NÃO TE AMO MAIS!

Não te amo mais.

Estarei mentindo dizendo que

Ainda te quero como sempre quis.

Tenho certeza que

Nada foi em vão.

Sinto dentro de mim que

Você não significa nada.

Não poderia dizer jamais que

Alimento um grande amor.

Sinto cada vez mais que

Já te esqueci!

E jamais usarei a frase

EU TE AMO!

Sinto, mas tenho que dizer a verdade

É tarde demais

Clarície Lispector

"É imprescindível voltar ao poema e lê-lo de baixo para cima".

Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas - e só essas poucas veredas, veredazinhas. Guimarães Rosa

Acredito que Clarície Lispector foi uma dessas raríssimas pessoas a entender o árido terreno do nosso sentir, tornando-se uma das mais importantes veredas.

O eu-poético presente no poema - não te amo mais - vai justamente ao encontro dos dizeres de Fernando Pessoa, quais sejam: "o poeta é um fingidor. Finge completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente." Há o reverso do que se expõe, aflorarando de forma robusta o latente amor.

Há quem diga que o não dito é mais importante que o que se diz. As entrelinhas tem deveras seu valor, não há como contrapor. O que se abstrai contudo no poema - não te amo mais - é que a negação realmente é muito persistente e convincente. Não há dúvida. O eu-poético está totalmente decido a não mais querer esse vínculo amoroso.

Como se as palavras não tivessem sentido, ante o amor que deveras sente, o poema reverte-se o fingimento do não sentir e desnuda totalmente a verdade. Há ainda o amor!

E mais que nunca, o amor corrói a hipocrisia das palavras ao lermos o poema de baixo para cima, explicitando o que não estava entre linhas, mas nas próprias linhas invertidas. E o amor não pode ocorrer ao contrário que esperávamos? Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, dizia que não podemos tirar precipitadas conclusões ao primeiro encontro com alguém. Quantas pessoas encontramos em nossas vidas e, num primeiro momento, não as concebemos como agradáveis ou mesmo admiráveis e, não obstante, vão demonstrando ao longo de uma certa convivência que são inversamente daquilo que esperávamos, isto é, são fantásticas e surpreendentes!

Assim também é esse poema, que num primeiro contato é simplesmente uma derrocada do sentir mais primoroso, o amor. Entende-se que chegou-se ao fim aquilo que outrora seria eterno. Como bem dito por Vinícius de Moraes: "De tudo, ao meu amor serei atento antes e com tal zelo... Mas que seja infinito enquanto dure." Clarície Lispector, admiravelmente, sobrepõe a delimitação dita por Vinicius, ao dar um novo jeito no formalismo da escrita, explicitando que é sim possível o refazer de um novo olhar sobre diferentes ângulos, redundando na incapacidade das palavras frente ao latente amor.

É dizer que amor constrói novas possibilidades de entendimento, ainda que em princípio sejam fechadas as portas e janelas. Mas, invariavelmente, permanecem as frestas. Então, não há como conter o verdadeiro sentir. Por isso é tão bom amar, independentemente de quem se ama, mesmo porque não se pode delimitar as fronteiras das possibilidades do amor. Ame e torne-se livre nas asas do verdadeiro sentir.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 14/10/2007
Código do texto: T693551