Suicide club: desespero e vazio existencial

As histórias de terror sempre nos intrigam, não somente por causa dos mistérios que apresentam, mas também porque mexem com as nossas emoções mais sombrias e o lado mais instintivo da psique humana. O mangá Suicide Club, de Usamaru Furuya – baseado em filme com o mesmo título – é uma dessas histórias. Além de abordar o suicídio, problema social comum no Japão, ele mexe com nosso emocional, pois aborda a solidão, o vazio existencial e a falta de algo em que acreditar. De forma gradual e sem a menor sutileza, Suicide Club vai revelando como todos esses fatores levam a mente humana a uma total desagregação e à perda de identidade própria.

Já nas primeiras páginas, somos brindados com imagens chocantes. Numa tarde normal, 54 garotas, todas colegiais, vão para uma estação de trem em Shinjuku, dando-se as mãos. Os demais passageiros não entendem o que estão acontecendo e logo se deparam com um espetáculo inesperado e violento: todas as meninas, de mãos dadas, saltam na frente do trem. Em seguida, a polícia é chamada e, em meio ao terrível panorama de corpos horrivelmente mutilados, descobre-se que uma garota sobreviveu. A menina está chorando desesperada enquanto clama pelo nome Mistsuko.

Algum tempo depois, Saya, a sobrevivente, ainda não se recuperou. Ela mergulhou mais no desespero e só fala na Mitsuko. Kyoko, colega de turma e amiga de infância, tenta fazê-la retomar o interesse pela vida, mas sem o menor êxito. Ao mesmo tempo, o professor Takeuchi faz estranhas descobertas na Internet que podem ajudar a explicar o estranho suicídio em massa e o detetive Kuroda( que investiga o caso ) não consegue elucidar o mistério que levou tantas jovens a decidir se matar.

Mergulhando na história, fazemos uma viagem no tempo e vemos um pouco do passado de Saya e Kyoko. O mangá conta como elas eram amigas, dividindo segredos e fazendo tudo juntas até que foram se distanciando. Saya, com problemas familiares, começou a se prostituir – colegiais costumam se prostituir para poder comprar objetos caros que estão na moda nesse país – e a se automutilar, ficando cada vez mais vazia e perdida. Tudo mudou quando ela conheceu uma moça misteriosa e com um estranho carisma chamada Mitsuko, que era seguida por muitas outras e presidia um estranho clube. Segundo Saya, Mitsuko foi a única capaz de compreendê-la e Kyoko, que poderia tê-la salvo antes, havia se afastado dela.

À medida que a trama avança e acompanhamos a luta de Kyoko para desvendar o mistério por trás de Mitsuko e seu poder para influenciar tantas pessoas, observamos uma forte crítica social. O mangá apresenta sem rodeios como os jovens estão se sentindo vazios e sem rumo a ponto de se tornarem presas fáceis de pessoas doentias e manipuladoras. Assim como Saya foi vítima de Mitsuko, na vida real muitos jovens perdidos e solitários caem nas armadilhas de gente que diz entende-los. A juventude não é só uma fase de diversões e namoros. É uma fase delicada em que os jovens necessitam de boa orientação e apoio, especialmente se atravessam um momento de confusão emocional.

Numa cena bastante significativa, Saya diz não conseguir se relacionar consigo mesma. Ela fala que se perdeu e não sabe o que significa para si mesma. Como vemos, tanto ela quanto as outras se agarraram a Mitsuko por ver na garota sombria uma figura messiânica, uma guia que representava um mundo no qual podiam expressar suas angústias existenciais, revolta e tristezas. Para elas, somente Mitsuko era capaz de entende-las e guia-las. Quantas vezes não perdemos a confiança em nós mesmos e deixamos que alguém nos diga o que fazer? Da mesma forma que essas garotas, muitas pessoas se agarram a lideres religiosos ou criadores de seitas malucas que garantem ter a solução para seus problemas. E essas pessoas, como carneiros, vão perdendo a noção de quem são, seguindo cegamente as ordens de seus “gurus”, sendo capazes de atos insanos.

Desesperada para salvar Saya, Kyoko corre contra o tempo e o detetive Kuroda se vê perplexo diante de mais mortes que, embora deem a impressão de ser suicídios, também parecem estar ligadas ao suicídio em massa. O que move todos os acontecimentos e qual será a razão por trás de todos eles?

Quem ler Suicide Club não conseguirá largar o mangá até termina-lo. É impossível ficar indiferente à trama intrincada e cheia de reviravoltas que nos força a encarar os lados mais nefastos do ser humano.