Velhice, de Vinicius de Moraes

Velhice, de Vinicius de Moraes

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Velhice é o nome de um desafiador poema de Vinicius de Moraes (1913-1980) que nos incita a viver com energia, antes que passem os anos, e que não nos amarguremos, definitivamente, pelo resto dos tempos, que cada de um de nós ainda tem. Ainda há muito pela frente. A inquietação com a senilidade é uma forma disfarçada de nos preocuparmos com nós mesmos, em nossos tempos, como vivemos, e com aqueles que amamos, e com quem a vida compartilhamos, ou compartilharemos.

Vinicius anunciava que viria o dia no qual seria um velho experiente, quando olharia as coisas através de uma filosofia sensata, e quando leria os clássicos com a afeição que a mocidade a ninguém permite. Clássicos são aqueles livros que, quando lemos, dizemos que estamos relendo. Ninguém lê “Os Lusíadas”, “A Ilíada”, “O Paraíso Perdido” ou “Dom Casmurro.” Uma regra de etiqueta de vaidade intelectual dispõe que se diga estar “relendo” Camões, Homero, Mílton e Machado de Assis. É assim, clássicos nunca são lidos, são sempre relidos. Talvez platonicamente já nascemos com essa carga de leituras. É que Platão teria ensinado que já nascemos sabendo tudo, e que ao longo da vida o conhecimento vai se revelando.

Vinicius deve ter relido todos os clássicos, e certamente inspirou-se em passagem transcendente de Ovídio (poeta romano que viveu no século I a.C.), para quem devemos pensar, desde agora, na velhice que virá. Assim, prossegue esse clássico, a vida não passará em vão para nós. Ensinou Ovídio que devemos nos divertir, enquanto é possível, enquanto nos encontramos nos verdes anos; é que os anos “passam como a água que escoa; nem a água que corre voltará para trás, nem as horas poderão voltar (...) o tempo tem de ser aproveitado: ele foge com passo veloz e por melhor que seja não é tão bom como o que o antecedeu”. Provavelmente, Vinicius inspirou-se também em Horácio (contemporâneo de Ovídio), para quem deveríamos aproveitar o dia (carpe diem), acreditando muito pouco no amanhã (quam minumum postero credula).

Na temida velhice, Vinicius presumia que Deus estaria definitivamente em seu espírito ou, “talvez tenha saído definitivamente dele”. O “roído de um coração doente” avisaria que um resto de vida ainda haveria. Pressentia que nem o cigarro da mocidade restaria; fumaria um cigarro forte que satisfaria seus pulmões viciados. Melancolicamente anunciava que seria “um corpo sem mocidade, inútil, vazio, cheio de irritação para com a vida”. E mais melancolicamente ainda também adiantava que seria um “velho cujo único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora”.

A aplicação jurídica dessa angustiada percepção constitucionaliza-se emblematicamente no dever de os filhos maiores ajudar e amparar aos pais na velhice, carência ou enfermidade (artigo 229 da Constituição Federal). Pragmaticamente, a regra somente alcança o idoso que tenha filhos, que esses tenham condições de ajuda e amparo, a par de um elemento de índole muito subjetiva, que também traça limites putativos entre direito e moral. Pouco útil na vida real.

É nas “Lições Preliminares de Direito” que um célebre jusfilósofo brasileiro nos relatava que, ainda muito jovem, ajuizara uma ação em favor de um idoso, contra os filhos que o abandonaram. A procedência da ação, e a consequente condenação dos filhos réus, não substituía alguma motivação moral, que o direito não consegue alcançar. Discutia-se o abandono afetivo, muito antes que esse tema se tornasse tão recorrente nos tribunais. Há hoje ações nas quais se cobra judicialmente a falta de afeto e de atenção.

Apreciador de camarões à baiana, de picadinhos à la cavalados, de patos de alucinar, de canjas de meia noite, Vinicius era também um glutão, de formas e de sabores, e que passou por esta vida tudo apreciando. Seu legado poético e intelectual, no entanto, e a seu favor, nos indica que pela manhã semeava as sementes, e que a tarde não retirava a própria mão, porque, tal como no Eclesiastes (11,6) não sabia qual semente prosperaria, se esta, ou aquela, ou se ambas seriam integralmente boas. Vinicius frutificou em todos os campos. Inspirou leituras e textos e interpretações várias, e instrumentalizou respostas inteligentes, otimistas e acredito apaixonadas. É um poeta para quem não tem medo de nada e para quem a seu amor está atento, e que por isso recebe tanta atenção e afeto e desejo.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 19/01/2020
Reeditado em 19/01/2020
Código do texto: T6845833
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