"Segredos de Estado" (Quelques jours en septembre)

"Segredos de Estado" (Quelques jours en septembre)

A propaganda na capa faz-se suficiente: Julliete Binoche, John Turturro, Nick Nolte. O que está escrito na contra capa prova que quem escreve não assiste. A primeira surpresa fica por conta do menu – seleção de idiomas: francês e português. Uai? Com esse elenco?

Chegará o tempo em que, caso não retrocedamos à pedra lascada, como indica a sinalização presente, poderemos editar trechos de filmes, à maneira de selecionar trechos de poesia, e depois assistir com deleite. “Segredos de Estado” encerra, nos seus 116 minutos de duração, um festival de trechos prazerosos, descontando uns minutinhos no começo e no final.

Cinema francês na sua melhor medida, ou seja, longe da melancolia crônica que parece atormentar os europeus.

Dos 3 astros citados, quem vai roubar a cena, e vamos agora denominá-los de a trinca, pois são o eixo desse entretenimento suave e instrutivo: Julliete Binoche, Tom Riley e Sara Forestier.

A história percorre o calendário de 1 a 11 de setembro de 2001.

Apostaram alto na reserva de imagem de Nick Nolte, pois ele só aparece nos últimos instantes, e ali mesmo sucumbe.

“Adoráveis viajantes, para praias distantes, para sonhos incertos,

Que viajantes adoráveis, apagam na distância nossas lágrimas e dor, meu Deus, as viagens, que sabedoria a vossa, nos dar essas imagens, porque as viagens são a vida que levamos, o destino que mudamos...”

A trinca cantarola esses versos, numa viela em Veneza.

Creio que o maior desafio em fazer essa resenha reside no cuidado em transmitir – e ao mesmo tempo desviar do conjunto imagético atado no título e nas datas - o grande truque de “Segredos de Estado”. Estado de espírito, cujo segredo é desvendado nos versos acima. E em muitos outros versos que a trinca lê, e repete oralmente.

Essa seleção de imagens e de versos, esse ponto de vista sobre a história, é mérito do diretor Santiago Arrigorena, autor do argumento, merecidamente selecionado no Festival de Veneza.

A liga da trinca acontece no dia 1. Julliete fora parceira de negócios do Nick Nolte, há 10 anos atrás. Este lhe solicita que ela reúna os filhos, para uma reunião iminente. A partir daí, bons diálogos e uma puxada de tapete federal no lugar comum, que seria o de se esperar com esse título e com essas datas. Sara é filha do Nick em solo francês. Tom, enteado do Nick em solo americano. John Turturro, num papel batido, ex discípulo do Nick, não atrapalha a quintessência da trinca.

Ela verte no cerne e no derredor do espectador. Os irmãos são jovens, vinte e poucos anos, Julliette jovial, atenta, faz dois papéis sem exagerar nenhum – ora é a protetora, ora tão infantil quanto eles. Dois árabes vão visitá-la, à procura de notícias do Sr. Nolte. Tudo muito discreto, piano, piano.

- Sr. Nolte é nosso conselheiro em finanças.

- Mas... ele nunca soube nada de finanças...- espanta-se ela.

- Ele sabe de coisas que alteram as finanças – replicam os árabes – recomendou-nos que retirássemos todos os nossos investimentos da América, o quanto antes.

Ela encolhe os ombros. Se alguém te fala que irá acontecer um dilúvio, e você está prestes a ir na quitanda comprar mandioquinha para fazer um creme, qual será a sua reação? Choramingar o futuro dilúvio, ou se mandar pra quitanda?

A trinca come, bebe, passeia, filosofa, recita trechos de livros, Nick Nolte nunca aparece, e, em virtude do estorvo John Turturro, a trinca sai de Paris e viaja de trem até Veneza, não há uma trilha sonora perturbadora, ninguém está de fôlego de fora, o modo como Turturro foi despistado em Paris acontece com a malícia de outrora. Simples e cômica.

Por mais que o cinema hollywoodiano insista em nos entupir com figuras maquiavélicas e de turbante, o próprio cinema oriundo da América trouxe o antídoto imediato – “9/11”, de Michael Moore. A quantidade de informação contida em “9/11” não pode ser sorvida de uma única vez, mas leva qualquer espectador de primeira viagem a concluir que o lance das Torres Gêmeas foi outro. Em janeiro desse ano, na livraria Cultura, em Sampa, teve lugar palestra e exibição de filme, cogitando com letras graúdas que o atentado de 11 setembro foi trabalho interno, já que a constituição americana só permite que seus filhos peguem em armas, em caso de ataque.

A trinca flaneia por Veneza. Julliette tem mais um encontro com os dois árabes, já que a sede deles é na cidade mezzo submersa.

- Sr. Nolte nos contatou. Chegará depois de amanhã, quer que os filhos estejam presentes.

A francesa age como se estivesse passeando, mas essa é a profissão dela. Afinal, de que se trata, e por que os filhos?

- Sr Nolte ganha meio por cento de comissão sobre a rentabilidade dos investimentos que fazemos, baseados nos conselhos dele. Os filhos irão receber a comissão.

Por mais voltas que o mundo dê, o maior poder de comunicação entre os homens pulsa no que os gringos chamam de “word of mouth”. Perto disso, computadores, satélites, softwares, antenas mirabolantes, etc., são fichinha. E os portadores da informação são, antes de mais nada, seres humanos. Nalgum momento de suas vidas, deixarão de ser agentes e de usar um ponto eletrônico no ouvido, para irem na quitanda comprar mandioquinha. E falarem.

Na São Paulo de 2009, cogita-se que as Torres Gêmeas foram uma arapuca para ceifar 6.000 inocentes, para que depois outro quinhão não contabilizado de inocentes fosse ceifado.

Na visão de Santiago Arrigorena, a parte excomungada e nômade da comunidade de informação gringa, já estava careca de saber que a casa iria cair. Não havia o que fazer. Principalmente os pobres mortais, comuns, corriqueiros, noutras partes do globo.

Exceto, na suavidade cinematográfica do autor/poeta, ocasionalmente declamar “meu Deus, as viagens, que sabedoria a vossa, nos dar essas imagens, por que as viagens são a vida que levamos, o destino que mudamos...”

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 15/03/2009
Reeditado em 05/06/2013
Código do texto: T1487941
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