Melancolia ,depressão e a Psicanálise

CAPÍTULO 2 - A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE NO CAMPO DA “DEPRESSÃO”

1- Sigmund Freud, o inconsciente e a depressão

Em 1900, com a publicação da obra Interpretação de Sonhos, que Sigmund Freud (1856-1939) deu um caráter científico à psicanálise. Na obra mencionada, Freud aproveitou sua experiência na medicina e organizou o já havia publicado anteriormente. Suas interpretações eram novas, haja vista que definiu e levou a sério o complexo e único mundo dos sonhos, os quais estavam associados a “realização dos desejos”. Para o considerado pai da psicanálise, no conteúdo dos sonhos encontramos o sentido manifesto (a fachada) e o sentido latente (o significado). Este último, o mais importante, pois a fachada (ou a representação do sonho) seria nada mais que um auto-engano do superego (o censor da psique que, invariavelmente, tende a escolher o que se torna consciente ou não dos conteúdos inconscientes). No que se refere aos conteúdos latentes, Freud acreditava que somente chegamos a eles pela interpretação simbólica dos fatos, os quais revelariam o desejo do sonhador que estavam escondidos, escamoteados ou escusos diante da aparente narrativa.

É bom destacar a importância da psicanálise no debate acerca da melancolia. Partiremos das reflexões do psicanálise Sigmund Freud, o qual no final dos anos de 1880, já era médico neurologista e professor. Seus pacientes eram considerados doentes dos “nervos”, ansiosos, histéricos, doente da “alma” e do inconsciente, e não é por acaso que os psicanalistas contemporâneos encontraram na teoria freudiana novos caminhos para a compreensão das relações psíquicas e fisiológicas do ser humano (Nuttin ,1961).

O primeiro feito da psicanálise foi descobrir novas explicações e tratamentos para a neurose e, em especial, a histeria. A psiquiatria em Viena, afirma Nuttin (1961), considerava essas patologias parte do sistema nervoso, o lugar, a fonte do “mal-estar” que perpassava a história da humanidade. As disfunções cerebrais provocavam as paralisias orgânicas, mas fundamentavam-se no cérebro e órgãos que dele faziam parte. Nuttin (1961) afirma que, em 1885, Freud partiu para a França no intuito de estudar os efeitos hipnóticos praticados por Charcot (psiquiatra francês, Paris, 1825 a Morvan, 1893), e deparou-se com a possibilidade do tratamento, através da hipnose, da histeria. Freud, diante da hipnose de Charcot, entendeu um componente não orgânico do ser humano. Buscou ele o componente inconsciente do psiquismo que se encontrava latente nos fenômenos histéricos, principalmente, nos ataques incontroláveis de algumas pacientes. Um dos tratamentos mais antigos consistia em girar o doente - a piroterapia - para acalmá-lo, como dizia Benjamim Rush, citado por Holmes (2001).

Todavia, é possível perceber que já era imperioso os esforço das ciências da psique em tentar aliviar o sofrimento de homens e mulheres.

A possibilidade de o inconsciente influenciar no comportamento, na personalidade e no caráter dos indivíduos tornou-se o ponto de partida da doutrina de Freud e enriqueceu nossas idéias sobre o psiquismo. A hipnose de Charcot, observada por Freud, trazia do inconsciente os traumas “esquecidos” e acontecidos na vida e que eclodiam inconscientemente aflorando os males fisicamente. Em tais condições era necessária a liberação das emoções, pois estas apareciam como fator primordial para o alivio do individuo. a descarga emocional - a catarse - era purificadora e curadora.

Após 1895, segundo Nuttin (1961), Freud foi se afastando de Josef Breuer e seguiu o próprio caminho. Freud abandonou a hipnose que anteriormente usava com Dr. Breuer. Na busca do inconsciente criou o próprio método, uma vez que já havia abandonado a eletroterapia. Freud criou uma nova base teórica para entender as desordens neuróticas baseadas nos conflitos sexuais de homens e mulheres.

No entanto, não são todos os acontecimentos, traumas e emoções reprimidas que encontram no indivíduo caráter patológico. Dr. Breuer, segundo Nutinn (1961), via certas explicações traumáticas tomarem grandes proporções na própria consciência. Freud, por outro lado, no tratamento de seus pacientes histéricos afirmava que a desordem emocional estava associada às dificuldades ou fatores sexuais ainda manifestas no presente ou latentes no passado. Para isso, o psicanalista alemão observou com atenção a vida sexual dos pacientes tomados por histeria e neuroses diversas.

Freud, percebeu que a hipnose não oferecia efeitos definitivos e retornava sempre no momento da interrupção do tratamento da histeria. O tratamento psicanalítico de Freud, se dava com o paciente totalmente consciente, sem efeitos hipnóticos ou sedativos. Era um confronto entre o psicanalista e a mente histérica daquele “doente”. Freud, induzia o paciente com palavras, pois associava fatores que poderiam estar inconscientemente perturbando a “alma”. Segundo Nutinn (1961), os pacientes tinham idéias espontâneas, oriundas de palavras indutoras do terapeuta. Esse se tornou o grande método de Sigmund Freud.

A tese freudiana se assentava na descoberta dos sintomas oriundos de situações vividas e recalcadas. Solomon (2002) diz tratar-se da terapia da fala, e a psicanálise nos ensina que tal exame do histórico da vida é um exame revelador. Nomear um problema é uma das maneiras de dominá-lo e conhecer a fonte pode ajudar a resolvê-lo. A estratégia da terapia consistia em conduzir o conhecimento para usá-lo no próprio paciente: era o método da associação livre, o qual não somente deu a Freud a teoria central de recalque mas, deu-lhe acesso a rica interpretação da psique e da interpretação dos sonhos. O presente método cuidava dos sintomas neuróticos e revelavam mais detalhadamente a angústia dos pacientes. Solomon (2002) destaca que, a fala estava intrinsecamente associada ao significado do sonho como um fator psíquico significativo que chamava de conteúdo latente do sonho. De acordo com Nuttin (1961), por este método, tanto os homens como as mulheres tinham descargas afetivas, pelas quais esperava-se libertar o paciente das emoções recalcadas. A psicanálise como ciência entrou em uma nova fase de seu desenvolvimento objetivando que não somente é uma teoria científica mas uma filosofia e uma concepção de vida do próprio homem.

Afirma Nuttin (1961) que a consciência pode ser considerada como um aspecto que difere os fenômenos psíquicos de outras manifestações presentes na mente humana. Na verdade a consciência é o caminho para o entendimento da vontade; este seria o seu papel principal. O inconsciente, na realidade, já era conhecido pela filosofia e pela literatura.

O ser humano tem suas necessidades normais como o alimento, o trabalho, o sexo e o prazer, mas não podemos deixar de lado o que mais necessita: a afetividade e o reconhecimento, sendo essas necessidades inerentes ao ser humano. Todavia, não importa se é consciente ou inconsciente, o relevante é a busca e a veracidade do sentimento recalcado nos espíritos de homens e mulheres.

Conforme afirmamos, a técnica da fala foi denominada associação livre. Segundo Holmes (2001), o paciente era levado a se deitar em lugar apropriado, denominado divã e falar qualquer coisa que lhe viesse à mente, ressaltando que Freud às vezes interrompia o paciente para lhe fazer perguntas. Freud acreditou que esta técnica tinha como objetivo “colocar para fora do paciente” toda a emoção recalcada e, na maioria das vezes, os sintomas que eram colocados eram provocados pelo inconsciente. Acreditava o psicanalista que tais sintomas derivavam de traumas passados e até mesmo provocados na infância do paciente. Segundo Holmes (2001), a vasta área do inconsciente esta repleta de desejos, emoções, ódio, medo e conflitos que, por ressonância, influenciam o comportamento dos seres humanos. A teoria freudiana é complexa, pois Freud salientava que o comportamento normal e “anormal” dos seres humanos não passava de interações de forças mentais inconscientes. Sabemos que saímos da demonologia para fatores psicológicos ou psicosociais, ou seja, novas explicações para o que foi chamado na Idade Média de possessão demoníaca e, em muitos casos de melancolia (Richards, 1993). A teoria freudiana mudou o cenário do entendimento da “alma” e surgiu uma nova explicação para os chamados transtornos “mentais e emocionais” dos seres humanos. Ainda é comum, segundo Holmes (2001), que por fatores religiosos ainda nos apoiemos em crenças e fatores não científicos para a cura do mau que aflige a alma. A infelicidade ainda pode ser vista como desfavor de “Deus” e ou manifestação do “demônio” em todas as formas que ela pode apresentar.

2. Freud e a estrutura da personalidade

Para melhor entender o psiquismo Freud dividiu a personalidade humana em três estruturas: o id (pulsões) o ego (operador do processo secundário) e o superego (descontração) (Holmes, 2001). Freud sugeriu que a personalidade se desenvolvia tendo por base alguns estágios psicosexuais:

1- Oral

2- Anal

3- Fálico

4- Latência

5- Genital

Para Freud os problemas nas fazes iniciais da personalidade poderiam provocar desvios de personalidade ao longo da vida. Segundo Holmes (2001), Freud defendia que a fase oral tem início no nascimento até aproximadamente os dois anos de idade. Neste estágio o prazer estar em ingerir, movimentar os lábios e colocar algo na boca. É uma fase na qual o sofrimento e a angústia comparem no momento em que a criança não tem o seu desejo satisfeito.

Na fase anal, segundo Freud, a criança que é retaliada a fazer suas necessidades é visto e tratado, muitas vezes, como um ser humano sem higiene e, nesse caso, a criança pode reter suas forças e se tornar reprimido (Holmes, 2001).

Na fase fálica, Freud enfatizou o Complexo de Édipo, o qual de acordo com o mito, Édipo teria matado o pai sem saber que estava interessado em casar com sua própria mãe. Freud enfatizou que, nas relações afetivas, é comum a criança ter desejos em relação ao pai ou à mãe. Tais sentimentos não deixam de causar ciúmes e violentos recalques ao longo do estágio, haja vista que os meninos tendem a se indentificar com o pai para obter o domínio sobre a mãe. Neste sentido, a criança assume as características do pai, tal como assume “o poder” dos heróis da televisão presentes na infância. Segundo Holmes (2001), este estágio influencia na formação do superego.

No estágio de latência Freud salientou as poucas interferências presentes no amadurecimento dos indivíduos. Neste estágio se enquadra a adolescência, na qual tanto a menina, como o menino está por se afirmar nos estágios precedentes e aguardam o início da fase adulta.

Já no estágio genital, Freud afirma que atingimos a maturidade pessoal e sexual que, por conseqüência, nos leva a debater com os conflitos precedentes dos estágios. É em tais condições que se percebem a produção de conflitos, ansiedades, depressão e auto-afirmação. No entanto, tais sentimentos podem ser sintomas de conflitos não resolvidos e poucos, infelizmente, estão aptos a perceber o pedido de “socorro” do organismo humano. É possível que nesta fase uma boa terapia ajudaria a aliviar a ansiedade existente.

A repressão também, segundo Freud, é um fator que pode influenciar o inconsciente humano e, por conseqüência, afligir o homem fisicamente sem que ele perceba (Holmes, 2001). Finalmente, o material inconsciente que encontra-se latente na mente pode ser o elemento crucial dos conflitos que assolam os seres humanos até o final da vida. A teoria freudiana nos trouxe uma nosologia da terapia pela técnica da fala. Com o desenvolvimento da psicanálise Freud trouxe para o “exterior da alma” tudo aquilo que, inconscientemente, assolava as pessoas que sofriam com a chamada dor da existência, dor da alma, depressão e até mesmo dores da angustia e das neuroses.

2.3 A melancolia, a ansiedade e o luto

Segundo Music (2005) o luto foi uns dos temas que a psicanálise abordou com muita propriedade. Segundo Freud, citado por Music (2005), o efeito de uma perda pode ser parecido com o que foi designado na antiguidade por melancolia, hoje chamada de depressão. A pessoa pode se recolher em um mundo denominado “exclusivamente seu”, um sofrimento mórbido com acontecimentos do passado, os quais se apresentam com outros sintomas que podem eclodir fisicamente. Segundo Freud, um indivíduo desolado pode ser considerado “doente” quando não se sabe a causa de seu comportamento. Sabe-se, nos dias atuais, que podemos enfrentar a perda de diversas maneiras e se faz necessário identificar o momento considerado patológico:

Existem dois tipos de tristeza [...], Quando o homem se preocupa com os infortúnios que o assolaram, quando ele se recolhe a um canto e se anseia por ajuda, essa é a espécie ruim de tristeza [...]. O outro tipo de tristeza é o pesar genuíno do homem que perdeu a casa num incêndio,que sente a sua carência no fundo da alma e começa a reconstruí-la. (Music, 2005 pg. 19).

Quando experimentamos a perda do emprego, de um bem, de alguém por morte ou mudança, grandes são as chances de entrarmos em um quadro depressivo, de lamentações, luto e dores que esmagam a alma e a mente. São muito dolorosos os sentimentos de perda e a experiência do luto. Todos já passamos por experiências diversas em relação à perda no decorrer da vida. São diversas as formas de identificar a dor da perda e diante da dor dos seres humanos tem apostado no excesso e abuso do álcool, do cigarro, trabalho em excesso, compulsividade sexual e até o isolamento voluntário. Tudo isso como uma forma de não ver ou sentir a dor e o sentimento oriundo da “culpa”. Segundo Music (2005) não é possível se afastar da dor sem pagar um preço, mas inevitavelmente ela tem que ser enfrentada, assim o fardo que carregamos durante a vida pode ser mais leve.

Segundo Freud, citado por Holmes (2001), a ansiedade segue o mesmo cainho e deriva-se de conflitos subjacentes. No entanto a única forma de se livrar da ansiedade patológica seria resolver os conflitos inconscientes. Cumpre à psicanálise descobrir quais eram os transtornos que o paciente desencadeava ao não solucionar os problemas recalcados durante os estágios do seu amadurecimento. Segundo Holmes (2001), Freud percebeu que os conflitos derivavam-se de problemas enraizados na infância e, consequentemente, de caráter inconsciente. Como já foi dito, Freud usava a técnica da fala e a cura poderia ser resultado da sublimação, da racionalização ou mesmo da projeção. Uma outra técnica usada por Freud, segundo Holmes (2001), é da interpretação dos sonhos: por carregarmos conflitos tão intensos Freud acreditava que a sublimação não era totalmente eficiente. No entanto acreditava-se que o ego e superego durante o sono estaria relaxado e, por conseqüência, o conteúdo ameaçador no inconsciente afloraria através dos sonhos. Acreditava-se que a ansiedade era originada de fatores externos, mas em sua maioria, tinha componentes internos. Portanto a interpretação dos sonhos era o caminho mais propício no intuito de se chegar à raiz do conflito que assolava o ser humano.

Charley Antonio dos Santos
Enviado por Charley Antonio dos Santos em 11/11/2007
Reeditado em 11/11/2007
Código do texto: T732682
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