxe, cabe o estudo da disposição dos mesmos numa frase.

Câmara mostra-se singular ao associar sua visão gramatical aos estudos de Saussure, ainda que aquela seja patrocinada pela gramática tradicionalista. A posição mattosiana evidencia que um dado termo depreender-se por meio de dois tipos de analogias: a relação com os termos do mesmo paradigma (objeto de estudo morfológico) e a relação do termo com os outros do enunciado (objeto de estudo sintático).

De acordo com Saussure, os sintagmas se relacionam também na parte interna do vocábulo, se o mesmo é formado por dois morfemas. Ou seja, a sintagmática implica a sintaxe, e pode ultrapassar seus limites. O pensamento saussuriano guia Mattoso Câmara a particularizar o campo da Sintaxe na Sintagmática.

Os termos derivados, mesmo perante um ou mais morfemas, constituem-se num grupo que se incorporam a outras relações associativas.

Através desse alicerce teórico, Mattoso deduz uma sintaxe precisa e habitual da vasta sintagmática saussuriana. A Sintaxe é uma porção gramatical que se atém à análise dos seguimentos frasais, onde a significação linguística não intervém ou entra em choque com a significação sintagmática que a série de termos estabelece.

Um dos pontos que Mattoso Câmara discorre é a questão do morfema de posição, que problematiza a distinção entre Morfologia e Sintaxe. O autor define o termo como sendo “a posição ocupada pelo semantema referente a outro num enunciado”. A disposição dos termos é um caso sintático, mas está envolvido com a tipologia dos morfemas (área da Morfologia). Entretanto, esta é uma suposta contestação. Há diversos graus de coesão entre os elementos constituintes, partindo-se do vocábulo ao período. A coesão é estável e rigorosa no vocábulo, enquanto que, no período, ela é mais branda. O aspecto distintivo do sintagma é a relação demarcado/demarcador nos seus elementos que, nesta visão, não dá demasiada relevância às desconformidades entre vocábulo e oração. Em todo o caso, são estes níveis coesivos que assinalam o contraste entre Morfologia e Sintaxe.

As relações combinatórias são traços delineadores tanto da Morfologia quanto da Sintaxe. Contudo, os estudos morfológico e sintático de Mattoso não se regulam pelos mesmos princípios, pois, segundo o mesmo, a Morfologia assenta-se na importância do eixo paradigmático, que norteia a divisão da Gramática em duas partes. É interessante salientar que a Sintaxe mattosiana emana da exterior (formato) para o interior (acepção).

2. Panorama geral da sintaxe

Mattoso Câmara, ao expor sua Sintaxe, diverge as visões diacrônica e sincrônica, sendo esta última o ponto fixado no estudo em questão. Ele classifica as frases em duas classes: nominais e verbais, de acordo com a essência do predicado. Caso este seja formado por um nome, a frase é nominal (nelas há verbo de ligação e predicativo do sujeito); se o mesmo se apresentar através de um verbo, a frase será verbal.

Em frases verbais, o sujeito é o termo determinado e o predicado exerce a função de determinante. Por outro lado, a dependência sujeito/predicado nem sempre permite identificar o sujeito como ser determinado. Outros teóricos linguístas atribuem ao predicado o papel de determinado e ao sujeito caráter determinante.

Ainda sobre a frase verbal, Câmara afirma que o predicado verbal pode ser originado por um verbo, acompanhado ou não complemento, com ou sem preposição, a depender da regência verbal. Dentro dos aspectos definidores das frases, existem, ainda, as frases negativas e interrogativas. Sobre as negativas, esclarece-se que pronomes indefinidos, tais como ninguém e nada, por aludirem à ideia de negação, dispensam a presença do termo “não”. Com relação às frases interrogativas, o autor as diferencia em interrogativas total e parcial (nesta há a colocação posterior do termo interrogativo na oração, quando não recai sobre o sujeito a pergunta).

Em se tratando da dupla pergunta-resposta, Mattoso tece observações renovadoras. Como resposta a um pergunta totalmente interrogativa, usa-se o mesmo verbo que consta na interrogação. Já para resposta negativa, basta utilizar o vocábulo não, sem forma verbal posterior. Merece atenção, nas interrogativas parciais, o aspecto de justaposição ou não de algumas estruturas ou a intersecção das interrogativas indiretas com as relativas.

Como outra das preocupações de Mattoso Câmara, referente à Sintaxe, figura a listagem dos conjuntos de estruturas sintáticas: regência, concordância, colocação de divisão fonológica.

Sobre a regência, Câmara identifica dois tipos: a nominal e a verbal. Na regência nominal, o autor considera a preposição “de” o indício que a singulariza. Mas haverá casos em que esta mesma preposição poderá ser trocada por outras viáveis, a fim de se evitar duplos sentidos.

Ao se estudar regência verbal, deve-se reservar especial atenção as circunstâncias de significação que residem nas preposições. Alguns complementos verbais sempre exigem uma proposição fixa (servidão gramatical). Entre as regências verbal e nominal há merecidas correspondências que Mattoso ressalta, sinal dos relevantes vínculos existente.

A respeito da concordância, também é classificada em nominal e verbal. A maioria das regras de concordância nominal tem caráter livre: quando ocorre o caso em que há dois substantivos, o adjetivo deve concordar com o último deles. Só que a criação literária tornou possível a concordância geral do adjetivo, feito no masculino plural, o que impede ambiguidades de sentido.

Também há casos de construções livres na concordância verbal, por exemplo, se o sujeito for composto e estiver posposto.

Seguindo o exposto, a colocação em Mattoso Câmara destaca o propósito de expressividade, que traz os fios da Estilística, com base no preceito de se conferir o valor absoluto de informação ao elemento derradeiro da frase. A regra dada justifica a posição regular do adjetivo, sempre posterior ao substantivo e também a iniciação do enunciado com o sujeito, anterior ao predicado.

O tema da colocação dos termos numa frase chama a atenção de Mattoso para o fato de que a disposição dos agrupamentos de significância expressiva é operante no cerceamento de ambiguidades (Tenho um lápis / de Sérgio – presente; Tenho / um lápis de Sérgio – Sérgio é o dono do lápis).

3. Os termos oracionais

Dentro da análise sintática, o termo oracional “sujeito” é tido como o elemento demarcado pelo predicado, este último demarcador. Tem, ainda, o vestígio de concordância com o verbo e recorrente posição anterior ao mesmo.

Considerando um aspecto particular, não é função exclusiva do sujeito se comportar como agente da ação verbal. O agente da ação verbal, na voz passiva, é expresso por um termo preposicionado (por/de), que recebe o nome de agente da passiva. Diante de verbos que exprimem causa, o agente da passiva é a entidade-objeto que sofre a ação da entidade-sujeito. Diversos adjuntos adnominais, acompanhados da preposição de, denunciam o agente verbal.

Tratando dos verbos que exprimem causa, Mattoso os caracteriza pela presença do sufixo –entar ou do sufixo –izar , podendo ser identificadas estruturas similares com o verbo auxiliar seguido de um outro no infinitivo ou o verbo fazer/tornar junto a um adjetivo.

Mattoso salienta que nem sempre o agente verbal da oração passiva (sujeito) se liga à ideia de paciente. Esta pode aparecer em algumas frases ativas, que são analisadas sob o rótulo de passividade. Do mesmo modo, é errônea a ligação exclusiva da passividade com a voz passiva. Quando se tem uma frase passiva, cujo verbo é impessoal, a mesma é uma configuração ativa, com significação ativa e sujeito indeterminado.

Acerca da impessoalidade, os estudos mattosianos se direcionam para a focalização de casos de impessoalidade, e não apenas a listagem de estruturas impessoais. Nas orações onde o verbo haver tem o sentido de “existir”, o termo, antes funcionando como sujeito, figura como complemento de lugar (acompanhado da preposição em): Na praça havia crianças. Nos casos em que a oração impessoal apresenta a partícula apassivadora (-se), aquela é proveniente das seguidas supressões de elementos oracionais da construção inicial.

Tratando dos complementos, Mattoso Câmara alerta para o fato de não se identificar o objeto direto apenas por sua propriedade de justaposição, pois haverá casos em que os adjuntos adverbiais também serão justapostos, como também a presença de objetos diretos preposicionais (seguidos da preposição a, por exemplo). A forma mais prudente de se verificar a manifestação desse termo oracional é a possibilidade de mudança desse mesmo termo por pronome pessoal oblíquo o e a transposição para a voz passiva.

A mesma estratégia pode se aplicar ao objeto indireto, quando este for substituível pelo pronome pessoal oblíquo lhe. Em se tratando do complemento direcional, é inviável trocá-lo por lhe, mas pode-se substituí-lo por ele junto à preposição a (Irei ao dentista – Irei a ele). Se o complemento conter um nome de lugar, a troca será possível mediante um advérbio (Irei ao parque – Irei lá). Esta é uma das características dos complementos circunstanciais: permitirem sua troca por um advérbio.

Partindo para uma observação mais pormenorizada da obra mattosiana, observa-se que o autor atribui a propriedade acessória ao que chamou de adjuntos. Adjuntos verbais são termos ou um conjunto de termos que completam o sentido de um verbo ou advérbio, expressando-lhes uma circunstância.

Os termos que complementos o sentido do sujeito e do objeto (predicativos) são representados por adjetivo ou por substantivo substituível por adjetivo: (Maria é um doce – Maria é amável).

Por fim, Câmara identifica o complemento de agente que, nas normas gramaticais, é chamado de agente da passiva. Nas orações de voz passiva, este termo é regido pelas preposições por/ de, sendo sempre um termo acessório: (A casa foi cercada de pessoas). Observa-se que o termo em destaque é o agente que pratica a ação expressa pelo verbo na voz passiva (agente da passiva). Com isso, o autor defende que o complemento do agente corresponde ao agente da passiva.

Tratando dos termos acessórios, o sentido dado a dois ou mais adjetivos, relacionados a um substantivo, determinantes em arranjo consecutivo, relaciona-se com o exame de determinante direto, ou seja, aquele que modifica imediatamente o sentido do substantivo, em sequência contínua. Este fato leva a supor que os adjetivos não manifestam essencialmente uma coordenação ao lado do substantivo que se relacionam:

1 – braços masculinos saudáveis

2 – saudáveis braços masculinos

3 – masculinos braços saudáveis – (forma esquiva, pouco usada)

A ausência de pausa e a possível mudança de posição de um deles em relação à posterior posição do outro autorizam esta observação. Percebe-se, ainda, que a mudança de posição do adjetivo saudáveis, em relação ao substantivo braços (1 e 2), possibilita construções regulares, comuns à sintaxe. Já na opção 3, a anteposição do adjetivo masculinos causa estranheza quanto à construção e o sentido. Com isso, a troca de posições de saudáveis confere maior adesão de masculinos a braços, fixando sua posição posterior em relação ao mesmo.

1 - braços / masculinos

2 – braços masculinos / saudáveis

Conclui-se que os adjetivos em questão relacionam-se com o substantivo em graus diferentes, dando a perceber que não possuem coordenação entre si.

Sobre o termo independente aposto, prescreve a gramática normativa que se trata de um seguimento sintático que circunda um termo como seu centro. Para Mattoso Câmara, o aposto, por ser sequencial, é coordenativo, pois compõe, em parceira com seu centro, um seguimento peculiar.

A discussão sobre o aposto conduziu o autor, baseado na concepção de que o aposto é um termo em sequência, a atribuir unicamente ao substantivo a capacidade de funcionar como aposto, deixando subentendida a recusa da função apositiva do adjetivo.

4. O período composto

As observâncias de Mattoso Câmara, referentes ao período composto, expõem um progresso mais acanhado do que aquele existente nas gramáticas tradicionais. Seus estudos admitem somente dois sistemas de organização do período composto: a coordenação (os termos oracionais são independentes pois possuem sentido completo) e a subordinação (os termos da oração são dependentes entre si, e se relacionam para constituírem sentido completo). Considerando a ligação das orações, estas se classificam como justapostas (que são as intercaladas, apositivas e adverbiais) e correlativas (sendo doa tipos consecutivas, comparativas e aditivas). Para identificar a classificação de uma dada oração é preciso reconhecer que as orações subordinadas requerem o uso de um termo gramatical que estabeleça conexão entre palavras ou partes da frase, enquanto que as orações dispensam este conectivo por já possuírem sentido pleno.

O processo de coordenação exibe certas problemáticas pouco elucidadas por Mattoso, como, por exemplo, a ideia que se tem de aposição – uma estrutura sequencial circundante ao termo-núcleo e, por isso, de coordenação particular. Este e outros pontos discutidos assinalam o embaraçoso trabalho de se delimitar as fronteiras entre coordenação e subordinação, uma vez que o aposto é, incontestavelmente, um termo determinante relativamente ao seu determinado e este vínculo é subordinativo.

Outro aspecto merecedor da atenção mattosiana, no que tange ao período composto, são as técnicas transformacionais. Dentre elas, Câmara elencar três exemplos.

Nas frases que se iniciam por ainda que, pode-se trocar a parte introdutória por estruturas onde o termo que tenha posição posterior ao substantivo, devido à presença do objeto direto.

Ainda que fossem cem mil homens, não derrotariam o gigante. → Cem mil homens que fossem, não derrotariam o gigante.

Em frases condicionais introduzidas por se, a partícula iniciante pode omitir-se, posicionado o sujeito após o verbo e encerrando o enunciado com a segunda parte do mesmo, cujo sentido completa, utilizando ou não a partícula e.

Se você tivesse me ouvido, não estaria em apuros. → Tivesse você me ouvido (e) não estaria em apuros.

As frases afirmativas são passíveis de transformar-se em emotivas.

A vida é uma maravilha. → Que maravilha a vida!

Fica nítida, portanto, a importante contribuição da obra científica de Joaquim Mattoso Câmara Jr. para os estudos da Língua Portuguesa. Mattoso exerceu uma ação realmente decisiva no estudo dos mecanismos linguísticos da Língua, mediante o amplo entendimento que desenvolveu acerca da linguagem e da língua e à sabedoria com que atuou em suas produções. Seus esforços em esmiuçar os aspectos estruturais e sistemáticos da língua (fonologia, morfologia e sintaxe) evidenciam a necessidade do estudo linguístico para a compreensão da língua portuguesa como um sistema dinâmico, diversificado e rico de significância. Mattoso foi, sem dúvida, um grande estudioso e militante ao progresso do conhecimento que hoje se tem acerca da Língua Portuguesa.

Saulo Sozza
Enviado por Saulo Sozza em 02/08/2010
Código do texto: T2413436
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