Cutie Honey, um mangá inaceitável

 

CUTIE HONEY, UM MANGÁ INACEITÁVEL

Miguel Carqueija

 

Resenha do volume gigante “Cutie Honey”, de Go Nagai. New Pop Editora, São Paulo-SP, 2019. Tradução: Thiago Nojui.

 

“Cutie Honey” é o nome de uma super-heroína japonesa criada em 1973 e cujo mangá inspirou também uma série em animação.

O mangá foi publicado em 73-74, totalizando dois volumes, mas saiu recentemente no Brasil em volume único gigante — e parece que isso está virando moda.

Embora se diga que “Cutie Honey” seja a precursora das garotas mágicas ou superpoderosas dos mangás e animês, o fato é que não existe comparação possível com Sailor Moon, Guerreiras Mágicas de Rayearth ou mesmo Sakura Card Captor.

“Cutie Honey” é um mangá repulsivo, transgressor. E permeado por um humor grosso e sem graça. É verdade que a capa avisa que se trata de uma “obra adulta, proibida para menores de 18 anos”, mas isso é para inglês ver, pois com certeza crianças e adolescentes também lêem, o que é lastimável.

Cutie Honey é uma androide criada pelo Dr. Kisaragi. Aqui começam as incongruências da história. Por ter em si um segredo explosivo, o “dispositivo de fixação elementar”, que lhe fornece grandes poderes e diversas opções de transformação, Cutie é escondida pelo pai num colégio interno feminino misterioso e isolado a grande distância da cidade. Ela não tem mãe, passado e família, mas já surge crescida, sabendo falar perfeitamente e não percebe ser um absurdo. Sem passado, sem histórico escolar, mesmo assim entra no curso médio.

A escola é outro absurdo, com professoras e alunas alopradas e uma inspetora sádica, que faz uso de chicote, a lei é férrea e as garotas se submetem a ilegalidades.

O argumento central, porém, é a existência de uma organização maligna conhecida como “Garra da Pantera”, mal explicada, comandada por mulheres poderosas vindas da Amazônia (?), que aparentemente utilizam magias indígenas.

Com seus agentes de campo, a organização mata o pai de Cutie em busca do tal dispositivo, sem saber que o mesmo estava na androide. Então, como se fosse o Batman, Cutie dedica a sua vida a se vingar da tal organização. Apesar de suas vitórias ela passa grande parte do tempo encurralada pelos inimigos, pois luta sozinha (seus poucos aliados são pessoas sem poderes e praticamente inúteis) e facilmente fica sem energia.

Em si ela é uma personagem inocente e pudica, mas tudo à sua volta é lascivo e grosseiro. Há cenas até de escatologia. Cutie aparece nua em inúmeras ocasiões, inclusive nas transformações. O humor é de uma grosseria sem limites.

Como se tudo isso não bastasse, a certa altura ela diz que derrotará a Garra da Pantera nem que tenha de fazer pacto com o diabo. Ora, usar o mal para combater o mal? Não seria mais lógico recorrer a Deus?

A história não acaba: o final é inconcluso. Mas não se perde grande coisa com a falta de continuação.

 

Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2022.