"Atirador" (Shooter)

"Atirador" (Shooter)

Meninas não vão gostar desse filme. Meninos gostam. Ainda que muitos não admitam. Freud explica. Pode explicar, não cobro nada para ouvir. Aliás, estamos lançando um novo produto: “Clínica Psicológica Drive In – Com Freud Thru”.

Sujeito quando é obstinado, é obstinado. Assim, não vide bula da “caixinha”. Mas gosto de saber quem dirige. Antoine Fuqua.

Meu herdeiro corintiano, certa vez, olhando a vitrine da locadora, apontou: é esse aqui! “Rei Artur”. Discutimos uns 10 minutos sobre a questão, mas ser corintiano reveste-se do símbolo máximo e indiscutível da obstinação e “Rei Artur” assistimos. Direção: Antoine Fuqua. O cara sabe fazer corre pra lá e pra cá na frente da câmera. Ficou claro no “Rei Artur”, já tinha ficado claro no “Lágrimas do Sol” e já havia se sacramentado com o “Dia de Treinamento”, um dos grandes filmes gênero policial do séc. XXI.

No “Atirador” algo ficou escuro, não saberia dizer se foi mancada do roteiro.

O ator protagonista, Mark Wahlberg, se virou nos 30 no único filme em que o Leonardo Di Caprio dá a impressão fisionômica de ter saído da puberdade. Ali, Wahlberg faz uma ponta em meio a uma constelação de astros. Esqueci o nome do filme. Muito astro, pouco cinema. Também não fez feio num policial recente com o Robert Duvall.

Aqui intrepreta o débil mental do século, onde até o porteiro do cinema, dormindo, vê que estão armando para ele. Depois, lógico, o cara vai `a forra, porque sendo burro daquele jeito tem pelo menos fôlego para correr atrás do prejuízo. E mira. Porque o filme se chama “Atirador”. Que a princípio me pareceu uma falha federal no conceito Atirador. Antes os caras tinham cérebro, engedravam mil disfarces e mil artimanhas, mas, eu disse a princípio. Porque no desentolar da carabina Maquiavel está atento, vestindo a roupagem da tecnologia infalível.

“Atirador” baseia-se no livro “Point of Impact”, 1993, de Stephen Hunter. Talvez venha daí a trilionésima denúncia das atividades extracurriculares do US Army, então `a serviço das grandes corporações. Com menos acento no colorido, Marcuse cantou essa bola há 40 anos. Na época ele não falava que as grandes corporações teriam esse aliado, até porque na cabeça de quem viveu essa época US Army salvou a pátria. Pátria, também, é a desculpa do protagonista em relação `a sua burrice.

Wahlberg tem um parceiro `a altura, Michal Peña, bom ator, vide “Crash” e “Leões e Cordeiros”. Tem um adversário duro de engolir, Danny Glover, que quando ordenam, transforme-se em vilão, ele acata. Também tem o Ned Beaty, que é vilão desde que eu era criança. Kate Mara, a pau pra toda obra do atirador, também desempenha. O pacote também inclui a fantástica máxima para sujeitos como eu, e talvez você: “Quando você acha que entendeu tudo, aí dançou, porque é justamente quando não entendeu nada”.

Tirando umas coisinhas inspiradas no “JFK”, que nem vale `a pena comentar, se o pretendente a assistir essa façanha do Fuqua sentir, digamos, uma premonição, de que nos próximos dias será baleado e por motivos pessoais ou crença religiosa nåo quiser adentrar num pronto-socorro, “Atirador” dá uma aula detalhada de como sobreviver.

Wahlberg contou com a assistência de um “sniper” de verdade, que dizem ter se surpreendido com a capacidade de aprendizado do ator e sua pontaria. Não é só puxar o gatilho. É uma verdadeira ciência (o que significa que estamos cercados de cientistas…), onde tudo influencia o disparo, desde o tempo do mesmo até a curvatura da Terra sobre a trajetória do projétil, umidade, vento, etc., sendo, porém, o mais complicado, incutir no cerne de quem se formou em artes cênicas a postura, o modo de falar e de se mover de quem, de fato, empunha uma arma com o logo da pátria no espírito, e não da bandidagem.

"Um tiro desses não pode ser mostrado no cinema, porque é o tiro arrbenta quarteirão, explica o treinador, O alvo literalmente explode, muito diferente daquele “splash” californiano ". (Isso me parece hipocrisia estética).

A camuflagem ártica, que o cara usa nos finalmente, e parece que ele fumou um cigarrinho que passarinho não fuma, levando-nos até supor um carnavalesco pai-de-santo do Tibet, é, contudo, um traje real, cuja intenção visa quebrar a silhueta do trajante, para confundir o meliante. Rimou, cacoete do RL, pero vero, já que não existe linha perfeitamente reta ou perfeitamente curva na natureza. Ambas são a bandeira do século. (Usamos século 4 vezes).

Mais uma pérola extraída do espetáculo: “ lentidão é precisão – precisão é rapidez”. Perfeita para quem está no trânsito, pode até servir de mantra e amainar ânimos, face uma eventual chuva de balas. (Antes de ontem ocorreu, graças `a Deus, uma chuva de poesia na av. Afonso Pena, em Belo Horizonte. É disso que a gente precisa. Projéteis só no cinema, visto que cada um se diverte como quer, pipocas de molho ou não).

Bang.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 29/06/2008
Reeditado em 13/10/2013
Código do texto: T1057109
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