RESENHA CRÍTICA_Águida Hettwer -Sobre a Invenção do casal(artigo de Mirian Goldenberg).

RESENHA


          O artigo eleito para leitura, reflexão e análise é da eminente antropóloga, professora e doutora Mirian Goldenberg. Sob o título; Sobre a Invenção do casal, a autora Goldenberg, busca estudar e analisar, particularmente, as representações existentes dos papeis de gênero. E principalmente uma reflexão sobre a identidade, feminina e masculina, ou seja, a identidade do casal na cultura brasileira, os desafios da vida conjugal, sexual, os relacionamentos afetivo-sexuais, as dificuldades de relacionamentos. Questionando por que é tão difícil ser feliz a dois? E pior, experenciar a solidão a dois, onde a relação naufraga num mar amargo de desprazer, onde o outro já não nos encanta como outrora. E até mesmo os solteiros se sentem tão insatisfeitos com as relações amorosas, será que se idealiza demais? Nesta releitura não teremos respostas irrevogáveis, no entanto, permite-nos pensar sobre as relações conjugais e o nosso desafio, de não trocar de parceiro e sim de mudar, fazer diferente, na relação.

          Extremamente interessante a contínua pesquisa que a doutora Mirian Goldenberg, vem desenvolvendo desde 1988, á quase 25 anos, permite refletir sobre a construção da identidade feminina e masculina do brasileiro. Os padrões ditos como “normais” ou desviantes para uma determinada época, a autora cita como exemplo Leila Diniz, ( que foi tema de tese de doutorado da autora) a mulher que quebrou tabus de uma época onde a repressão dominava no Brasil. Também uma discussão sobre as transformações dos papeis femininos na sociedade brasileira. A autora para melhor composição de seu artigo se abasteceu de autores, teóricos como Erving Goffman (1975) e Howard Becker (1966), sobre comportamentos desviantes, e trabalhos de Gilberto Velho, que apontam as transformações do comportamento sexual e na família brasileira nas ultimas décadas. Também o trabalho de Roberto Da Matta (1983), foi essencial para as análises da autora. Onde Da Matta constata a posição ambígua da mulher brasileira, a “Virgem-Mãe” ( a mulher recatada, mãe, dona-de-casa, esposa dedicada) que tem sua sexualidade controlada pelo marido. E a “Mulher da rua” a prostituta, que serve para satisfação sexual, a quem lhe é negado o direito de ser mãe, e se é mãe, os filhos são “filhos da puta”.

             O presente artigo da autora não é somente uma reflexão abastecida de teóricos, sobretudo, uma construção histórica, a partir de literalmente uma vida dedicada á pesquisa (25 anos). A doutora Mirian Goldenberg, faz entrevistas, pesquisa as diferenças, os desencontros, as demandas, as expectativas, entre homens e mulheres brasileiras, todos esses anos de estudos, contribuíram para a construção social da identidade feminina e masculina no nosso país. As transformações dos papeis de gênero nas ultimas décadas 60 e 70, são marcos fundamentais. O movimento feminista organizado na Europa e nos EUA, logo, repercutiu no Brasil, reivindicavam a condição da mulher, ter autonomia de seu próprio corpo, buscando espaço de atuação profissional e política, ou seja, um novo modelo de mulher quer trabalha, que atua politicamente e busca como o homem prazer sexual. No entanto no Brasil o movimento feminista apresentou suas particularidades, a influência da igreja católica como força política, o modelo fundiário desenvolvido pelo colonizador português, o conservadorismo que entrava em choque cada vez que alguma mulher tentava inovar algum costume. As conquistas femininas nas ultimas décadas no geral consolidaram a mulher um lugar de sujeito no mundo.

          Segunda a autora, ela tem durante anos se preocupado em pesquisar a identidade masculina e feminina na cultura brasileira e os relacionamentos afetivo-sexuais. E apesar de inúmeras pesquisas, resenhas e artigos e livros publicados ainda não conseguiu descobrir o “sucesso” de alguns relacionamentos, que na sua grande maioria naufraga num mar amargo de contradições conjugais. Com toda a revolução feminina, ainda sobrevive em nós á sombra do modelo de família nuclear, pai, mãe e filhos, no entanto, nunca como hoje em dia, homens e mulheres estão tão parecidos em comportamentos e desejos. Porém, culturalmente as divisões de gênero para trabalhos domésticos, ainda continua a sobrecarga dos afazeres do lar a mulher. Com o tempo as mulheres passaram a exigir muito mais dos seus parceiros e seus relacionamentos afetivos, quanto mais economicamente à mulher forem independentes, mais exigente ela se torna. Neste quadro de evolução feminina não se pode ser determinista, há aquelas que preferem largar a autonomia e realização profissional, para se dedicar ao lar e criação dos filhos.

         Outro problema apontado pela autora que escuta em suas freqüentes pesquisas, debates, aulas e conversas informais, é a super valorização da sexualidade presente na sociedade brasileira, como se houvesse uma obrigação de sentir atração sexual por seus parceiros,( casados á décadas) como adolescente em pura excitação. E as queixas vão mais longe, os homens reclamam de que as mulheres são muito exigentes, ranzinzas e satisfazê-las parece tarefa de outro mundo. Já as mulheres reclamam que falta homem interessante no mercado, e os poucos remanescentes desta guerra, são ausentes, e até mesmo uma partida de futebol, é mais envolvente do que as próprias parceiras. E para piorar a situação, não conseguem visualizar os pontos positivos, as conquistas realizadas, e falta compreensão que as mudanças ainda são recentes se a relação não é totalmente igualitária é como se não tivessem nada. Para muitas mulheres todos os homens são “galinhas”, enquanto isso um olhar de “vítima indefesa” é recaída para a mulher.

         Simone de Beauvoir (1980), afirma que o casal equilibrado não é uma utopia. Ela acreditava que alguns casais são unidos por um grande amor sexual que os deixa livres em suas amizades e ocupações; outros são ligados por uma amizade que não proíbe sua liberdade sexual e outros ainda são ao mesmo tempo amigos e amantes. A partir desta afirmação podemos citar que um relacionamento autêntico é regado de amor e respeito pela individualidade de cada um. Sobretudo, sem que um seja a razão do outro viver, em uma liberdade que possibilita transformações no sujeito, mesmo que isso implique perdas e riscos, onde há espaço para diferenças, e se investe em qualidade de afetividades, homens e mulheres são mais livres e felizes.

          Podemos concluir com a leitura do artigo, “Sobre a Invenção do casal” que a metodologia consiste em mais de duas décadas de pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas pela antropóloga, incluindo debates, aulas e conversas informais. E o que mais intriga Mirian, ou seja, uma preocupação científica, da qual, por que permeia a insatisfação e a incógnita de como é tão difícil ser feliz a dois, o relacionamento afetivo-sexual, e a busca da construção da identidade do casal na cultura brasileira. Uma reflexão extremamente interessante, que nos possibilita deixarmos a postura de vítimas da situação e sermos o foco da razão.


                        Águida Hettwer/ Graduanda de Psicologia/Feevale/RS



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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GOFFMAN,Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1975.
GOLDENBERG, Mirian. Ser homem-ser mulher: dentro e fora do casamento. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
__________. Toda mulher é meio Leila Diniz. Rio de Janeiro: Record, 1995.
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VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1981.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994.