Qualidade da democracia

Essa resenha tem como objetivo abordar a obra: Legitimidade e Qualidade da democracia no Brasil: uma visão da cidadania. O livro tem como proposito maior diagnosticar a qualidade das novas democracias nos países da América Latina. Os pesquisadores envolvidos nessa obra são: Lucio R. Rennó da Universidade de Brasília (UNB), Amy E. Smith, Matthew L. Layton e Frederico Batista, todos os três da Vanderbilt University.

A segunda parte do livro no qual esse trabalho se propõe a analisar, busca compreender as dimensões gerais da qualidade da democracia através de uma abordagem empírica relacionadas as perspectivas populares dos países da América Latina, em especial o Brasil. As indagações presentes foram elaboradas através da pesquisa conhecida como barômetro das Américas (BA) que é parte do Projeto de Opinião Pública da América (LAPOP) realizada a cada dois anos.

Logo na introdução, os autores (2011) buscam responder indagações do tipo: O que os cidadãos brasileiros pensam sobre o funcionamento da democracia no país? Quais são as instituições democráticas mais preocupantes ? Quais são as instituições que os deixam mais frustrados ? Há esferas políticas que eles estão mais satisfeitos ? Para eles, o sistema politico favorece alguns grupos em prol de outros ? Para os autores (2011), todas esses questionamentos são de suma importância para compreender as experiências e visões sobre o que os cidadãos pensam a respeito do funcionamento das instituições democráticas atuais de diversos países.

Os autores (2011) apontam que “Nos anos 60 e 70, principalmente no cone sul, os regimes democráticos de então, ruíram frente a um cenário internacional bipolar da Guerra Fria e um quadro doméstico realizado e permeado por impasses profundos (RENNO et al 2011, p.3). O resultado foi a instauração de regimes autoritários e ditaduras em países da América Latina: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile e Uruguai. Com o processo de redemocratização, as indagações acerca da democracia representativa são realizadas em um momento oportuno para saber como os cidadãos interagem com o Governo, Estado e o Regime.

Assim, surgem novos desafios e medidas que são classificadas pelos autores como iliberais, ou seja que colocam aspectos da democracia plena em cheque como a redução das esferas participativas, a diminuição dos espaços de intervenção dos opositores e o desiquilíbrio dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Desse modo, se por um lado emerge uma nova trajetória da democracia na América Latina que propiciou a manutenção e o funcionamento das instituições básicas por outro questiona-se a capacidade dessas organizações de aumentarem o poder de participação popular no processo decisório e de propiciar uma maior igualdade social. Para os autores (2011), isso gerou uma instabilidade na democracia nos países latinos americanos. Essa inconstância, esta relacionada com as crises eleitorais e aos impasses constitucionais que por sua vez levam a desconfiança e frustação da população com as instituições democráticas.

O resultado pode vir a ser a perda da legitimidade os próprios regimes democráticos levando a ausência ou menor participação, ao clientelismo, exclusão da oposição e outros elementos típicos de regimes autoritários. Os autores (2011) partem do pressuposto de que “quanto maior for o apoio popular a democracia, mais segura e enraizada será” (RENNO et al 2011, p.6). Consequentemente, uma maior política no sentido liberal, propiciará uma maior legitimidade democrática.

No capítulo II - Qualidade da democracia, dimensões gerais, os autores (2011) identificam quais são os principais aspectos para o funcionamento e legitimidade de regimes políticos na América Latina. Os autores (2011) apontam que para a definição de qualidade na democracia, há três diferentes aplicações: procedimento, conteúdo e resultado.

Quanto ao procedimento, sua qualidade pode ser definida através de uma forma controlada e metódica. O conteúdo tem a qualidade definida por características estruturais: desenho, material e funcionamento. Já a qualidade dos resultados dizem respeito ao foco no objeto ofertado, ou seja através da satisfação do consumidor, ou no sentido democrático, pelo cidadão.

Não se pode falar de qualidade de um regime democrático sem levar em consideração, critérios procedimentais básicos: sufrágio universal, eleições livres, competitivas e recorrentes; competição entre mais de um partido político; além de formas plurais de informação. Diferente de um governo totalitário ou de uma ditadura, “um regime democrático não mata, não prende e não exila pessoas por suas opiniões políticas e permite que todos, de forma irrestrita possam opinar sobre política e participar da política (RENNO et al 2011, p.36-37)”.

O conteúdo das características democráticas devem ser baseados em um regime de democracia representativa e liberal. Nesse caso uma democracia de qualidade – e não só necessariamente representativa, mas principalmente essa – devem cumprir normas procedimentais de conteúdo e resultados. ”Uma democracia de qualidade deve prover aos seus cidadãos um alto grau de liberdade, igualdade política e controle popular sobre os tomadores de decisão e as políticas públicas, por meio do funcionamento legitimo e legal das instituições estáveis” (RENNO et al 2011 apud Diamond e Morlino, 2005 , p.38-39).

Referente as dimensões concretas do regime democrático, os autores apontam os seguintes aspectos: o estado de direito, responsividade, combate a desigualdade e participação política.

Com relação ao estado de direito, esse deve garantir direitos políticos e civis a toda a população; estabelecer mecanismos de controle e fiscalização propiciando que todos estejam sujeitos aos critérios da lei. Além disso, a inclusão do sistema legal, jamais pode ser restrita a certas regiões e não se deve criminalizar de acordo com a raça, o gênero, a etnia, grupos ou qualquer outro atributo.

Segundo os autores (2011), para compreender a qualidade dos regimes democráticos deve-se investigar as formas pelas quais o estado de direito não funciona efetivamente em certos países ou regiões. Outra questão crucial é quanto a lei dar um tratamento diferenciado para os agentes do Estado em relação ao resto da população. Por último, um sério problema recorrente a América Latina é quanto a ausência do Estado em certas regiões desses países. No Brasil isso ocorre principalmente nas periferias de grandes centros ou no interior. A ineficiência do estado de direito tem como consequência a perda de apoio as instituições e o aviltamento da legitimidade dos regimes democráticos.

A questão da desigualdade é um dos aspectos de grande relevância para a avaliação da qualidade das democracias. Para os autores “há um vínculo claro entre desigualdades e crescentes visões negativas sobre o desempenho econômico do regime democrático” (RENNO et al 2011, p.44). A expansão da desigualdades sob diversas esferas da vida, ampliam a pobreza e exclusão da população. Desse modo, os autores afirmam que grupos políticos influentes acabam sendo beneficiados pelo crescimento da desigualdade. Isso ocorre devido esses grupos impor suas vontade aos seus subalternos, resultando em aspectos como: controle dos meios de comunicação, apropriação das maquinas estatais e o surgimento de redes de clientelismo; influência direta na implementação de políticas públicas. Ao se avaliar critérios relacionados aos efeitos de desigualdade, pode-se medir a qualidade dos regimes democráticos.

Com relação a responsividade e representação dos interesses, os autores evidenciam que um governo democrático passa a ser responsivo na medida que implementa políticas públicas que os cidadãos almejam. “É necessário identificar a semelhança entre o produto final, o processo decisório e os interesses originais dos cidadãos”(p.49). A responsividade é algo que não diz só respeito as preferencias individuais, mas como as demandas são agregadas e adentram diversos ambientes do sistema politico para dar uma resposta eficiente aos anseios de diversos setores na sociedade.

Contudo, os autores (2011) apontam que não é possível responder a todas as demandas populares, pois isso sobrecarregaria o sistema político e que seria necessário recursos infinitos do Estado. Desse modo, os regimes políticos jamais serão absolutamente responsivos perante seus cidadãos. Além disso, segundo os autores (2011), a representação dos interesses vão muito além da questão da responsividade, perpassando questões fiscais por parte dos governantes e a transparência das decisões. Os autores (2011) afirmam que o processo que torna o sistema responsivo, avança gradativamente. Uma democracia passa a ser responsiva quando as instituições democráticas produzem incentivos para um bom funcionamento ao longo de várias etapas que envolvem o sistema político representativo. Para atribuir aspectos da qualidade de um regime democrático pela responsividade, deve-se levar em conta os estágios de transformação relacionadas aos interesses gerais dos cidadãos e dos governantes ao longo do processo decisório.

Outra dimensão geral a se avaliar na democracia quanto a participação política. “Sem a participação política por meio do voto não há democracia” (RENNO et al 2011, p.56). Esse aspecto é essencial para a própria existência e legitimidade da democracia. Indo além das instituições políticas, uma democracia de qualidade deve garantir amplos direitos não só por meio do voto como também através da possibilidade de organização e manifestação. “Para dar maior ênfase, uma democracia não se restringe a oposição e muito menos a coloca em um cemitério” (RENNO et al 2011 p.57). Segundo os autores (2011), uma democracia cujo o direito de participação é plenamente garantida, mas que ninguém participa, não possui qualidade.

Por último, os autores (2011) fazem uma análise comparativa da qualidade do regime democrático brasileiro e chileno. Para eles, esses dois países apresentam características opostas em determinados sentidos. No Brasil, há avanços significativos com relação aos direitos políticos ou em outras palavras, há ganhos acelerados quanto ao processo de representação de interesses e da responsividade dos sistemas políticos. No entanto, possui poucos ganhos ou até mesmo retrocessos no que diz respeito ao funcionamento do estado de direito. No Chile, de forma oposta, há avanços referentes ao estado de direito, porém poucos avanços no tange a responsividade do sistema político.

Em suma investigar as dimensionalidades gerais da democracia é fundamental para mapear a qualidade dos regimes democráticos dos países da América Latina. Os autores (2011) concluem a segunda parte afirmando que a qualidade da democracia brasileira pode ser mensurada pela maneira que o sistema político trata o seu cidadão e pela forma que os cidadãos se relacionam com o sistema político.

Referências

RENNÓ, Lucio R.; SMITH, Amy E.; LLOYD, Mattheu L.; PEREIRA, Frederico Pereira. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil: uma visão da cidadania. São Paulo: Intermeios; Nashville: LAPOP, 2011.

Inã Cândido
Enviado por Inã Cândido em 01/03/2014
Código do texto: T4710966
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