Memórias em decomposição - início

Das memórias que trago, principalmente as antigas que duram mais tempo, e também as recentes que se perdem em meio a tanta informação. Eu me pergunto. Quando foi que percebi as coisas?

Qual a sua primeira lembrança do sol? A minha eu trago até hoje, deve ser porque carrega consigo a dor de um trágico acidente.

Na época deveria ter entre três ou quatro anos, o dia eu acredito ser um sábado ou domingo, também poderia ser um feriado, enfim o que me leva a ter essa percepção era o fato de ver meu pai sentado no sofá da sala, a porta da frente da casa aberta, coisa de final de semana, porque normalmente ela ficava fechada, entravamos pelas portas laterais da cozinha que fica nos fundos.

O pai na sala tocando gaita definitivamente era coisa de domingo antes do almoço.

A frente da casa de madeira tinha uma área que cobria com um telhado a porta, nessa área havia duas pilastras grandes que iam das laterais até o telhado, da área até o pátio que dava pra rua dois degraus davam acesso, devido à altura da casa, foi esse degrau o motivo do quase trágico acidente.

Eu na minha empolgação de guri que via o pai em casa corria da rua até a sala, lembro de ter sido chamado duas ou mais vezes para que parasse. Foi quando o tropeço no primeiro degrau da escada de tijolos fez com que eu batesse de rosto no degrau mais acima, um corte acima do nariz entre os olhos acabou a minha brincadeira. Houve um apagão não sei de quanto tempo e logo ao acordar me vejo carregado pela mãe que chora, quase em oração pelo meu estado, uma fralda cobre meu rosto manchado de sangue, mesmo assim consigo ver as folhas nas copas das árvores e os raios de sol por entre elas. Deveria ser um lindo dia de sol, de um lindo domingo em família que eu acabei estragando. Ficaram as lembranças, o susto e a cicatriz entre os olhos.

Solon Carvalho
Enviado por Solon Carvalho em 01/10/2020
Reeditado em 01/10/2020
Código do texto: T7076849
Classificação de conteúdo: seguro