“Babel” (Babel)

“Babel” (Babel)

Os acostumados com o cinema que produz “Piratas do Caribe” e ou “Bad Boys”, dois bons extratos, sentirão certo exaspero nos primeiros 15 minutos de “Babel”, onde predominam os meninos marroquinos e seus hormônios, a paisagem erma e um bando de cabras. Mas não se iludam, Gonzáles-Iñarritu com certeza fez de propósito, como uma espécie de diapasão para fixar as mentes na proposta dele.

Baseado em uma idéia, de Alejandro Gonzáles-Iñarritu (direção) e Guillermo Arriaga (roteiro). Mexicanos...vizinhos dos gringos, alguma coisa no sangue deles ferveu a tal ponto que tiraram da cartola uma dessas peças que a mente assiste de binóculo, depois de vista.

A fórmula mágica de “Babel” é a inexistência absoluta de concessões. Parece uma prova de química, onde um cádmio combinado com outro cádmio resulta em cádmio2. Gonzáles-Iñarrito mostrou a vida sem supletivo, ou seja, a antítese do próprio cinema, com uma linguagem de cinema vigorosa, com atuações ímpares, que em dado instante você desiste e aceita que a vida é isso aí mesmo, mas está plasticamente tão bem arranjada que não vale a pena mexer.

A trajetória de uma ação segue seu curso de acordo com todas as leis das conseqüências, sem o menor insulto à inteligência do auditório.

Chieko (Rinko Kikuchi), a adolescente surda-muda, que anda com uma tribo de surdas-mudas, que conhecem rapazes que falam e lhes oferecem u-í-s-q-u-e e pílulas cor de rosa. Às 11 da manhã Chieko foi expulsa de um torneio esportivo, depois almoçou com as tribais, depois tentou seduzir o dentista, ao cair da tarde ela e as amigas se reencontram e encontram os rapazes, Chieko então brinca num balanço e toma o metrô. O olhar dela para a Tokyo crepuscular mostra que a vida pode ser um grande barato. Gonzáles-Iñarritu já sabia disso e mostrou a menina entrando numa discoteca, momento em que o espectador da faixa etária xis conclui que os gringos entendem de música (Gonzáles também sabia disso) ao ouvir Earth,Wind and Fire, com “Do you remember”, durante 10 segundos. Então a música corta. É o diretor avisando que Chieko não pode ouvir.

Rinko Kikuchi foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

“Babel” também pode ser encarado como uma crônica planetária com 3 eixos geográficos distintos: México, Marrocos e Tokyo.

O volteio dos eixos mais o pitoresco inerente aos eixos dá a impressão que se viu o mundo inteiro.

Amélia (Adriana Barraza), a babá que se torna sogra e exilada num período quantificado por horas, a soma das cenas entrecortadas e os vários papéis que a vida lhe exigiu durante essas horas também a tornaram candidata ao prêmio Oscar. Num momento ela cuida de duas crianças gringas em território gringo, noutro ela cruza a fronteira para o casamento do filho e ali reina soberana como matriarca à mercê de cortejos, o casamento em si é uma pérola cinematográfica, noutro ela está foragida e vagueia em lágrimas no deserto fronteiriço, noutro está prestes a ser deportada, Gonzáles-Iñarritu deixou bem explicadinho que, se você tem um sobrinho que anda armado, é um poço de rancor e começou a encher o canecão às 18 horas do dia anterior, não há como atravessar a fronteira na paz do Espírito.

Outro truque do “Babel” é que parecem inexistir atores e atrizes mas sim pessoas reais sendo filmadas de modo artístico. Brad Pitt e Cate Blanchett se despiram da aura costumeira que decerto os acompanha, pelo mérito e a pedidos de outras produções, e nesta inventaram o básico: um casal de gringos com a arrogância característica, que sofre um infortúnio no estrangeiro. No estrangeiro Marrocos para nós, com cabras, vegetação zero, come-se com as mãos e a polícia também usa as mãos para perguntar.

A música de Gustavo Santaolalla arrebatou a estatueta.

A fotografia de Rodrigo Prieto também arrebataria, se alguém tivesse me perguntado.

A viagem de Chieko e a dificuldade de adaptar-se ao próprio corpo, sobretudo aos 16 anos e sendo deficiente, só termina à noite, ela diz para o policial que sua mãe se jogou da janela embora a verdade seja suicídio por arma de fogo. Chieko prefere acreditar nisso, no salto ao invés do projétil. Nosso retrato está em “Babel”, 6 bilhões de viagens individuais espalhadas pelo globo e, hora de indagar, o que nos une?

Para Gonzáles-Iñarritu e Arriaga, a dupla que teve a idéia e depois se desentendeu por ela, o que une a trama é uma “bala achada”, pois “bala perdida” é um eufemismo cruel para com os que se deparam com ela.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 04/01/2010
Reeditado em 18/01/2013
Código do texto: T2010515
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