Súditos da Rainha

Eu sempre desprezei a mídia contemporânea, meu desprezo tornou-se ainda maior graças a minha mãe que me obriga a ouvir as suas novelas enquanto dirige privando-me da minha música.

Eu sempre me vi aparte da geração coca-cola, a minha infância não foi povoada pelo ritmo frenético da televisão e jogos eletrônicos, nem pelos sonhos de consumo da massa, mas pelos sonhos de juventude, as aventuras pelos confins do universo e pelo reino das fantasias.

Quando eu cresci pouca coisa mudou, meu fascínio pela fantasia amadureceu tornando-me um amante dos livros e da astronomia. Enquanto meus amigos se divertiam nas rodas de violão, eu estava em algum lugar do tempo perdido entre aventuras extraordinárias. Enquanto todos entravam na onda do ficar, eu estava sobre meu Rocinante lutando pelo amor de minha Dulcinéia.

No entanto um dia minha mãe pediu que eu gravasse uma fita de um de seus discos, um disco do Queen. Embora seja irônico, eu demorei semanas para gravar a fita, mesmo sobre seus pedidos incessantes e as histórias que ela me contava sobre o Freddie Mercury, eu relutava! Em minha ignorância acreditava que aquela era mais uma banda pop comercial cujo sucesso se devia às trilhas sonoras em novelas.

Um dia não tendo nada para fazer, eu resolvi a atender as súplicas de minha mãe e finalmente sucumbi ao charme da Rainha.

Tudo começou com uma singela canção de seis minutos que contava a história de um pobre garoto chamado Galileo, era Bohemian Rhapsody, uma música que misturava as raízes do Heavy Metal com a ópera, aliás, o próprio Freddie a definira como uma ópera de brincadeira.

Bohemian Rhapsody era justamente o que eu procurava, parecia servir aos meus instintos Mainardistas e Adornianos, era diferente de tudo que a tal da Indústria Cultural tentava me empurrar goela abaixo!

Mas exatamente o que era o Queen? Atualmente uma banda extinta apagada pela geração de música eletrônica, mas outrora um dos maiores ícones da música, mas que não tive o privilégio de acompanhar em seus 20 anos de carreira, mas como quase tudo na minha vida vivi em sonho, pude viver e compreender o movimento Queen.

Talvez os jovens de hoje não compreendam qual foi a importância desta banda, mas o Queen incendiou o mundo e simplesment revolucionou a indústria cultural, desde seu primeiro disco recusado por diversas gravadoras, inclusive a EMI que depois viria a assinar um contrato de mais de vinte anos. Em seus primeiros álbuns a banda recusou a usar sintetizadores, para manter o elemento humano, foram os primeiros a fazerem eventos em estádios e a exigirem que cada um tivesse o seu próprio avião.

Se as extravagâncias já mexiam com a indústria cultural o que posso dizer no dia do lançamento de Bohemian Rhapsody? Fora mesma indústria que refutou a música como pode e aceitou com a condição que fosse editada em duas partes, mas cujo ego inflamado de Mercury insistiu que ela deveria ir do jeito que estava inclusive enviando uma cópia demo para um DJ local que em seu programa tocou a música nada menos, nada mais que 18 vezes em dois dias. Somente assim EMI concordou e o novo disco, "A Night At The Opera" (Uma Noite Na Opera ), recebeu o disco de platina duplo.

O efeito opera rock dividia opiniões, alguns detestavam outros amavam, não tenho dúvida que Adorno teria ficado entre os críticos que a julgavam como uma mediocrização da música clássica, se Beethoven em vinil era o fim da picada, pois tirava a essência e o prazer da apreciação da ópera, imaginem Beethoven roqueiro? Os Frankfurtianos que me desculpem, mas eu fico do lado dos Funcionalistas, faço campanha a favor do Queen junto com Lasswel, interpreto-a como um sopro de criatividade que deixa à mão de todos os gosto da música erudita, em uma espécie de democratização.

Lasswel você se excitou com a idéia de até um espírito maquiavélico como meu reconhecer um pró na indústria, vá tirando o cavalinho da chuva, pois volto a fazer um panelaço com Adorno contra a indústria cultural, pois depois deste estouro o Queen perdeu a essência, Freddie Mercury, com seus belos pares caninos, suas unhas pintadas e cabelos a la espanador de chaminé, tornou-se um modelo. Reza a lenda que quando Freddie cortou o cabelo, parou de pintar as unhas e deixou o bigode crescer, fãs inconformadas enviaram barbeadores e frascos de esmaltes e imploraram para ele deixar o cabelo crescer. Era o fim, o Queen virou produto de massa!

Bate a panela Adorno, Horkheimer se ajunte a nós, é o fim da picada, se no momento que Bohemian Rhapsody foi lançada ocorreu uma divisão de opiniões, agora o Queen era unânime! Você não acredita? Pois é verdade, o pior disco da banda vendeu 45 milhões de cópias, até os Estados Unidos que rejeitaram a banda no seu princípio havia se contaminado com a coqueluche Queen!

As melhores letras surgiram nos anos 80, elas eram debates sobre a vida, a mecanização do homem e sobre o que é liberdade e um milagre. Pena que ninguém ligava para isso, não houve democratização, houve uma mediocrização, ninguém ligava para o conteúdo das letras. Estou exagerado então vamos pegar o fenômeno "Live Aid-Por Um Mundo Melhor", o Queen ganhou o dia e a simpatia de fãs de Black Sabbath, Scorpions, Brian Adams, entre outros. Na música Radio Ga Ga, que é um reconhecimento e crítica a mecanização humana, cujo clipe era uma montagem da refilmagem do filme Metropolis e os músicos se fingiam de monarcas absolutos obrigando os súditos a baterem palmas. Quando a banda executou a canção todos ergueram a mão e bateram palmas, um efeito da suposta democratização da televisão. Seria lindo se o movimento executado pela aquela massa não fosse a grande crítica da música!

Satisfeitos? Ainda não?! Então o que diremos de Barcelona, projeto solo de Freddie Mercury que ele canta com a diva da opera, Montserrat Caballe? Muitos jovens foram a opera depois deste disco, diria Lasswel sobre os aplausos de Lazarfeld. Concordo, mas todos foram para saber quem era mulher que gritava tanto com Freddie!

Em 1991 Freddie morreu em virtude a Aids e meses depois após um show em sua homenagem o Queen acabou e foi substituído pela onda techno-funk! Caindo no esquecimento e para meu deleite deixou de ser um produto de massa!

É hora de concluir, e qual a conclusão que chegamos? Que eu sou um súdito esclarecido? Que realmente há uma massificação das pessoas, embora haja também uma pequena democratização? Que eu caí numa ironia, pois ao fugir da indústria cultural acabei por cair num produto cultural ultrapassado? Um reflexo sobre as idéias de Frankfurt e os Funcionalistas de Chicago? Não! A conclusão que se deve tirar é que devo ser muito grato a minha mãe, pois se ela tivesse engravidado mais cedo, não gostasse tanto de novela e não me aporrinhasse para gravar um disco do Queen, eu seria um alienado ouvindo música eletrônica ou ouvindo Radio Ga Ga sem me dar conta da essência da música. Minha mãe me fez uma pessoa pior, me transformou nesta pessoa crítica e mesquinha que eu tanto gosto de ser!

Rick Fox
Enviado por Rick Fox em 18/10/2005
Código do texto: T60915