OSCAR 2004 e CIDADE DE DEUS

OSCAR 2004 e CIDADE DE DEUS, de Fernando Meirelles

Flavio Martins Pinto

Não quero ser rotulado de anti-brasileiro ou contra o cinema nacional , mas foi difícil torcer para CIDADE DE DEUS, mesmo com seus predicados, com os adversários que tinha pela frente, e ainda considerando que a arte é universal.

Nas categorias que concorreu, a Montagem talvez tenha sido seu maior trunfo, mas Senhor dos Anéis-O retorno do rei e Mestre dos mares eram(são) imbatíveis nessa área.

O modelo de montagem de Cidade de Deus foi uma surpresa para Hollywood e para o mundo cinematográfico. Talvez não esperassem de uma equipe brasileira tal padrão de criatividade, particularmente nas cenas de rotação da câmera principal. Nas outras categorias, a produção de Meireles não chega perto dos outros candidatos. É tal qual colocarmos para comparação um Fusca contra um Porsche 911 biturbo, uma Ferrari Modena 360, um Rolls Royce e um Volvo S90. Sem sombra de dúvidas o Fusca ganhará de longe em alguns quesitos como economia de combustível e manutenção. Já nos outros....

Mas o que Cidade de Deus tem ou não tem?

Bom, muita coisa boa para a indústria cinematográfica. Vejamos.

O tema. A temática explorada, a eterna injustiça social como causa de muitas mazelas dentre elas a exclusão e, por conseguinte, fuga para a marginalidade e uma outra conseqüência, mais feliz, a tentativa de saída para outro mundo melhor por pessoas conscientes. É a busca eterna da saída honrosa da caverna de Platão. No entanto, a cena da galinha perseguida no início do filme, nos dá uma boa dica da linha filosófica apresentada, ou seja, não tem saída. Ou tem ?

William, o Professor, criador do Comando Vermelho, escreveu em um livro onde narra o surgimento dessa facção criminal, ..”...o que será da sociedade quando descerem do morro para o asfalto 3 mil jovens famintos armados e ideologizados....”, e soou como um vaticínio do fundador da maior facção criminal surgida no país. Não foi ouvido pela comunidade asfáltica carioca.

Cidade de Deus , a partir do livro de mesmo nome de Paulo Lins, se desenrola nas décadas de 60/80 num ambiente que foi intensa a cooperação da esquerda encarcerada com bandido comuns. Estes, receberam todo o know how dos cursos realizados no exterior dos militantes marxistas, instrumentalizando-se técnica e tecnologicamente para assaltos, seqüestros, roubos, assassinatos, furtos e toda espécie de delitos que hoje nos assombram e que foram fortalecidas a partir daquela convivência. As técnicas de guerrilha repassadas deram um ganho de qualidade ás ações da bandidagem aumentando seu poder de coação e medo.

Outro dia li uma crítica, onde o crítico de um grande jornal, atribui a formação daquele “aborto urbanístico “- a favela- á ditadura militar. Aliás, só pode ser. Sobrou, hein?....Só podia ser culpa dela. Ele não fala qual período, mas acredito que foi no governo militar do general ditador Prudente de Morais. É gozação ou estupidez? Tenha paciência. Só esqueceu, o crítico, que a favela carioca sempre foi tratada de forma romântica e , naquele período-60/80- com o convívio, tornou-se a barbárie que é, numa simbiose sinistra de párias da sociedade oprimindo e chantageando centenas de milhares de cidadãos honestos e trabalhadores que não tem outro local para morar/viver. Por outro lado, também diz que as favelas surgiram na década de 80. Puro desconhecimento ou má fé. As favelas surgiram no Rio de Janeiro após a desmobilização da tropa federal que fora combater na Campanha de Canudos. No Rio, estabeleceram-se no atual Morro da Providência, a primeira favela carioca e que ainda hoje guarda vestígios daquele povoamento . O nome favela vem de uma planta rasteira existente no sertão pernambucano e foi dado á vila pelos ex-soldados desmobilizados e suas famílias.

A critica social. Podemos dizer que é um ato de chamamento dos críticos sociais da globalização, mas esse é um bordão surrado, velho e cheirando a mofo da esquerda rancorosa e incompetente e conivente com a situação, pois não tem soluções pra tal. Ou se as tem não tem competência para executar os programas adequados.

O outro ponto é a glamourização da violência e do crime, que o Brasil, melhor dizendo, a intelectualidade brasileira aplaude, delira e tenta passar ao mundo cinematográfico com O que é isso, companheiro? e Carandiru, por exemplo. Este passou em branco em Cannes para tristeza da claque. Dentro dessa linha, em 1959, Orfeu Negro foi o representante da ainda romântica bandidagem e sua convivência (?) com a malandragem carioca dos morros.

Com o surgimento do CV potencializou-se o poder de coação e coerção da bandidagem afastando-os da população humilde e ordeira que vive na favela, algo que, por exemplo, Walter Salles apresenta nos seus filmes. Nesse mister resulta , para mim, o handicap negativo do filme na concorrência com outros que também tratam da pobreza, miséria e opressão. Vejam o desenrolar de A vida é bela , melhor filme estrangeiro em 1998, concorrendo com o ingênuo Central do Brasil, num ambiente muito mais dramático do que este e Cidade de Deus.

Cidade de Deus mostra com muita propriedade, nos três temas, ou estórias, contadas simultaneamente, a luta dramática desses cidadãos para fugir daquele estado de coisas. Ninguém gosta de ver temas assim com finais como o de Cidade de Deus, Carandiru, sem sentir-se culpado e/ou impossibilitado de agir.

Mas também, pagar para ver espetáculos feitos sob a ótica da marginalidade, ou banalizando a violência sem o efeito da lei, nos deixa muito mais impotentes e descrentes de uma solução. Já basta de vermos situações em filmes onde bandidos passam impunes , passando a triste realidade da decantada impunidade que tanto combatemos. E nos entristece no nosso país. Por ser uma obra de arte , o filme não dá o direito ao diretor ou quem quer que seja, de glamourizar as ações de pessoas que agem á sombra da lei. E algumas até contra o país. Depois não reclamem que carecemos de heróis.

Em tempo- o jornal Zero Hora, de Porto Alegre-RS, de 3ªfeira-02 de março de 2004- retrata bem o meu ponto de vista na chamada do Oscar 2004 no Segundo Caderno-pág 6- Deu prá ti, baixo-astral.