Aspectos discutíveis em educação - crise na educação nacional e o stress do professor mal pago...
Gatti, Bernardete Angelina Políticas docentes no Brasil: um estado da arte / Bernardete Angelina Gatti, Elba Siqueira de Sá
Barretto e Marli Eliza Dalmazo de Afonso André. – Brasília: UNESCO, 2011. 300 p.
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O sistema também exclui o professor: Chile e El Salvador têm as melhores médias salariais, enquanto Uruguai, Honduras e Colômbia têm nível intermediário, ao passo que, na Nicarágua e na República Dominicana, estão os mais baixos.
A proliferação e a dispersão das instituições é fato em muitos países
da América Latina, o que atenta contra a sua qualidade. Muitas não têm
equipamento adequado (como laboratórios e bibliotecas) para manter uma formação de qualidade.
Após examinar outros aspetos ligados à profissão docente – como a falta
de valorização social, os fatores que geram satisfação e insatisfação profissional
–, a autora seleciona quatro grupos de fatores-chave para pensar
políticas docentes a fim de atrair e manter bons professores:
• Valorização social.
• Entorno profissional facilitador, com condições adequadas de trabalho e
estrutura apropriada de remuneração e de incentivos na carreira.
• Formação inicial e continuada de qualidade.
• Avaliação que retroalimente a tarefa de ensinar. Os marcos referenciais
para a docência e a sua avaliação deveriam constituir a base para os programas
de formação inicial e para a construção das etapas e dos requisitos
da carreira docente.
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O contexto atual é o da inclusão de todos no que diz respeito aos bens
públicos educacionais e sociais, e isso não estava posto anteriormente nos projetos de Estado como nação. Em decorrência, precisamos de “uma escola justa e para ter uma escola justa precisamos de professores que assumam esse compromisso” (TEDESCO, 2010, p.21 e 24).
Um dos olhares que pode caracterizar a sociedade na contemporaneidade é aquele que trata da luta pelo reconhecimento social, em sua dimensão política, que, conforme coloca Paiva
pode ser interpretada como sinônimo da história das demandas por
inclusão na esfera pública das sociedades ocidentais, momento novo, em
que vários segmentos da sociedade, antes invisíveis na organização sociopolítica, passaram a demandar seus direitos, ou seja, seu reconhecimento com base na formação de identidades específicas (PAIVA, 2006, p. 11).
Conforme
Mattos (2006), o economicismo tende a propagar a ideia de que a solução
para os problemas da realidade social pode ser dada pela economia: seriam
“explicações que afirmam, por exemplo, que, se o PIB de um país crescer
tantos por cento, é possível que se reduza a pobreza, se distribua renda etc.”
(MATTOS, 2006, p.152). A cultura, aqui, é questão adjacente ou decorrente.
Já a posição oposta, na esteira dos culturalismos, defende a ideia de que
mudanças na cultura é que podem alterar aspectos, ou toda a ordem social.
Fraser (2001), ao desenvolver suas análises sobre “os dilemas da justiça na era pós-socialista”, postula que a injustiça econômica está ligada à injustiça cultural e vice-versa (FRASER, 2001, p.252). E, se avançarmos na perspectiva das subjetividades, por exemplo, desponta a questão do senso de injustiça, segundo alguns analistas, como fator mobilizador, sendo que, o conhecimento de suas causas é importante para a compreensão dos conflitos sociais emergentes e das necessidades que provocam movimentos de determinados grupos (HONNETH, 2003).
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Para finalizar, o autor aponta os três vetores que cruzam os discursos
de todas as comissões e todos os informes internacionais analisados:
• Estudar as novas competências que o professorado deve adquirir na
sociedade atual.
• Tornar a profissão mais atrativa, seja na entrada, seja no seu percurso,
para reduzir a escassez de professores em muitos países (melhorar o
salário, a imagem e o prestígio social, a carga de trabalho, a segurança no
trabalho e a carreira).
• Tornar a instituição educativa mais autônoma, mais responsável pela sua
gestão pedagógica, organizativa e de pessoal (IMBERNÓN, 2006, p.48).
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A avaliação dos docentes ao longo da carreira é quase inexistente, e não há
incentivos para que os bons professores trabalhem em escolas de contextos
socioeconômico mais desfavorecidos. A autora conclui que essa situação
“confirma a existência de um círculo negativo que afasta os docentes mais
experientes e bem formados daquelas zonas em que mais são necessários”
(VAILLANT, 2006, p.125).
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O horário remunerado fora de sala de aula é uma das reivindicações dos professores que está contemplada na Lei
nº 11.738/2008, que estabelece o piso salarial nacional para os docentes da escola básica. Entretanto, posto sub
judice, o percentual referente ao tempo remunerado fora de sala de aula foi aprovado pelo Supremo Tribunal
Federal apenas em 2011.
Há ainda que considerar que, em pouco menos de 15 anos, o país
conheceu intenso processo de municipalização do ensino fundamental, em
decorrência da forma de alocação de recursos às redes de ensino adotada pelo
Fundef. O maior número de matrículas dessa etapa escolar está atualmente
sob a responsabilidade das prefeituras, sem contar que a educação infantil é
também incumbência das municipalidades. No entanto, a maioria delas não
tem tradição de ensino e de currículo consolidada, ou, às vezes, não tem
nenhuma tradição de orientação do currículo. Nos municípios com número
pequeno de habitantes, normalmente os mais pobres7, há inclusive falta de
pessoal com formação de nível superior e falta de quadros nas redes de
ensino para formular orientações curriculares próprias. Há também várias
secretarias estaduais com frágil tradição de orientação pedagógica às escolas.
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A propósito, Hargreaves (2003) chama a atenção sobre pesquisas realizadas
em regiões do Canadá e dos Estados Unidos submetidas, por largos
períodos, a currículos padronizados. Tais pesquisas indicam a urgência de
modificar essas políticas diante da crise de recrutamento de docentes e da
necessidade de atrair e manter os profissionais mais qualificados nas escolas,
uma vez que a padronização excessiva tende a aumentar a probabilidade de
fracasso dos alunos com maiores dificuldades e a submeter os professores a
maiores níveis de frustração e constrangimento no trabalho. Também, adverte
para o fato de que escolas em comunidades e países mais pobres estariam
sendo objeto de intervenções padronizadas, principalmente no ensino do
idioma e de matemática, e de apoio intensivo somente em aspectos considerados
básicos do currículo, o que tenderia a aumentar as diferenças entre
ricos e pobres, já que o ensino para os primeiros costuma ser diferenciado e
empregar uma variedade de recursos.
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Para Lessard
(2010), as reformas em que se acentuam as estratégias “de baixo para a cima”,
na maioria das vezes, são aleatórias, frágeis. Sua capacidade de institucionalização
das mudanças é pequena, muitas experiências interessantes se perdem.
Há que reconhecer, contudo, que elas são depositárias de muitos dos princípios
mais caros defendidos historicamente pelos educadores.
A tendência é detalhar
muito o que, como e quando deve ser ensinado e como deve ser avaliado,
restringindo a autonomia do(a) professor(a) no manejo dos conteúdos
escolares. Esse modo de regulação, chamado econômico-burocrático por
Hargreaves (2003), tem sido feito, por vezes, de forma conflituosa, provocado
enfrentamentos com sindicatos e associações docentes. Ele utiliza
estratégias de “cima pra baixo” e baseia-se em regras hierárquicas, necessidade
de controle dos processos, conformidade às regras de trabalho e sanção aos
desvios.
No modelo econômico-burocrático, entende-se que os conteúdos curriculares
são um insumo que se introduz no início de determinada etapa da
escolarização e que, ao final dessa etapa, os alunos saem apresentando determinados
resultados, como na linha de produção.
Em alguns estados que criaram sistemas de avaliação do rendimento dos
alunos similares ao Saeb (Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná e São Paulo),
estudo sobre os usos dos resultados nas redes de ensino entre 2005 e 2007
(SOUZA; OLIVEIRA, 2010) concluiu que esses sistemas eram ainda incipientes,
conquanto tenham sido identificadas iniciativas que procuravam
transformar a utilização dos dados em instrumentos de gestão, como as que
propunham bônus para professores e funcionários. Entretanto, o peso dos
indicadores passou, nos anos mais recentes, a intensificar os usos das avaliações
padronizadas na gestão das políticas das redes escolares, inclusive por força
da indução da esfera central.
Diante das mudanças ocorridas na última década, as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica e, em particular, as diretrizes
para o ensino fundamental tentam conciliar as orientações de diferentes
tradições políticas e pedagógicas das quais decorrem as políticas atuais de
currículo. Por um lado, elas afirmam e reafirmam a perspectiva ético-profissional
centrada no(a) aluno(a), nos saberes docentes, no trabalho solidário
e coletivo, na autonomia docente apoiada pela escola e pela formação contínua.
Por outro lado, reforçam a avaliação externa e o alcance das metas
estatísticas de rendimento do(a) aluno(a) e incumbem ao MEC estabelecer
expectativas de aprendizagem para o ensino fundamental, visando a fornecer
referências mais claras às redes de ensino sobre o que deve ser trabalhado nas
escolas, ao mesmo tempo em que insistem que os conteúdos do currículo
não podem restringir-se ao que é objeto de avaliação padronizada. As
políticas docentes são muito afetas a essas orientações.