Perdendo e Reencontrando Alice

Há ocasiões em que o futuro, seja na ficção ou na vida real, é construído na medida em que entortamos a narrativa, ousando desviar do planejado, do esperado, do estatisticamente mais provável, e, especialmente, do que foi determinado.

É esta a maior virtude da segunda temporada de “Alice”, caracterizada como “um especial em duas partes”. E, como tal, subdividida em faces distintas, opostas e complementares.

A primeira parte – “O Primeiro Dia Do Resto Da Minha Vida” - é solar e translúcida: mostra a protagonista tocando sua vidinha, de namorido firme, investindo em seus sonhos (ou quase), sonhando uma vida em comum talvez – apenas talvez – recebida com relutância. É a Alice madura, que busca se vestir melhor (como salientou sua magistral intérprete, Andreia Horta, no making of) e afirmar-se profissional e socialmente. São Paulo para ela é território conquistado, no qual se sente à vontade, quase nativa; é a “sua” cidade, repete em cada gesto.

A segunda - “A Última Noite” - é tensa e noturna: devolve Alice à realidade de maneira dura, impiedosa, surpreendendo pelo vigor narrativo, à parte alguns exageros não de todo inverossímeis que já fazem parte do imaginário da série. Devolvida à noite palistana em meio a um verdadeiro tour de force emocional, ela reencontra a verve, alguns objetivos enviesados e, principalmente, a vontade de viver. “De comer tudo que encontrar pela frente”, ou algo que o valha. Uma guinada excepcional no andamento da história, que subverte-a ao mesmo tempo em que a retoma, pois, ao final, trata-se de uma jornada de autoconhecimento.

Mais impressionante de tudo, ainda, não é a qualidade técnica – a série toda é impecável, não só esses últimos episódios – ou o delicado trabalho de retomada e (re)construção dos personagens - sempre vistos com ternura e humanidade. O que salta aos olhos é a consistência das personagens e da história, que conseguem espalhar um odor de verossimilhança e realidade, que os faz amá-los em seus percalços e dificuldades, perdoar seus defeitos e excentricidades como características pessoais tão intrinsecamente aderidas a eles que se tornam indissociáveis do que neles apreciamos, aguardar seus desenlaces com um olhar íntimo, que se importa.

Alice é ainda uma menina, debaixo daquele mulherão todo. Lida com grilos jamais superados, culpas, dúvidas e ansiedades, acredita com a firmeza dos que não não se desiludiram de todo, de mãos dadas com sonhos e ingenuidades que só a tornam mais adorável, mais tonta, exagerada e humana, como, afinal, as musas são.

Para aplaudir em pé.