UMA REALIDADE CARCERÁRIA E DESNUDA

TAVARES, G. M.; MENANDRO, P. R. M. Trajetórias de vida de presidiários e possíveis sentidos para a prisão. Psicologia Política, v. 8 n. 15, p.121-138, Jan. - Jun., 2008.

Gilead Tavares possui graduação em psicologia, mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do

Espírito Santo, Brasil. Paulo Rogério Meira Menandro possui graduação em psicologia pela Universidade de Brasília e Doutorado em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Desde 1982 é Professor Associado I, atuando no Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo - Brasil.

O presente texto aborda os problemas sociais visualizados nas prisões brasileiras, a maneira como eles se manifestam, e as conseqüências que geram para a sociedade, bem como a vivência do indivíduo nessas instituições prisionais e suas perspectivas para um possível futuro.

Tavares constrói sua pesquisa a partir de entrevistas e depoimentos dados por dez internos do Instituto de Readaptação Social (IRS). Suas experiências antes e depois de chegarem a citada instituição, assim como seus anseios para o pós-cárcere, servem de matéria bruta para que a autora construa ao longo das três partes, que formam os resultados e a discussão proposta pela pesquisa, uma base sólida onde o leitor possa de despir de seus preconceitos e adentrar um novo panorama social até então desconhecido, ou até mesmo ignorado. Trataremos em nossa resenha das três partes em separado para que facilitemos o entendimento pretendido pela autora, gerando também uma maior organização das idéias.

Na primeira parte intitulada “O processo de Encarceramento e a Matriz Sócio-Histórica”, Tavares remonta a vivência dos presos, indicando que o passado interfere não apenas no presente de tais indivíduos, mas também em seu futuro. Futuro este que muitas vezes está condicionado ao passado, gerando uma repetição de fatos, ou reicindência. A autora busca então entender as causas que conduzem esses indivíduos a não possuírem uma perspectiva futura de vida, analisando os seus aspectos da vida social. Para isso Tavares elabora um quadro construído através de dados fornecidos pelos presos, onde constam a sua idade, a condição familiar de origem de cada um, a situação escolar e profissionalizante momentânea, qual a história prisional anterior, e qual a situação de pré-delinquência (menoridade).

Na segunda parte intitulada “Histórias Prisionais Anteriores à Estada no IRS”, a autora reconta fatos relatados pelos presos nas entrevistas, abrindo um leque para as possibilidades, ou a falta delas, que levaram os indivíduos a entrarem no sistema prisional e não saírem, uma vez que por já terem pertencido a essa fatela da sociedade, carregam consigo o estigma de “bandidos”, o que inviabiliza um convívio social pacífico com as outras pessoas, levando-os e trazendo-os a delinqüência. Utilizando os dados contidos nas entrevistas a autora relata que os entrevistados já passaram por diversas instituições prisionais antes de chegarem a IRS, e que alguns sofreram torturas, participaram de fugas e que não possuem uma representação positiva da justiça.

Na terceira parte intitulada “Perspectivas de Futuro”, Tavares nos leva a refletir a construção de planos futuros através da fala de um dos entrevistados, em que observamos a frustração e o sentimento de impotência diante das condições hora impostas, que os tiram da posição de senhores de seus destinos e os colocam como reféns de um futuro e incerto e não-esperado. A autora levanta questionamentos como o porquê de se fazer planos para um futuro que podem gerar frustrações? Ou ainda por que se fazer planos quando não se tem autonomia para a construção do próprio futuro?

Tavares busca ao longo do seu texto produzir sentido para a história de vida dos indivíduos presos, para a perspectiva de futuro que eles apresentam, bem como para a situação de cárcere, gerando no leitor um sentimento de intimidade para com uma realidade antes longínqua. O que se sente ao longo do texto é o sentimento de diminuição do indivíduo preso perante a sociedade, como se houvesse um grito preso, prestes a ecoar. Quando lemos os depoimentos, acabamos mergulhando numa realidade escancarada, que nos leva a refletir um assunto muitas vezes apenas ignorado. Entendemos que é melhor acreditar que o preso é apenas bandido e ponto. Por que pensar as razões que o levou a esta situação de “preso”? Por que pensar se ele tem família, se teve oportunidade de estudar ou trabalhar? Somos condicionados diariamente a tratar o cárcere apenas como lixo humano que deve ser tirado da rua e conduzido a um “lixão”, sem possibilidade de reciclagem. Mesmo depois de “livre” o ex-preso continua sendo tratado pela sociedade como delinqüente, o que encerra toda a possibilidade de futuro que ele poderia vir a ter, o levando de volta para a prisão, gerando apenas um círculo vicioso que continuamos a reforçar. Tavares incita brilhantemente esse debate ainda ignorado pela sociedade, gerando reflexões que ficarão em nossa mente por um bom tempo.

A leitura do texto na íntegra é indicada aos profissionais do Direito, Sociólogos, Psicólogos e demais leitores que desejem conhecer um pouco mais sobre a realidade carcerária do Brasil.

Deborah Henrique
Enviado por Deborah Henrique em 30/04/2011
Código do texto: T2939617