A série The Good Place e a duração da eternidade

Raramente assisto séries e quando assisto, geralmente é "atrasado", mas fiquei inspirado com essa, então vamos lá.

Eis que comecei a ver The Good Place (Netflix) meio sem compromisso e logo me peguei assistindo um episódio atrás do outro. E que experiência!!! A duração de 22 minutos cada contribuiu para continuar até seu encerramento na quarta temporada, cujo último capítulo foi simplesmente arrebatador.

A premissa: Eleanor acaba de morrer e foi para o chamado "Bom Lugar" (mais conhecido como "Céu" por aqui), a recompensa eterna dos bons e justos após a morte. Na fantasia da série, trata-se de um dos inúmeros "bairros" projetado por um dos arquitetos do Universo, Michael, onde tudo é perfeito e vive-se em permanente estado de satisfação e bem-estar. Mas logo Eleanor percebe um engano: houve uma confusão com sua identidade e ela deveria ter ido para o "Mau Lugar", ou seja, o próprio Inferno, afinal, passou longe de ter uma boa conduta quando viva. Mas ela decide se manter a salvo e, para isso, aproveita a companhia de um professor de filosofia, Chidi, pedindo que ensine a ela como ser uma boa pessoa, só para poder continuar no paraíso sem levantar suspeitas.

Este professor é a porta de entrada para muitas pitadas de filosofia ao longo da série, mas isso é só um dos ingredientes que a tornam interessante, apesar de muitas partes cansativas. Pois é, ao longo das temporadas ela me pareceu uma mistura entre extremos: piadas bem sacadas e momentos enfadonhos, como também boas reflexões sobre a vida (antes e após a morte) contrapondo-se a invenções abobalhadas sobre o Além. Um Além, aliás, que lembra "O Guia do Mochileiro das Galáxias", pois o mundo dos mortos mais parece uma grande empresa alienígena onde qualquer coisa maluca pode aparecer, cheia de departamentos e funcionários hierarquizados. É possível reconhecer alguns conceitos espirituais através de várias falas (como merecimento, motivações, o esquecimento de vidas passadas ou novas chances de se melhorar), mas nada está associado a alguma religião. Lá, nossas crenças ficam de fora para dar lugar às pirações do lugar, que compõem o seu lado comédia.

Mas os pontos fortes se sobrepuseram aos fracos. Junto com Eleanor e Chidi, mais dois recém-falecidos, Jason e Tahani, também estão enfrentando uma circunstância incomum. Assim, mesmo sendo muito diferentes entre si e tendo seus defeitos, os quatro formam um grupo cada vez mais unido ao atravessar situações inesperadas, reviravoltas e correrias para se salvar de problemas que nem faziam ideia de que estavam passando. Tudo contribui para manter a curiosidade com o próximo episódio, afinal, num pós morte tão louco, o que mais pode vir pela frente?

Fora as passagens filosóficas e o entretenimento do humor, foi bem legal acompanhar a evolução dos personagens – é crucial ver suas qualidades emergindo e os laços que criam para que o último episódio tenha impacto. Se até um demônio se cativa por eles, o telespectador também é fisgado. Cada temporada tem seus momentos emocionantes ou simplesmente que merecem uma atenção a mais.

Mas, para mim, o destaque de personagem mais querido vai para Janet, como não poderia?! Com aparência de uma mulher simpática e bem humorada, Janet é uma mistura de funcionária com equipamento, tipo um supercomputador, que armazena todo o conhecimento do universo. Ela precisa disso para cumprir sua função: como um "gênio da lâmpada" de desejos infinitos, ela auxilia o Bom Lugar com seus poderes, respondendo qualquer pergunta ou fazendo aparecer qualquer coisa que alguém pedir, pois é programada para ajudar a todos. Mas entre seus atributos, um dos mais importantes é algo em comum com os humanos: ela também aprende. Essas características a tornam uma fiel companheira dos quatro mortos e de seu chefe, Michael, que os guia em suas aventuras, também com suas motivações para estar com eles.

Enfim, achei The Good Place uma boa receita de vários elementos, que vão e voltam se interligando e fazendo a trama se desenvolver para outros níveis, tendo como plano de fundo uma nova roupagem dos conceitos de céu, inferno e julgamento. Mas é na última temporada que a série se torna mais profunda, concluindo-se com uma nova e última solução para o destino dos humanos, que também pode ser reconhecida em certas vertentes espirituais. Gostei da escolha final, acho que ela se encaixou muito bem no universo da série, foi emocionante a cada personagem e fez valer a pena cada capítulo assistido. Se eu tenho a mesma crença? Só digo que a eternidade é muito longa, e não dá para saber o que ela tem para nós lá longe.

Gustavo Carnelós
Enviado por Gustavo Carnelós em 30/09/2022
Código do texto: T7617975
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