Dona Tiburtina e a Revolução de 1930

Tese de Mestrado da Prof.ª Fátima Nascimento e do Prof. Donizete Lima Nascimento lançada o ano passado comemorou os 80 anos de norte-mineira polêmica e ilustre que desafiou os costumes do seu tempo. O Casal João Alves e Tiburtina comandou a política de Montes Claros durante várias décadas. No dia 06 de fevereiro de 1930, por volta das 23 horas, Dona Tiburtina e a então pequena e pacata Montes Claros entraria para a história do Brasil, ao dar início a Revolução de 1930, que culminou com a posse de Getúlio Vargas como Presidente da Nova República. Naquela noite Montes Claros não mais seria conhecida apenas como grande entreposto de sal e gado, mas também como marco de uma “rebelião feminina” contra a sociedade patriarcal da época. Naquela noite, onde hoje temos construído o suntuoso Automóvel Clube de Montes Claros, o então Vice-presidente, Fernando Mello Viana, que visitava a cidade, foi atacado em um tiroteio, que envolveu as duas correntes políticas brasileiras da época, a concentração conservadora e a Aliança Liberal. Seis pessoas morreram, no primeiro de uma série de conflitos que culminou com o fim da República velha. Preservado no Departamento de Documentação da Universidade Estadual de Montes Claros estão a nossa espera mais de 500 páginas resgatadas em 2002 do acervo do Fórum Gonçalves Chaves de Montes Claros. Tudo foi restaurado, digitalizado e escaneado. Na pesquisa importante da Prof.ª Fátima foram encontradas duas cartas relevantes: uma escrita por Abílio Coimbra, de Carangola, em 1939, comparando Tiburtina a Marília de Dirceu, por comandar o levante contra o governo; e outra de Angelita Figueiredo, de 1950, que salientava a sua liderança política e pedia a ela apoio para eleger o marido, Mário Augusto de Figueiredo, como Deputado mineiro representando a região de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha. Dr. João Alves faleceu em 1934 e Tiburtina continuou “reinando” nos sertões de Montes Claros.

Nascida em itamarandiba, aos 30 de agosto de 1873, filha do Capitão Manoel Florentino de Andrade Câmara e Dona Henriqueta Leocádio de Mello. Querendo livrar-se da opressão paterna, furtava-lhe dinheiro para oferecer aos pobres (conta a lenda). Estudou em Capelinha e Diamantina, em regime de externato. Casou-se primeiramente com Antônio Augusto Câmara Alkmim, família de Bocaiúva, tio-avô de José Maria Alkmim, contra a vontade do pai. Como o marido era boêmio e alcoólatra, ela teve que assumir a lida da fazenda. Nessa situação resolveu mudar-se para Montes Claros em 1902. Fez uma travessia acompanhada de 25 tropeiros e arrieiros que transcorreu em seis dias de viagem. Com a “cara e a coragem” não muito peculiar às mulheres daquela época, sozinha, passou a administrar a nova fazenda adquirida. Além da beleza natural alardeada aos quatro cantos, procurava esmerar-se com boas vestimentas e penteados.Muito cedo Alkmim faleceu e Tiburtina ficou viúva. Nova, bela e muito rica, aos trinta e quatro anos de idade, casou-se em 1907 com o médico, João José Alves, filho do Coronel Marciano Alves, potentado regional. Logo depois do nascimento do primeiro filho do casal, o sogro foi assassinado. Tiburtina tudo fez para descobrir e punir o grupo responsável. A partir daí ela e o marido tomaram a frente da política de Montes Claros. Filiou-se à Aliança Liberal e fez oposição aos coronéis conservadores da região . Participa da Revolução de 30, em luta contra as oligarquias locais. Das suas memórias, relatadas em “Bugres” pela escritora Milene Maurício, fica o registro da mãe adotiva de” fifi”, filho de João Alves e Tiburtina morto no tiroteio de 06 de fevereiro junto com mais cinco pessoas.

Até 1950, aproximadamente, no Brasil, a mulher burguesa constituía-se em simples objeto complementar de afirmação existencial do homem. É curioso notar que todas as mulheres históricas do século XIX foram viúvas de potentados coronéis. O que se mostra como um paradoxo. Tiburtina foi uma figura de transição: filha e nora de coronéis, que se transformou em instrumento de luta contra eles.

Por tudo isto Dona Tiburtina merece ser estuda, pesquisada, relembrada e quem sabe, reverenciada e recolocada no seu devido lugar histórico. Isto, efetivamente, depende do trabalho de todos nós. “A verdade não é filha do Império. A verdade é filha do tempo” Galileu Galilei.

Gustavo Mameluque. Jornalista, bacharel em Direito e Crítico de Artes.

Referências: Alencar, Girleno. Jornal Hoje em dia.07.02.2010.Minas. pg.29.

Moura, Antônio de Paiva. Revista Libertas. Mulheres mineiras: história e mito.2005. Belo Horizonte.MG.