“O curioso caso de Benjamin Button” (The Curious case of Benjamin Button)

“O curioso caso de Benjamin Button”

(The Curious case of Benjamin Button)

Tudo é cinema na bê-á-bá do Benjamin.

Se eles vão assistir um por do sol, tem de ser cinematográfico. Se ele vai trabalhar como ajudante num rebocador, o fundo infinito foi desenhado para lembrar que se está no cinema. Se ele é fustigado por um inverno glacial no hemisfério norte, a neve exibida quase salta da tela.

Todas as memórias dos personagens são mostradas na forma de projeções de filmes antigos, valendo um míni Oscar para o diretor David Fincher nas cenas “filme antigo” do relógio da estação.

O velho conto de Scott Fitzgerald teve vários pretendentes aos 35mm, incluindo o papa do riscado, S. Spielberg.

Fincher deve ter considerado a questão, sobretudo ao se deparar com as várias indicações ao Oscar 2009. Benjamin levou 3, Direção de Arte uma delas.

Sem novidades a tendência da turma de Hollywood forçar a mão em qualquer situação. Não bastasse a moça saber que seu pai nasceu, viveu e morreu na surrealidade, tinha de saber em pleno quarto de hospital pela boca da mãe moribunda, na véspera do Katrina , o pior furacão da história de Nova Orleans. Na verdade uniram o útil ao agradável: desde a tragédia incentivos fiscais estão sendo oferecidos no caso de filmagens ocorrerem na cidade.

David Fincher dirigiu os melhores desempenhos de Brad Pitt: “Clube da Luta ” e “Seven - Os Sete Crimes Capitais ”. Ficou faltando o curioso “Snatch, Porcos e Diamantes”, veículo usado por Pitt para esclarecer que se as moças gostam de sua aparência, será também reconhecido pela sua performance na frente da câmera.

Catherine Blanchett contracena. Sua presença deve incomodar as parceiras de além mar, pois ela brinca de tudo que é jeito. Já brincou de “Senhor dos Anéis”, de “Desaparecidas” e de “Elizabeth”, no meio de mais ou menos umas trinta e tantas brincadeiras. Em “Benjamin...” ela também brinca numa cama de hospital na idade dos estertores, contando para a filha de trinta e tantos, Julia Ormond , que a vida é mais estranha do que possa parecer.

F. Scott Fitzgerald e Mark Twain levam os créditos morais pelo argumento. O primeiro escreveu o conto homônimo, dizem, inspirado na filosofia de Twain, nossa velha conhecida: ah, se aos vinte anos eu tivesse a sabedoria dos 50. Grosso modo. Twain suspirava literalmente que o bom seria nascer aos 80 e gradualmente chegar aos 18.

Eric Roth e Robin Swicord assinam o roteiro. Desconheço a maneira da abordagem deles em relação ao conto do Fitzgerald . O fato é que Benjamin nasceu com 80 anos e vai partir desta para melhor como um recém nascido.

Nos anos 70 rotularam o brilhante Murilo Rubião como autor de literatura que versa sobre o fantástico. Murilo reescreveria Benjamin. Não carece muito. Basta talento. Como nesse quesito os citados esbanjam, resta então uma história fantástica contada com se não

fosse - e isso já é um mérito e tanto - tendo no seu eixo uma história de amor. E de outros amores.

Benjamin era um monstrengo quando saiu da barriga da mãe. Num rompante de ódio seu pai o leva para longe, e quem cuidará dele será o amor incondicional de Taraji P. Henson .

Os arquitetos de sua vida pensaram nos mínimos detalhes: nascido velho, praticamente decrépito, não dá para imaginar melhor local para se passar a infância do que um asilo.

Reflexões saem fumegando dessa panela que, diga-se de passagem, tem o mesmo ar fake, embora laboriosamente trabalhado, de filmes como “Austrália”. Nem de longe se trata de uma comparação, apenas uma vaga alusão estética. “Austrália” é vento que passa, se tanto, ao passo que Benjamin cutuca os sentidos.

A questão temporal e suas variantes não dão trégua ao espectador. Tudo vai mudando de semblante, seis atores interpretam Benjamin além do próprio Brad Pitt. O movimento do cinema acompanhando a involução de uma vida e a evolução de outras só respira quando Cate mostra para a filha suas fotografias como bailarina. Desnecessário dizer que o filme continua em ação, mas a menção do congelamento da imagem cessa por segundos as cutucadas do inexorável moto contínuo proposto.

Na visão do autor Luis Djara Leal, todos somos a um só tempo nossa infância, adolescência, maturidade e velhice. Só não temos percepção disso. Para Benjamin essa função está invertida e ele se comporta a vida inteira como se tivesse plena noção de sua travessia muito mais pautada no tempo do que na própria vida.

Para que o grande amor entre ele e Cate Blanchett chegue ao seu termo, a questão cronológica pesa como fator tanto quanto a retidão do personagem vivido por Pitt, em certos momentos mostrando quase um amor incondicional por ela. Isso porque ela está fazendo a viagem que todos fazemos, a de se desenvolver e se descobrir com o passar dos anos. A da luta com as ilusões e com o temperamento. Ele dá a impressão de que, se se nasce aos 80, tudo o que se deve fazer é observar com moderado envolvimento. Ou seja, os limites estão sempre estabelecidos e as ilusões vencidas.

Dá o que pensar.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 03/07/2009
Reeditado em 20/03/2013
Código do texto: T1680677
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