Tecnicolor: ou quando os Mutantes conquistaram Paris
Nota de esclarecimento:
O texto a seguir seria lançado em dezembro de 2020 como presente de natal para os fãs de Os Mutantes, mas devido a problemas de agenda, essa resenha só será lançada agora em janeiro de 2021. Para quem acompanha essas publicações desde 2018 quando fiz a análise do primeiro álbum da banda, desejo uma boa leitura:

O ano de 2020 marcava os 50 anos de A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, o álbum que eu chamo de “a maior sátira dos Mutantes”, mas esse não foi o único álbum da banda feito em 1970, pois em outubro daquele ano, a banda de rock paulista foi para a Europa e gravou um novo álbum que adaptava para o inglês, algumas músicas dos discos anteriores e canções inéditas até aquele momento. Porém, esse disco só foi retirado do fundo das gavetas da Polygram Britânica em 2000, mas eu não vou esperar até 2050 para fazer resenha dessa masterpeça da melhor banda de rock da história do Brasil, até porque as gravações não teriam 50, mas sim 80 anos. Então, sem mais delongas, vamos a uma análise sobre:

Tecnicolor: ou quando os Mutantes conquistaram Paris

Breve resumo e curiosidades:
Naquele ano de 1970, os Mutantes já haviam se consolidado como a banda de rock nacional de maior relevância cultural do Brasil, sendo a espinha dorsal do último grande movimento musical do país, a Tropicalia, com três discos aclamados pela crítica, sendo que um deles marcou a total independência da banda após seus mestres, Gilberto Gil e Caetano Veloso, serem exilados, deixando o grupo por conta própria, levando-os a fazerem um som totalmente deles e diferente de tudo que já tinha sido feito, com mais influências do Blues e do Hard Rock. Enquanto se preparavam para o Festival da Canção, receberam uma ligação, sendo informados que haviam sido convidados para o famoso teatro francês Olympia, após Elis Regina desistir de se apresentar por problemas de saúde, faltando 48 horas para a apresentação, passando a batata quente para os Mutantes. O grupo então cancelou sua participação do Festival da Canção e os cinco membros, sem a companhia de seu maestro Rogério Duprat que não havia sido convidado, foram voando (literalmente só que num avião) para a França, afim de curtir a viagem e se apresentar para os gringos, onde seriam a segunda atração do show, que começaria com o cantor Gilbert Bécaud, durante três semanas. A viagem teve seus altos e baixos. O quatro dos cinco membros (Serginho não quis e foi jantar pela cidade naquela noite) tiveram suas primeiras experiências psicodélicas com LSD fornecido pelo pintor e amigo dos irmãos Baptista, Antonio Peticov, que se encontrava exilado. Foram muito bem aceitos durante o período do festival, mas também tiveram a complicada notícia de que não podiam tocar rock, logo após se apresentarem numa audição para um figurão do festival que não gostou das faixas Jardim Elétrico (inédita) e Meu Refrigerador Não Funciona, e seu álbum francês gravado em Paris também não foi aceito para ser lançado naquele ano, devido ao descumprimento da banda com a exigência de não soar rock n’ roll e pelas variações linguísticas de cada faixa. Segundo os responsáveis pelo evento, o público seria majoritariamente de quarentões e cinquentões que não curtiam a música rock e queriam ouvir um som considerado “genuinamente brasileiro”. Então o grupo, com destaque para Rita vestida de hippie baiana e Arnaldo e Dinho com colares de dentes, juntaram seus instrumentos e apresentaram as faixas mais brasileiras que tinham: Adeus Maria Fulô (de Dominguinhos e Sivuca), Bat Macumba (de Gilberto Gil), numa versão mais samba e menos candomblé, a Minha Menina (Jorge Ben Jor) e José (Georges Moustaki) na versão de Nara Leão, que Rita fez cover em seu disco de estreia: Build Up, também de 1970. O disco só foi lançado 30 anos depois de sua gravação e 8 anos após o lançamento igualmente tardio de O A e o Z, tendo sua capa ilustrada por Sean Lennon, que naquele ano, se apresentara no Rock in Rio e no Festival Free Jazz com Arnaldo Baptista, cantando Panis Et Circenses. Tecnicolor era o nome da sétima faixa que ilustrava as primeiras experiências da banda com LSD. Outras faixas como Virgínia, El Justiciero e Saravah, além da própria Tecnicolor eram faixas inéditas que, depois, seriam colocadas no álbum Jardim Elétrico.

A seguir, uma análise faixa-a-faixa:

Panis Et Circenses – Alternative Version (Caetano Veloso e Gilberto Gil):
A faixa começa com o trio principal (Arnaldo, Rita e Sérgio) cantando o famoso “cra-cra-cra-cra” numa versão bem mais lenta e suave, comparada a original, com uma flauta doce tocada por Rita ao fundo junto ao órgão de Arnaldo, que passa a permear por toda a faixa, acompanhado pelo baixo de Liminha e a bateria de Dinho Leme que também se faz presente por toda a música, diferente da versão original, em que Dirceu só começava a tocar após o intervalo. Mudança essa que já vinha desde a integração do músico a formação oficial da banda. Aqui o ritmo é mais lento, com batidas mais fortes no início e encerramentos de cada verso. A ordem de vocal continua a mesma. Os três cantavam boa parte da letra juntos, e Arnaldo terminava cantando “são ocupadas em nascer e morrer”, que foi substituído por “se preocupavam com sua comida e morrer”, e o penúltimo verso antes do encerramento, sendo cantado solo por Rita. A letra basicamente não mudou, tendo só algumas adaptações para soar bem em inglês. A interpretação continua válida. Por fim, a canção termina justamente no intervalo, enquanto a segunda parte fica para o final do álbum.

Bat Macumba (Gilberto Gil):
Aqui a faixa está numa versão mais voltada para o samba, com maior uso de percussão, como pandeiro e agogô tocados por Rita Lee e os vocais principais sendo os dela e não dos três, enquanto Arnaldo e Sérgio fazem backing-vocals, logo no início, Liminha introduz o a linha de baixo principal que segue por toda a música. No meio da faixa, temos a primeira polêmica, quando Sérgio entra com um incrível solo de sua guitarra regvlvs no melhor estilo Jimmy Hendrix, contrariando a primeira regra do festival que era a ausência de elementos do rock. Porém, a segunda polêmica vem logo na sequência, enquanto Arnaldo vocaliza algumas onomatopeias, Ritinha geme no microfone, como se simulasse um orgasmo, algo chocante para se ter num disco, mesmo que de rock, naquela época. Logo em seguida, a canção segue em sua “normalidade”, só que num ritmo mais acelerado, com mais alguns acordes na guitarra de Serginho, encerrando a faixa.

Virgínia (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias)
Aqui temos um dos pontos mais altos do disco, a faixa mais Beatles de todo o álbum, que já começa com um solinho de guitarra bem limpo feito por Sérgio Dias e acompanhado do órgão de Arnaldo, fazendo uma base rítmica. Logo em seguida entram Dinho e Liminha na bateria e baixo, respectivamente, fazendo batidas com seus instrumentos, além do sintetizador de Arnaldo dando um ar quase mágico a música, assim como os backing-vocals. Todavia os grandes destaques aqui são os vocais melódicos e sofridos de Sérgio Dias, numa das primeiras vezes em que o mesmo canta solo, e o refrão inesquecível que sobe a música a outro patamar “But if you please, Mr. Sun/Don’t you take away my Virgínia/Mr. Sun/Don’t you take away my Virgínia”. A letra, como todos os fãs da banda já sabem, é uma bela homenagem do trio a irmã de Rita Lee, Virgínia, que reza a lenda, era interesse romântico de Serginho.

She’s my Shoo Shoo – A Minha Menina (Jorge Ben Jor)
Assim como no caso de Panis Et Circenses e Bat Macumba, temos aqui uma nova versão do clássico absoluto do primeiro álbum, A Minha Menina, de Jorge Ben Jor, traduzida para o inglês. O refrão que fala “ela é minha menina” foi trocado por “she’s my shoo shoo” (ela é meu shoo shoo), como uma brincadeira da banda com gírias da língua inglesa. Além disso, no final, há um momento em que Arnaldo começa a cantar algumas onomatopeias e colocar o verso “Copacabana ê”, gozando da ideia de associar o samba ao segundo bairro mais famoso do Rio de Janeiro, como uma resposta ao interesse do público francês e dos produtores em cobrar que eles fizessem um som mais “brasileiro”. A letra é quase toda a mesma, com algumas modificações de palavras para que a melodia ficasse coerente. Porém, a principal diferença aqui é no instrumental e na ordem de revezamento entre os cantores. A percussão mais elaborada, com congas, bongôs e pandeiro, foi trocada por um agogô, provavelmente tocados por Rita Lee. A introdução de violão se mantém, dessa vez tocada por Sérgio Dias, só que sem ecos, mas o seu famoso riff de guitarra não está presente, e sim algumas notas que se repetem no órgão de Arnaldo que soa bem mais limpo, também sem ecos como é tradicional na banda. Já na parte dos vocais, enquanto na versão original, são Sérgio e Arnaldo, dessa vez é Rita que assume a parte do primeiro, com a gravação duplicada, e o segundo continua cantando seus versos originais. Novamente no final, é possível ouvir um pouco de percussão, provavelmente com bongôs. Mas um dos destaques e o que há de mais rock n’ roll é a introdução nervosa da bateria de Dinho que vai ficando mais contida. A música se encerra com Rita voltando ao português cantando o refrão clássico.

I Feel Little Space Out – Ando Meio Desigado (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias):
Essa versão em inglês de Ando Meio Desligado é bem curiosa. Isso porque a faixa original, em dado momento da história, foi acusada de plágio da canção Time of the Season dos Zombies. Na review anterior eu expliquei o porquê da acusação ser infundada. Já no caso de I Feel Little Space Out, parece-me que essa acusação é antiga, pois a versão feita aqui para o álbum Tecnicolor é descaradamente parecida com a canção da banda britânica em sua introdução, muito provavelmente como uma provocação do quinteto. No mais, a letra continua basicamente a mesma, assim como no caso de Panis Et Circenses e She’s My Shoo Shoo, algumas palavras foram modificadas para sinônimos com a intenção de deixar a melodia harmônica. A principal diferença está nos vocais, um dueto entre Rita Lee e Sérgio Dias com ocasionais backing-vocals de Arnaldo, cantados num tom bem mais alto, ao invés do vocal quase cochichado de Rita na versão original. Na parte instrumental, os Mutantes simplesmente tacaram o f***-se para os produtores e fizeram a segunda faixa mais rock n’ roll do disco. Batidas bem pesadas na bateria numa velocidade bem calculada, o pedal da guitarra de Serginho faz o som lembrar a música Sunshine of Your Love do Cream, além de que seu famoso solo se mantém, e a linha de baixo é tocada num grave quase distorcida. O trabalho de órgão de Arnaldo se mantém fiel à versão original, com a diferença de que ele da umas breves arranhadas no piano ao final que se conclui com o famoso “Oh, meu Brasil”.

Baby (Caetano Veloso):
Essa faixa é com certeza a mais distinta que os Mutantes já fizeram em sua história. Baby, de Caetano Veloso, originalmente era uma música de Bossa Nova que os Mutantes utilizaram em seu disco de estreia, adotando uma pegada mais rock n’roll com guitarras e órgão. Já em Tecnicolor, ao que me parece, o grupo, obrigado a fugir do estilo musical que gostavam, decidiram matar dois coelhos com uma cajadada só: eles fariam a música em seu formato original e ainda teriam o prazer de jogar na cara das viúvas da Bossa Nova de que eles eram capazes de fazer a música mais bossanovística de toda a década de 70, no melhor estilo Tom Jobim, só que em inglês. A faixa começa com um violão bem limpo tocado por Sérgio Dias, um agogô bem minimalista tocado por Rita Lee e um piano rítimico igualmente limpíssimo tocado por Arnaldo, acompanhados por uma bateria tocada por Dinho que nunca sai do mesmo tom, parecendo até que ele estava tocando em loop as mesmas notas, algo compreensível já que bateria nem era um instrumento comum na Bossa Nova e por fim, o baixo de Liminha que faz um acompanhamento que casa perfeitamente com o piano. Toda a instrumentação da introdução se mantém até o fim da música casando perfeitamente com o tom singelo da voz de Rita Lee, acompanhada de Arnaldo durante o refrão, para no final dar uma leve acelerada. Já a letra é quase inteiramente distinta da original. No lugar de referências as brasilidades, o eu-lírico pede a uma segunda pessoa que observe com mais atenção algumas coisas que não paramos para observar, como piscinas, sujeira nas mãos ou os dentes do nosso amigo, provar o novo sabor de ice-cream, mas principalmente, que o observe-o (ou observe-a) e veja o amor que ele (ou ela) transmite. Em dado momento da música, Rita cantarola “You know, it's time now to learn portuguese”, trocando o verso “você, devia aprender inglês” da versão original, como uma leve provocação aos gringos que escutariam a música em um idioma que não era o original da faixa. Baby é definitivamente a segunda faixa mais enigmática do álbum todo por não deixar bem claro o que ela significa com a mudança da letra, além de ser uma das mais distintas também.

Tecnicolor (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias)
A sétima faixa começa com uma belíssima introdução de piano tocada por Arnaldo, e algumas batidas graves no violão tocado por Sérgio, que em dados momentos da música assume um estilo bem folk com belos riffs e acordes mais complexos. Aqui, ele, também toca de forma bem minimalista a sua guitarra logo na sequência, abrindo para a bateria de Dinho que começa num ritmo mais lento e para os vocais de Rita com um backing-vocal dela mesma (gravado num segundo canal). O vocal dela em especial alterna entre algo mais para o agudo, tomando um ritmo mais acelerado quando ela canta os versos “Through the window, the nice thing on earth will pass by” e “Through the wide screen, I'm gonna see me kissing you, babe”, que se encerra com um “in tecnicolor” utilizando ecos que dão um ar mágico para a canção. Toda essa sequência é acompanhada pela mesma instrumentação do começo, só que num ritmo bem mais rápido, com batidas pontuais pesadas na bateria e alguns improvisos meio bluesísticos no piano de Arnaldo. Algo parecido em relação aos vocais acontece com os versos “I'll take a train in Technicolor / Come along be nice to me my girl”, que são cantados por Sérgio num canal que também faz sua voz quase ecoar, acompanhado por uma linha de baixo muito bem elaborada de Liminha que da um bom toque de peso a instrumentação de fundo. O final da música é mais instrumental com Rita e Sérgio cantarolando onomatopeias repetitivas enquanto Arnaldo grita alguns versos da letra. E por falar nela, aqui temos um eu-lírico que chama sua garota para tomar um “trem em Tecnicolor” para caírem em uma tela aonde eles iriam se beijar enquanto as “coisas boas da terra” passam no fundo. Para quem não sabe, a palavra, escrita originalmente como technicolor era um efeito utilizado nos primórdios e na Era de Ouro do cinema para colorizar filmes em preto e branco, muitos deles do Expressionismo Alemão e posteriormente em filmes mais caros que necessitavam desse efeito para mostrar cores mais fortes no design de produção e figurino, como no caso de O Mágico de Oz e E O Vento Levou, ambos de 1939. Como se tratava de uma colorização em pós produção, todos esses filmes ficavam com um visual bastante onírico. A ideia casava perfeitamente com as experiências lisérgicas da banda durante suas apresentações em Paris.

El Justiciero (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias):
A faixa é uma espécie de tango cômico, misturado com paródia de faroeste que conta a história de um homem que decide ajudar a jovem Juanita, seus 30 filhos e a população pobre de um lugar assolado pela guerra e a fome. Em troca, o Justiceiro quer um pagamento que só Juanita pode dar. A faixa se inicia com um vocal bem cochichado de Arnaldo anunciando o Justiceiro passando pelas montanhas, com sua arma em mãos, enquanto ele e seu irmão tocam dois violões que lembram bastante as músicas clássicas de tango como Por Una Cabeza, de Carlos Gardel, enquanto Rita e Sérgio cantam seus backing-vocals e Dinho Leme faz um fundo de percussão. A primeira virada da música trás um dueto de Rita e Sérgio, enquanto ela bate algumas castanholas, ambos cantam como se ele fosse o tal Justiceiro da história e ela fosse Juanita. Na segunda virada, um violão assume um fundo rítmico e o outro segue fazendo pequenos solos bem característicos do tango. Em certos momentos da música, entra um solo de saxofone que adiciona um crescimento tonal da música, em que cada instrumento é muito bem pensado na composição, deixando a faixa bem divertida e até dançante. Talvez o único instrumento mais apagado dessa faixa seja o baixo de Liminha que quase não é audível, mas isso não atrapalha em nada a apreciação da canção.

I’m Sorry Babe (Arnaldo Baptista e Rita Lee):
Assim como em alguns exemplos anteriores, essa é mais uma faixa de um álbum anterior, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, adaptada para o inglês. Assim como a versão original, a faixa conta com pandeiros tocados por Rita Lee, riffs limpos da guitarra de Sérgio Dias, percussão e bateria de Dinho, vocais principais de Arnaldo que toca seu órgão em momentos onde a música cresce, mas o baixo aqui é tocado por Liminha. A diferença mais notável é a voz mais rouca de Arnaldo, instrumental mais “comportado”, alguns riffs de violão tocados no lugar da guitarra e arranjos mais elaborados. Fora que essa versão não conta com o berimbau de boca tocado durante as onomatopeias do grupo.

Adeus Maria Fulô (Dominguinhos e Sivuca):
Essa segunda versão de Adeus Maria Fulô mantém a letra em português, mas o instrumental e os arranjos são bem diferentes. Enquanto a versão do primeiro disco parecia ter saído de uma festa regada a muita música de baião, aqui os instrumentos são tocados num ritmo mais lento, principalmente a percussão e a flauta e só tem metade as onomatopeias longas e repetitivas dos três que davam aquele ar de feijoada sendo preparada, crianças brincando de pé descalço na terra, senhoras fofocando na calçada em frente as suas casas e banda local de baião portando violões e acordeons. Quem assume os vocais principais é Rita Lee enquanto os irmãos Baptista cantam os refrãos com vozes empostadas que mais lembram música de serenata.

Le Prermier Bonheur Du Jour (Frank Gerald e Jean Renard):
Talvez a introdução dessa faixa tenha sido só pelo fato da banda estar gravando na França, já que se trata do ponto mais fraco do disco, pois, quando o grupo a colocou no primeiro álbum, a ideia era dar uma pegada mais lisérgica a clássica canção de Frank Gerald e Jean Renard imortalizada na voz de Fraçoise Hardy, mas naquele caso, com um solo lento de guitarra que lembrava uma cítara no final da faixa, além de ecos, repetições e a bomba de flit para simular o efeito de fita voltando. Aqui, a banda até se esforçou, colocando a voz de Rita duplicada, uma guitarra bem limpa e lenta no fundo, flautas doces sendo tocadas de forma bem mais profissional pelos integrantes, comparada a versão original, uma bateria bem rítmica no fundo, mas falta aquele tom fantasmagórico que permeava muitas faixas do primeiro disco.

Saravah (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias):
Aqui o quinteto simplesmente mostra o dedo para os figurões da Polygram e apresentam a penúltima faixa do disco iniciada por riffs bem distorcidos da guitarra de Serginho acompanhado de Arnaldo dando marteladas de dedo em seu órgão, uma bateria furiosa de Dinho Leme e um acompanhamento complexo do baixo de Liminha. Nisso, Rita e Sérgio entram com vocais gritados e Arnaldo vociferando coisas incompreensíveis para depois cantar o refrão: “Eu coloquei meu vestido preto/Eu desliguei as luzes da cidade/E enquanto você está dormindo...” completado por Rita e Sérgio que cantam: “Meu Saravá vai chegar até você/ E você será meu”. Aqui a ideia é uma mistura de elementos de hard rock no melhor estilo Steppenwolf e Deep Purple com referências a cultura afro-brasileira, mais especificamente a uma saudação muito utilizada por praticantes da Umbanda, o “Saravá”, que significa “Salve!”. Mas sendo quem são os Mutantes, a letra faz a saudação soar como uma espécie de bruxaria anunciada pelo grupo contra quem está escutando a música, provavelmente uma ameaça cômica aos produtores que não conhecem absolutamente nada de religiões de matriz africana.

Panis Et Circenses – Reprise (Caetano Veloso e Gilberto Gil):
Aqui o disco se encerra perfeitamente com a segunda parte da faixa Panis Et Circenses, que havia aberto o disco mas não fora concluída. Ela é iniciada por acordes de guitarra de Sérgio, flautas doces bem altas tocadas por Rita, um belo solo de baixo de Liminha e uma bateria bem acentuada de Dinho Leme, enquanto o trio principal canta o refrão “The music lighted with the heat of the sun” até o fim da canção.
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E assim se encerra a tour dos Mutantes pela França, regada a muito LSD, confusões e gozação. Percebe-se um apuro técnico da banda que já tinha sido visto em A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, mas também um certo potencial musical barrado pelo reacionarismo da gravadora na França. De qualquer forma, para quem queria ouvir os mutantes cantando em, três línguas diferentes e faixas clássicas revisitadas, Tecnicolor é uma boa pedida. Mesmo que o álbum demorasse 30 anos para ver a luz, algumas faixas icônicas como Virgínia, El Justiciero e Saravá foram regravadas para o disco seguinte, Jardim Elétrico, que ainda será analisado esse ano, sem atraso, em seu aniversário de 50 anos.
Um grande abraço aos leitores e fãs de Os Mutantes e até breve!
Gabriel Craveiro
Enviado por Gabriel Craveiro em 13/01/2021
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