O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa.

Herick Limoni*

1 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALVES-MAZZOTTI, Alda J.; GEWANDSNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1999. Cap. 6.

2 - INTRODUÇÃO

Uma das maiores discussões no meio científico, principalmente no que tange às pesquisas, relaciona-se à possível dicotomia entre pesquisa qualitativa e quantitativa. Muitos autores têm envidado seus esforços para resolver esse “possível impasse”. O ponto nevrálgico dessa discussão diz respeito à cientificidade da pesquisa qualitativa. Para alguns autores, em virtude de sua “maior vulnerabilidade” às subjetividades, a pesquisa qualitativa tende a perder seu status de ciência, ao passo que a pesquisa quantitativa, em virtude de ser conduzida sob “métodos mais rigorosos”, estaria isenta dessa subjetividade. Nesse contexto os autores percorrem um caminho histórico a fim de explicar as origens desse debate contemporâneo sobre esses paradigmas, apresentando alguns fatos e características inerentes a essa discussão.

3 – SÍNTESE DA OBRA

3.1 – O “paradigma qualitativo” na década de 80

Em uma análise das publicações dessa época, os autores identificaram que os adeptos da abordagem qualitativa, ao procurarem caracterizá-la, o fazem opondo-se ao positivismo, destacando a superioridade daquela sobre este. Salientam, ainda, que essa comparação é feita com base em um positivismo “ingênuo”, que considera o conhecimento científico como o “único conhecimento infalível e verdadeiro”.

Para os autores, a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato delas não desprezarem as crenças, as percepções, os sentimentos e os valores pessoais, de onde, segundo os quais, decorrem as três características essências aos estudos qualitativos: visão holística, abordagem indutiva e investigação naturalística. A visão holística parte do princípio de que só é possível compreender o significado de um comportamento a partir da compreensão das inter-relações que emergem de um dado contexto. A abordagem indutiva tem como ponto de partida observações mais livres, em que dimensões e categorias de interesse emergem progressivamente durante a coleta e análise de dados. Já a investigação naturalística é aquela onde o observador procura reduzir ao mínimo sua intervenção no contexto observado.

3.2 – Panorama atual

Dessa discussão, segundo os autores, emergem três paradigmas que são apresentados como sucessores do positivismo: o construtivismo social, o pós-positivismo e a teoria crítica.

3.2.1 – Construtivismo social

Nesse tópico os autores argumentam que o construtivismo social enfatiza a intencionalidade dos indivíduos e privilegia suas percepções, assim como a fenomenologia, salientando que o pesquisador construtivista procura iniciar seus estudos do modo mais neutro possível. Para Lincoln e Guba, os pesquisadores construtivistas são parciais ao afirmar que “a idéia de objetividade supõe que existe apenas uma perspectiva verdadeira sobre um dado fenômeno”, salientando que “o pesquisador que aceita essa idéia corre o risco de desconsiderar outras perspectivas possíveis”. De fato, parece-nos que essa visão hermética e radical tende a contribuir de forma negativa para os estudos qualitativos, uma vez que pode representar uma influência prévia da visão do pesquisador. Outras diferentes críticas foram feitas aos construtivistas sociais, como o fato destes não se preocuparem com o “como” e o “por que” de certos significados e o fato de se dedicarem à investigação de fenômenos micro-sociais, não lhes interessando o estudo de questões mais amplas e “mais relevantes”.

3.2.2 – Pós-positivismo

Essa abordagem costuma ser caracterizada nas ciências sociais como a “que enfatiza o uso do método científico como a única forma válida de produzir conhecimentos confiáveis”. Com esse pensamento, praticamente descartam a observação como método capaz de produzir conhecimento científico. Corroborando com essa visão, Phillips defende que “a noção de objetividade, como noção da verdade, é um ideal regulatório subjacente a qualquer investigação. (...) Se abandonarmos essas noções, não tem sentido fazer pesquisa”. Esse argumento demonstra o pré-conceito de que as investigações qualitativas são permeadas de subjetividade, e por isso seus estudos não podem ser considerados confiáveis.

3.2.3 – Teoria crítica

Para os autores, a palavra “crítica”, nesse paradigma, assume pelo menos dois significados distintos. O primeiro refere-se à crítica interna, ou seja, uma análise rigorosa da argumentação e do método, com foco no raciocínio teórico e nos procedimentos de seleção, coleta e avaliação de dados. O segundo diz respeito a uma maior ênfase na análise das condições de regulação social, desigualdade e poder, enfatizando o papel da ciência como transformador social. Para Carspecken e Apple, a diferença entre a teoria crítica e as demais abordagens qualitativas está na motivação política dos pesquisadores, para os quais as questões sociais têm mais relevância.

Para os adeptos dessa teoria, a dicotomia entre objetividade e subjetividade implica oposições, uma vez que essa simplificação, ao invés de esclarecer, confunde. Nesse sentido, Popkewitz argumenta sobre a dificuldade em se distinguir se as disposições, sentimentos e percepções que as pessoas têm sobre suas vidas é fruto da individualidade de cada um ou resultado das regras e padrões sociais inconscientemente assimilados.

4 – REFLEXÃO CRÍTICA

Essa discussão entre o cientificismo e objetivismo das pesquisas quantitativas e o não-cientificismo e subjetivismo das pesquisas qualitativas nos parece longe de terminar. Há bons defensores e críticos de ambos os lados, o que em muito contribui para a perpetuidade dessa discussão. É certo que as pesquisas quantitativas, por trabalharem com a “frieza” dos números, tendem a ser menos afetadas pela subjetividade, ao contrário das pesquisas qualitativas. Mas daí a se inferir que, em virtude dessa maior exposição à subjetividade, as pesquisas qualitativas perdem seu caráter científico, é um tanto quanto pernicioso e temerário. As pesquisas qualitativas, se bem conduzidas, podem apresentar resultados surpreendentes e esclarecedores, principalmente no que tange aos estudos das chamadas ciências sociais. Ao trabalhar o indivíduo ao invés de números, as pesquisas qualitativas captam contribuições importantes que estes não captariam. Ademais, se ambas as pesquisas são conduzidas por métodos, um dos principais pressupostos dos estudos científicos, não nos parece justa essa distinção, uma vez que ambas, com suas características e abordagens, contribuem para a construção de conhecimento. Até que se prove o contrário!

* Bacharel e Mestrando em Administração de Empresas, com ênfase em Segurança Pública e Defesa Social.