Fora de Hora – Julio Cortázar
 
Deshoras não são dez horas,  mas sim Fora de Hora,que é o nome que recebeu em brasileiro* o livro de contos de Julio Cortázar. E é também o nome de um dos oito contos que o compõem.

Nesses contos a realidade e a imaginação se confundem e tanto podem se confundir de maneira brilhante como podem ainda confundir a mente de quem lê e então é esse, o leitor, que se sente pouco brilhante. E embora o brilhantismo seja evidente a confusão pode deixar o leitor mais distraído meio louco e obrigá-lo a ler de novo para se desconfundir.

Sempre gostei de Cortázar, entendendo-se esse sempre como sendo desde o primeiro livro dele que li, não por toda eternidade  ou por outra medida de tempo qualquer. Cortázar é um gigante da literatura mundial não se considerando apenas a sua estatura, também sim a qualidade de sua criatividade, a profundidade dos assuntos sobre os quais trata e o seu estilo peculiar. O fato de ser considerado um gênio da literatura, inclusive por mim, não exclui, o fato de que ele escreveu coisas as quais eu não consegui entender patavina. Então fica assim acertado: eu não estou dizendo que ele não foi genial em tudo o que escreveu, mas sim que eu algumas vezes não consegui entender a sua genialidade.

O primeiro conto, localizado e datado, é uma carta que o seu escrevinhador pretende fazer chegar ao destino de um modo bem peculiar, pois nada tem a ver com envelopes e correios e seu título sugere e o texto tenta explicar: Garrafa ao mar.
 
Fim de Etapa, dele digo que me deu uma vontade imensa de sair correndo e escrever um conto e foi aí que escrevi Volta ao Lar, mas embora eu confesse o plágio, um nada tem a ver com o outro e não passaria pela cabeça de ninguém que um inspirou e o outro foi inspirado e só se veio a saber disto porque estou contando agora, e certamente serei desmentida inclusive de uma forma que poderá ser cruel e que pode começar assim: “Como ousas”?.Bem, eu não ousei mesmo, só tive um insight.

O terceiro é Segunda Viagem e talvez esteja tratando de uma segunda chance, aquela que transcende a própria realidade e que se contada a meia noite mais vai parecer com um caso de assombração.

Satarsa, história baseada em jogos de palavras, centrada em palíndromos assim como atar a rata que lendo-se de trás para frente é a mesma coisa e aí me veio a lembrança que estou escrevendo um livro de pequenas histórias que se chama De trás pra frente ou de frente para trás tanto faz leia como lhe apraz, o que me leva a pensar que meu livro não deixa de ser um palíndromo, se palíndromo se aplicasse a outras coisas que não as palavras e eu ainda não havia pensado nisso. Mas eu não sei ainda qual o motivo para o fato de se amarrar uma rata seja diferente de amarrar um rato, a não ser o fato de que o protagonista do conto seja obcecado por palíndromos. Mas esse estranho conto fala da vida de um grupo de pessoas que ganha a vida laçando ratas gigantescas para exportar para alguma multinacional usar em seu laboratório e é tão triste quanto a fome e a miséria e talvez seja para afastar a tristeza que eu esteja escrevendo essas brincadeiras todas ao mesmo tempo que tento lembrar de palíndromos como ovo, Oto, asa e sei lá mais o que.
 
A Escola da Noite é um verdadeiro pesadelo, para o narrador-protagonista e para mim também, tão absurdamente chocante que chego a imaginar que foi baseado em um fato real. O conto que dá nome ao livro, Fora de Hora, por sua vez é belíssimo e fala da lembrança de uma passado que ressurge na vida atual do narrador totalmente fora de hora, bagunçando tudo, mas de certa forma resgatando uma lembrança que parecia unilateral, mas não o era.

Pesadelo, a penúltima história mistura o pesadelo que se vive no sonho com o pesadelo que se vive na realidade e que gostaríamos que fosse apenas um pesadelo, mas, contudo, todavia é realidade e finalmente o último, perfeição das perfeições, uma obra prima, Diário para um Conto, em que o protagonista escreve anotações diárias sobre a sua pretensão de escrever um conto ao mesmo tempo que esse conto vai sendo escrito e além do conto, uma lição de literatura mostrando como é possível criar um texto soberbo, uma história dentro da história, reflexão simultânea sobre literatura e vida.Esse sim um texto genial.