PROCESSOS BIOPSICOSSOCIAIS DO ENVELHECIMENTO E A RELAÇÃO COM O FILME “LONGE DELA”

“Envelhecimento é um processo seqüencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de morte”. (OPAS, 2006)

O objetivo deste texto é fazer um link do filme “Longe Dela” (2007) com os conceitos abordados pela Psicologia do Desenvolvimento – Idade Adulta e Velhice, que traz discussão sobre outra importante e delicada fase do desenvolvimento humano que é o envelhecimento, um processo universal e individual que envolve em seu contexto aspectos biopsicossocial; é um processo universal por ser natural, por ocorrer independente da vontade da pessoa e de forma gradual em indivíduos que finalizam a fase adulta, e é individual por ocorrer de forma peculiar e num tempo próprio a cada pessoa, que percebe e vivencia as alterações orgânicas, físicas e emocionais de forma diferenciada emitindo sua resposta na própria forma de encarar e viver esta fase da vida.

De acordo com Lueckenotte (2002), a avaliação do sistema neurológico deve ser pautada na observação do estado emocional e mental, na função dos nervos cranianos, na função motora, sensorial e reflexos do idoso. A alteração estrutural de uma área cerebral específica modifica a resposta funcional particular à área afetada.

O tempo então impõe uma cascata de acontecimentos inevitáveis, efeitos indesejáveis que promovem importantes modificações fisiológicas: eis o envelhecimento!

O filme de Sarah Polley é uma belíssima obra que narra o drama de uma mulher que se depara com várias perdas: a perda cognitiva que se desenvolve para a Doença de Alzheimer, a perda da condição de viver numa casa normal, de ter uma vida relativamente normal, a necessidade da internação em clínica especializada e a distância do marido.

O início do filme se dá com o Sr. Grant indo até a casa de Aubrey onde conhece sua esposa e inicia com ela, um diálogo muito difícil dadas as circunstâncias que se explicam no desenrolar da história. Fiona, esposa de Grant, apresenta lapsos de memória ao realizar simples tarefas domésticas e seu marido acompanha preocupado a assustadora possibilidade de existir algo muito mais sério por trás destes eventos, que com o tempo passam a ser constantes: Fiona guarda uma panela dentro da geladeira e esquece o nome da bebida que segura (vinho) ao oferecer aos convidados. Ambos mantêm fortes suspeitas sobre esses acontecimentos; Fiona encara melhor essa situação e começa a buscar na literatura, toda informação possível, mas seu marido se recusa a crer que a memória de sua esposa está se degenerando e abrindo espaço para o desenvolvimento da doença conhecida como Alzheimer.

A doença conhecida como DA – Doença de Alzheimer, ou Mal de Alzheimer atinge a área no cérebro que controla a memória, a linguagem e o raciocínio, com possibilidade de atingir outras áreas, comprometendo algumas outras funções. Sabe-se que a DA provoca a morte de células no centro de memória do cérebro, o hipocampo, levando a estrutura a se degenerar progressivamente. Sua causa é desconhecida e pode atingir pessoas adultas a partir dos 40 anos de idade, daí a necessidade de exames preventivos para tratamento mais eficaz, visto que não ainda não existe cura. O estágio inicial desta doença muitas vezes é confundido com um processo normal de envelhecimento pelas alterações cognitivas próprias desta fase, e isso é um dos fatores que atrasa um possível diagnóstico precoce e prejudica no tratamento.

Grant e Fiona decidem ir até uma clínica para uma consulta, mas ao passar por uma triagem junto a sua médica, Fiona esquece o nome de coisas muito simples, como se as palavras lhe fugissem na mente, impedindo qualquer lembrança. Com toda sua elegância, ela se retira com o marido e decide internar-se numa clínica para se tratar melhor. Seu marido não concorda, mas não consegue dissuadí-la do propósito, e então ele vai até esta clínica para conhecer melhor o local. Grant é muito bem recebido pela fria e objetiva diretora desta clínica, que lhe mostra todos os ambientes, mas ele se recusa a prosseguir quando chegam ao segundo andar e a diretora lhe apresenta aquele local como sendo reservado para acolher as pessoas com estágio avançado da doença. Grant não gosta da forma que ela faz suas colocações, e se retira. Ao encontrar a esposa ele lhe diz que a clínica coloca como regra a ausência de visita pelo espaço inicial de 30 dias para facilitar a adaptação do residente e ao perceber a intensa tristeza do esposo, Fiona tenta lhe acalmar o sentimento, até mesmo porque ela está totalmente decidida sobre que rumo dar à sua vida. A finitude da vida é algo claro para ela, que busca a reflexão da vida conjugal e da própria vida em si, como forma de amenizar a dor da separação, e aí vemos mais uma tarefa desta fase de desenvolvimento, onde o indivíduo idoso faz uma avaliação de si, de suas conquistas, de seus valores, dos sucessos e insucessos da vida, os ganhos e as perdas que denotarão sabedoria ou não, conforme estudos do teórico Erik Erikson. Pessoas que avaliam sua própria vida conseguem melhor enfrentamento quando na terceira idade, mas os indivíduos que tem dificuldade de aceitação se deparam com algum desespero quando chegam nesta fase, pelo próprio fato de saberem que a esta altura, não há mais tempo para finalizar coisas importantes na vida. Fiona tinha a tranqüilidade de saber que viveu da melhor forma possível e que agora restava cuidar de si para viver o restante de tempo que o corpo lhe permitisse viver.

A caminho da clínica, Fiona tece comentários sobre determinado local onde caminhavam na primavera e Grant fica surpreso a ponto de crer que a DA não seria realidade. Ao chegarem à clínica, Fiona apresenta pressa em se instalar, o que incomoda sobremaneira o seu dedicado esposo. Já em seu quarto, Fiona e Grant têm uma linda despedida com um momento íntimo onde a sexualidade se mostra cúmplice do casal, quebrando o rótulo de que a terceira idade é a fase do “não querer”, do “não sentir”, como a sociedade tenta colocar. Para este casal não existe repressão sexual, mesmo porque sexualidade não significa o ato sexual em si, mas engloba uma série de outros fatores que atuam em conjunto: o afeto, carinho, cumplicidade, amizade, cuidado, zelo, inteligência.

Grant conversa com Kristy, a enfermeira chefe, e narra o fato ocorrido durante sua vinda até a clínica, mas Kristy coloca a realidade sem ocultar nada, mostrando que a doença age desta forma inicial sutil, mas que avança inevitavelmente.

Grant desolado retorna a sua casa e aguarda até o dia de visitar sua esposa. Chegando lá ele procura por Fiona e a encontra no salão com um grupo de outros residentes que jogavam carteado. Ele a chama e só após algum tempo de conversa é que percebe que Fiona não mais se recorda do marido. Com intensa e explícita tristeza, Grant procura Kristy para uma conversa, tentando saber mais sobre o novo amigo de sua esposa. Kristy fala um pouco sobre Aubrey, o novo amigo, e esclarece dizendo que é normal que estabeleçam ali dentro algum tipo de vínculo, mas que isso não é duradouro, devido mesmo ao avanço da doença e fala que logo Grant se acostumaria e não levaria pro lado pessoal, mas ele sente dificuldades em lidar com o novo comportamento da esposa embora tenha lido o suficiente para saber que poderia enfrentar esta situação. A DA destrói não apenas o tecido cerebral, mas também os vínculos afetivos, pois o doente tem percepção diferenciada da vida e das pessoas presentes em sua vida.

Quando o novo amigo de Fiona é retirado da clínica por sua esposa, Grant sente-se aliviado, mas acompanha preocupado, o período depressivo de Fiona, que não se adapta à distância de Aubrey. Grant, num sentimento de renúncia e amor, procura então por Marian, esposa de Aubrey para propor-lhe o retorno deste à clínica, pois não suporta mais acompanhar a dor de sua esposa, já encaminhada ao segundo andar nesta fase. Logo Grant e Marian iniciam uma relação mais próxima, embora ele guarde ainda todo sentimento por Fiona. Marian finge existir um sentimento unindo-os para atenuar a realidade de que há um jogo de interesses.

O filme deixa grandes lições sobre a vida, sobre o amor, o respeito, a renúncia e a necessidade de cuidados, zelo e proximidade entre pessoas num período tão delicado como o estágio do envelhecimento.

Uma frase que chama a atenção, dita por Fiona logo ao início do drama, é algo que assusta pela realidade implícita em seu contexto: “(...) quando as idéias somem, é como se desaparecesse a pessoa (...)”, e a doença de Alzheimer funciona como se desintegrasse a identidade de seu portador e embora todos saibam quem ele seja, ele mesmo não se conhece e nem o fato de ser indiferente lhe perturba.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1- LONGE dela. Direção: Sarah Polley. Produção: Daniel Iron, Simone Urdl e Jennifer Weiss. Intérpretes: Julie Christie, Gordon Pinsent e outros. Roteiro: Sarah Polley, 2007. 1 DVD (110 minutos), widescreen, color. Baseado na história de Alice Munro.

2- LUECKENOTTE, A. Avaliação em gerontologia. 3. ed. Rio de Janeiro; Reichmann & Affonso Editores. 2002.

3- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Cadernos de Atenção Básica, n.º19, 2006.