FILME “O FILHO DA NOIVA” E SUA RELAÇÃO COM O ESTÁGIO EM INSTITUIÇÃO ASILAR

“É agora, quando se misturam envelhecimento e rejuvenescimento, que sinto em mim todas as idades da vida. Sou permanentemente a sede dialógica entre infância/adolescência/maturidade/velhice. Evoluí, variei, sempre segundo essa dialógica. Em mim, unem-se, mas também se opõem, os segredos da maturidade e os da adolescência (Morin, 2000b, p. 256)”.

O presente relatório refere-se ao filme “O Filho da Noiva” (2001) apresentado em sala de aula no dia 17 de junho de 2009, na disciplina Estágio IV: Exploração e Diagnóstico, e discute a relação entre um homem (que enfrenta diversos problemas de ordem profissional/pessoal), a namorada, a filha do primeiro casamento e seus pais que são idosos, sendo que a mãe é portadora do Mal de Alzheimer e interna numa instituição asilar. Mais que falar do envelhecimento, o filme de Juan José Campanella é uma belíssima obra, um drama sobre a complexa relação familiar, a dificuldade de envolvimento afetivo e os valores que realmente são importantes na vida e que são melhor aprendidos se vividos nesta relação, mas também apresenta momentos marcantes de humor, tudo na dosagem certa de forma a não destoar o enredo ou até confundir o espectador. Eduardo Blanco que representa Juan Carlos, o amigo de Rafael desde os primeiros tempos da infância, colabora muito com esses momentos de humor e é interessante notar sua semelhança com o autor italiano Roberto Benigni, que além de produzir e dirigir, também atuou como protagonista em “A Vida é Bela” (o engraçado, inteligente e amoroso Guido).

O filme “O Filho da Noiva” mostra a dificuldade do empresário Rafael Belvedere (Ricardo Darín) em lidar com sua vida profissional e afetiva e conciliar ambos. O país enfrenta uma crise que reflete em seus negócios no restaurante da família tornando-o um workaolic mais pela necessidade de manter a fonte de renda familiar, o que provoca a crise nos demais tipos de relacionamentos. Rafael é um homem maduro, pai de uma pré adolescente e vive um romance conturbado com a nova namorada Naty (Natalia Verbeke). Seu pai Nino Belvedere (Héctor Alterio), é um homem simples, visivelmente apaixonado por sua esposa Norma Belvedere (Norma Aleandro), uma mulher que se depara com várias perdas: a perda cognitiva que se desenvolve para a Doença de Alzheimer, a perda da condição de viver numa casa normal, de ter uma vida relativamente normal, a necessidade da internação em uma instituição asilar onde recebe os cuidados médicos necessários.

A doença conhecida como DA – Doença de Alzheimer, ou Mal de Alzheimer atinge a área no cérebro que controla a memória, a linguagem e o raciocínio, com possibilidade de atingir outras áreas, comprometendo algumas outras funções. Sabe-se que a DA provoca a morte de células no centro de memória do cérebro, o hipocampo, levando a estrutura a se degenerar progressivamente. Sua causa é desconhecida e pode atingir pessoas adultas a partir dos 40 anos de idade, daí a necessidade de exames preventivos para tratamento mais eficaz, visto que não ainda não existe cura. O estágio inicial desta doença muitas vezes é confundido com um processo normal de envelhecimento pelas alterações cognitivas próprias desta fase, e isso é um dos fatores que atrasa um possível diagnóstico precoce e prejudica no tratamento. A doença de Alzheimer funciona como se desintegrasse a identidade de seu portador e embora todos saibam quem ele seja, ele mesmo não se conhece e nem o fato de ser indiferente lhe perturba.

Nino Belvedere compartilha com seu filho Rafael a preocupação com o avanço da doença de sua esposa e comunica a decisão de casar-se na igreja com Norma realizando o sonho dela do casamento religioso que não tiveram, antes que a doença progrida. Rafael discorda veementemente de seu pai devido mesmo à doença da mãe, e praticamente dá o assunto por encerrado, o que deixa Nino muito entristecido, e nesse momento percebe-se como que o filho vai direcionando a vida de seu pai orientando-se somente por sua visão prática e limitada da vida.

Rafael reencontra-se com um amigo de infância que ajuda a dar um tom neste drama. Após um dia fatídico, Rafael desmaia devido a um problema cardíaco que o deixa hospitalizado e quando recebe alta ele busca mudar sua vida começando por aceitar a realização do casamento religioso de seus pais, o que deixa Nino muito feliz.

O restaurante é então vendido a um grupo de investidores que se aproveitam do momento de crise para adquirir imóveis. A partir daí Rafael dedica-se um tanto mais no estreitamento dos laços afetivos com seus pais, com sua namorada e com sua filha. E foi muito emocionante o momento em que ele lê as poesias escritas por sua filha e se dá conta que perdera muito tempo com assuntos que eram muito menos relevantes que a sua função paterna. Com isso ele começa a resgatar o vínculo entre pai e filha.

Rafael ainda fica hospitalizado mais uma vez devido à queda de pressão que o fez desmaiar na igreja após o difícil debate com o padre que, não tendo autorização do bispo, comunica-lhe não ser possível realizar as bodas de seu pai devido a doença de sua mãe. Ele decide então usar de um artifício interessante para prosseguir com os planos do casamento sem, contudo, que os pais tomem conhecimento e para isso conta com a ajuda de seu amigo Juan Carlos que terá uma das mais importantes atuações em sua carreira: ele será o padre que abençoará o casal idoso em cerimônia realizada no interior da instituição asilar onde Norma reside.

Ao final há a comemoração do casamento num restaurante que fora fechado devido à crise e que naquele momento, conforme comunica Rafael Belvedere, lhe pertencia, anunciando seu retorno ao ramo de restaurantes, mas agora com mais sabedoria e mais respeito pelas pessoas que realmente são importantes em sua vida, a sua família.

O filme aborda temas importantes como a relação familiar, os cuidados com filhos (a Vick, nesse caso) e o idoso, o acolhimento e inclusão em instituição asilar e deixa grandes lições sobre a importância família, sobre a vida, o amor, o respeito, a renúncia, a amizade, o zelo e proximidade entre pessoas. Além disso, o filme deixa mostra quão importante é não rotular quem quer que seja por qualquer problema que apresente, pois o importante é saber que apesar de tudo, ainda se é ser humano em sua essência.

A humanidade vive como se tivesse encontrado a fonte da juventude e nunca mais fosse envelhecer e sabemos que a vida não é isso, não é assim. A correria da vida diária de nada adianta quando a idade avança e nos pede mais calma no caminhar pela vida .

O que particularmente emocionou-me nesta obra foi o a forma amorosa como o pai de Rafael tratava a esposa, demonstrando tanta paciência e um amor incondicional.

“O maior desafio na atenção à pessoa idosa é conseguir contribuir para que, apesar das progressivas limitações que possam ocorrer, elas possam redescobrir possibilidades de viver sua própria vida com a máxima qualidade possível. Essa possibilidade aumenta na medida em que a sociedade considera o contexto familiar e social e consegue reconhecer as potencialidades e o valor das pessoas idosas. Portanto, parte das dificuldades das pessoas idosas está mais relacionada a uma cultura que as desvaloriza e limita.”

Em nosso estágio em instituição asilar percebe-se em muitos internos a ausência desse sentimento por parte dos familiares, o que nos entristece de forma, pois sabemos que o que eles pedem é tão pouco... apenas a visita, uma lembrança, a doação de algumas horas para papear... A maioria que ainda está lúcida prossegue apresentando tanta apatia, tanta tristeza que mexe com os sentimentos de quem tem a oportunidade de conhecê-los um pouco melhor. Muitos foram abandonados por seus familiares sendo que alguns nem sequer comparecem para visitá-los, renegando-os ao esquecimento.

O filme assistido em sala de aula mostra a dura realidade de quem alcança este estágio da vida; mostra também a necessidade de viver sem tanto egoísmo, sem tantas preocupações quanto a um futuro que sequer se sabe se será alcançado, e mostra a diferença que a atenção e a paciência faz na vida daquele que se encontra na condição de interno em uma instituição asilar, mas apesar de tudo, mostra que amor é sentimento universal e pode se manifestar em qualquer lugar de inúmeras maneiras, basta sentir e deixar fluir.

Percebo mais claramente o quanto significa para os internos as horas que lhes dedicamos; o idoso precisa ser ouvido, e mesmo sendo portador de uma doença tão séria como o Mal de Alzheimer, ele precisa falar o que quiser falar, manifestar que ainda vive. É papel do estagiário, graduando em Psicologia principalmente, acolher com todo respeito e paciência esses indivíduos, já tão sofridos na vida. Este estágio possibilitou-me ver de perto algo que não é mostrado em livros acadêmicos, não na intensidade que se sente vivenciando o momento; este estágio mostrou-me que tudo passa muito rápido, que a vida é feita de rápidos momentos (fases) e que sabedoria é conquista diária na vivência destes momentos. O estágio possibilitou-me entender de uma forma diferenciada quão importante é o respeito no processo das relações, sejam quais forem. Ao andar pelos corredores da instituição asilar que nos abriu as portas para esta experiência, vemos muito mais que homens e mulheres idosos, vemos vida que insiste em não apagar-se simplesmente, vemos carinho e carência, vemos seres humanos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 192 p. il. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica, n. 19)

2- MORIN, E. Cultura de massas no século XX – neurose. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2000b. v. 1., 1999.

3- O FILHO da Noiva. Sony Pictures Classics, Argentina, 2001. Direção: Juan José Campanella. Produção: Mariela Besuievski, Fernando Blanco, Pablo Bossi, Jorge Estrada Mora e Gerardo Herrero. Intérpretes: Ricardo Darín, Héctor Alterio, Norma Aleandro, Eduardo Blanco, Natalia Verbeke e outros. Roteiro: Juan José Campanella e Fernando Castets. 1 DVD (124 minutos), Fullscreen, color.

Núccia Gaigher
Enviado por Núccia Gaigher em 24/06/2009
Código do texto: T1665620
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