O MESTRE DOS MARES-O LADO MAIS DISTANTE DO MUNDO

O MESTRE DOS MARES-O LADO MAIS DISTANTE DO MUNDO

Por FLAVIO MARTINS PINTO

A tradução mais correta do filme de Peter Weir seria MESTRE e COMANDANTE- DO LADO MAIS DISTANTE DO MUNDO( Master and Commander- the far side of the world).

Inúmeras vezes o título comercial do filme nos dá uma pista do que ele é, outras despista.

E de fato, e o que se vê em Mestre e Comandante- prefiro este nome- é o pleno exercício da ação de um comandante militar, no qual destaca-se o compromisso com o Dever e a Missão a cumprir.

Ambientada no tempo em que o Mundo era apenas a Europa no período napoleônico, a ficção gira em torno de uma ordem dada ao capitão JACK AUDREY, da Marinha britânica e comandante do HMS SUNRISE, para perseguir o ARCHEON, uma moderna fragata francesa e muito bem artilhada, que levava o terror aos mares do Sul e, de acordo com os britânicos, queria levar a guerra ao Pacífico. A perseguição foi da costa do BRASIL á Galápagos e inicia com ataque surpresa daquela belonave francesa ao SUNRISE quase o pondo á pique.

O comandante decide que o conserto não seria em Terra firme e sim em alto mar, revelando seu tino de comandante fortalecendo a auto estima da tripulação e a confiança no seu comando. O HMS SUNRISE volta ao combate com o moral da tripulação fortalecido, apesar do ceticismo do médico/naturalista de bordo, que por sinal não era militar e pouco afeito aos ditames da caserna e não aceitava aquela situação.

Desde o início nota-se o cuidado a detalhes da linguagem náutica, típica dos homens do mar, e o guarda-roupa esmerado e ambientado.

A estratégia , desde a Antiguidade, é a arte dos generais e ela se faz presente nas melhores decisões de AUDREY, em mais uma brilhante interpretação de RUSSEL CROWE, assim como o foi em GLADIADOR. Ele consegue passar ao público os momentos mais decisivos de uma ação/decisão personificando-a com seu carisma, chamando para si a responsabilidade inteira da cena, mas não tirando o brilho dos coadjuvantes. Em o ÚLTIMO SAMURAI, TOM CRUISE em contraste com RUSSEL, atua tal qual um pintor que coloca seu nome bem suave e discreto ao pé de sua obra-prima.

JACK AUDREY , personagem criado por PATRICK O’BRIAN, pseudônimo de RICHARD PATRICK RUSS, comanda o navio com técnica de mestre náutico e instinto de homem do mar que navega e caça. E a caça era o ARCHEON.

O comandante. A responsabilidade de um comandante militar é intrínseca aos atos em função de comando. Ele é o exemplo, guia, instrutor, orientador, fiscalizador, líder de seus comandados e do meio que dispõe para cumprir sua missão. É sua a responsabilidade pela vida dos subordinados e, com propriedade o filme nos mostra o comandante AUDREY, ou JACK, O SORTUDO, como carinhosamente o chama a tripulação, orientando os Aspirantes no uso do sextante; decidindo pela sobrevivência da embarcação em detrimento ao socorro a um homem caído ao mar, pois com tal o navio afundava; treinando e exigindo dos artilheiros no manejo dos canhões; conferindo o cordame e postando-se na proa como a mostrar que é o líder; o vimos quebrar a palavra dada ao médico, que desejava sobrepor interesses da História natural ao cumprimento da missão; vimos também o comandante chamar a atenção de um subordinado que falhara na sua tarefa e cobrar-lhe a atitude compatível sem deixar de orientá-lo. JACK, em ação, é um comandante militar na sua plenitude empregando todos os seus conhecimentos guerreiros na perseguição do seu objetivo, ou melhor dizendo, no cumprimento de sua missão.

O médico. Em contraposição as atitudes de JACK, STEPHEN , misto de médico e naturalista da embarcação, trabalha no cotidiano de um navio de guerra do final do Séc XVIII e início de XIX com todos os seus problemas de tempos de calmaria e pós combate. Tratamentos duros, amputações, cirurgias – inclusive uma nele próprio com auxílio de um prático- em meio a consertos de violino e violoncelo e discussões com JACK. Nas suas confidências, STEPHEN não aceitava as atitudes de JACK, pois não era muito afeito aos ditames militares. Claro, o médico tem formação humanista e o comandante um guerreiro por natureza. A medicina militar é distinta da civil pelo convívio de mentalidades e do meio militar e assim é tratada nos conflitos. Contudo, num dos seus arroubos naturalistas em Gálapagos onde se deleitava com a fauna e flora raras, divisa o inimigo entrando na baía , informando imediatamente o comandante que toma as decisões para as ações finais de perseguição. Assim como participa de um conflito a bordo contra a tripulação do ARCHEON e dá informação sobre o destino do comandante francês derrotado.

A tripulação. Composta por toda sorte marinheiros, desde jovens oficiais a velhos lobos do mar, é mostrada nos mínimos detalhes. Alguns pouco percebidos. A roupagem, a faina diária, a alimentação, o respeito ostensivo á hierarquia, as superstições, a responsabilidade a solidariedade na execução das tarefas diárias, as cobranças, o sentimento e o amor pela Pátria, o romantismo e a saudade da terra firme nas canções singelas, a confiança no comandante, tudo com um linguajar adequado e muito bem falado pela marujada. Dadas as sua aparições e ações bélicas surpreendentes surgindo do nada, naquele tempo em que a visão era o único meio de alerta, o ARCHEON era tratado como um fantasma com todas as suas conseqüências no moral da tripulação. Foram atacados duas vezes e sabiam que a terceira seria fatal.

O HMS SUNRISE. Barco de guerra pesado, lento, foi milagrosamente recuperado pela tripulação após ataque do ARCHEON. Técnica e materialmente inferior ao seu inimigo lograva êxito na perseguição pela coragem e técnica náutica da tripulação e astúcia do comandante.

O inimigo. O ARCHEON era um barco poderoso militarmente, moderno e veloz para sua época. Nunca é mostrado por inteiro e sim como um ponto futuro a ser atingido. Na sua construção estava presente a futura indústria naval norte americana de guerra.

A intensidade das cenas e a proximidade com o espectador o coloca dentro do ambiente que viviam os marinheiros nos vasos de guerra daquela época.

Em resumo, Mestre e Comandante nos mostra o universo inteiro de um ambiente militar em combate, degladiando-se o médico, humanista por formação, com o comandante guerreiro personificado por RUSSEL CROWE e a tripulação ciente da sua missão e que busca cumprí-la a despeito dos meios que recebe e dos percalços do caminho. Suprem, comandante a e tripulação, a carência dos meios com competência, criatividade, obediência, firmeza, confiança mútua, intenso amor á Pátria e satisfação do dever cumprido. O moderno versus o antigo manejado com amor e competência.

O MESTRE DOS MARES, ou como prefiro, MESTRE E COMANDANTE, nos mostra a ação de um militar no trato de tudo que gira em torno de sua esfera de responsabilidade, indo do trato experiente com os homens á plena exploração militar nas circunstancias em prol do cumprimento da missão recebida. E o que mais me fascinou foi o confronto de gerações e de mentalidades: o moderno contra o antigo, o humanista contra o guerreiro, a superstição contra a realidade, a confiança contra a ceticismo, o dever e obrigação acima de tudo.