Casas de areia

Reforçando o chavão que diz que “a vida imita a arte”, vale acrescentar aí o vice-versa. Nesta troca altamente fértil entre ficção e realidade sempre há como se obterem aprendizagens profundas e, por que não dizer, vivências de espectador daquelas produções que mesclam elementos das mais variadas manifestações artísticas. Assim é o cinema, com sua linguagem absolutamente única, capaz de criar imagens tão fortes a ponto de tornar dispensáveis as palavras.

Na minha correria profissional dos últimos tempos, que tem me deixado defasado principalmente em relação às novidades do cinema, alguns títulos de meu interesse terminam sendo vistos com atrasos que chegam a dois anos. Foi o caso do filme nacional “Casa de Areia”, lançado em 2005, sob a direção de Andrucha Waddington e protagonizado por Fernanda Montenegro e sua filha Fernanda Torres.

A obra, que me remeteu ao livro “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, é uma referência à implacável transitoriedade da vida. A história, que se passa num longo intervalo de seis décadas, revela a fragilidade da existência humana, tal qual uma casa construída sobre um banco de areia.

A belíssima paisagem dos lençóis maranhenses é o cenário paradisíaco que emoldura a personagem Áurea (interpretada pelas duas Fernandas), que pode perfeitamente ser comparada às tantas pessoas de todos os tempos que se acomodaram e desistiram de perseguir seus sonhos. Os ventos que modelam as dunas simbolizam o inequívoco agir do tempo sobre tudo e todos.

Em muitas cenas busquei, naquele exercício catártico que a arte propõe, vislumbrar na minha própria trajetória as limitações identificadas em Áurea e nos demais integrantes daquele enredo. Olhar para trás, por menos recomendável que seja, é algo inerente à minha personalidade. Além de ser saudosista assumido, tenho veia de colecionador (no meu caso, não colecionador de objetos, mas daquilo que me remete a histórias de vida).

Em meio às reminiscências que me invadiram enquanto assistia ao filme, mesmo aquelas ligadas a momentos de tristeza, perda, incerteza e angústia me pareceram fundamentais. Isso chega a me dar certo alívio, já que tenho consciência de que a maioria dos sofrimentos que vivi não foi causada pelo que deixei de realizar, e sim pelo que fiz, pelo que persegui em nome das minhas convicções.

Em Cem Anos de Solidão Gabriel Garcia Marques conta a saga da família Buendia – seu auge e decadência, num paralelo ao crescimento da cidade que praticamente fundou. Tanto nesta obra quanto no filme de Andrucha Waddington fica nas entrelinhas a mensagem que realmente merece ser digerida vagarosamente: em que consiste uma vida feliz, mesmo na fase em que ela tiver chegando ao seu derradeiro momento?

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 25/05/2008
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