MUITO ALÉM DA PSICODELIA - Uma breve leitura de The Wall – o filme

Por: Josiane Geroldi

“É dócil um corpo que pode ser submetido,

que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”

Michel Foucault

O filme de longa metragem THE WALL de 1982, dirigido por Alan Parker, produzido por Alan Marshall e idealizado e escrito por Roger Waters, é considerado um grande clipe musical, uma vez que foram utilizadas como base na criação das cenas a interpretação das músicas do álbum The Wall do Grupo Pink Floyd. Baseado nos anos 70, o filme fora lançado pela primeira vez na Inglaterra e trata da história de um rapaz, que atormentado pelas lembranças e represálias da infância, entra em depressão e atormentado pela memória, tenta o suicídio.

Pink, o personagem central do filme, é um clássico: “ War Baby” na Europa, esta expressão refere-se aos filhos nascidos durante, ou logo depois do fim da segunda guerra mundial. Crianças que cresceram sem a presença e o convívio dos pais e que por isso receberam uma super proteção das mães. Pink passa a infância, em momentos nostálgicos experimentando as roupas militares do pai, que falecera na guerra.

O menino, passa a imagem de uma criança introvertida e reprimida, podemos observar através de traços de personalidade, as heranças deixadas pela guerra, e como nos diz Walter Benjamim, em seu ensaio sobre O Narrador-1936:

As ações de experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo. [...] Com a guerra mundial tornou-se manifesto um processo que continua até hoje. No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável [...]Não havia nada de anormal nisso. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras. Uma geração que fora á escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano.

(BENJAMIM, 1936,P.02)

Como os soldados que voltavam sem palavras dos combates, o personagem se fecha em torno de suas lembranças, isso pode ser percebido pelas escassez de falas e diálogos entre os atores, a maioria das cenas são apenas interpretadas com fundo musical, ou representadas através de animações.

Além da memória paterna representada pela guerra e a super proteção da mãe, outro ponto de grande relevância esta marcado pelo processo de repressão escolar vivido por Pink. O modelo escolar tradicional da Inglaterra, o estereotipo do professor marcado pelo autoritarismo, o controle do corpo e a disciplina são amplamente abordados na obra. Na escola, Pink era um estudante retraído e ao ser flagrado escrevendo poemas, se transforma em alvo de chacotas dos colegas, e é fortemente repreendido pelo professor que lê seu poema em voz alta para os colegas. O que aumenta ainda mais a sua retração. As cenas dos alunos em marcha como soldados, em direção a máquina de moer carne, para serem transformadas em salsichas todos com o mesmo tamanho, cor e mesmo sabor, representa bem a reprodução de seres iguais e alienados da sociedade da época. Se Pink, fora censurado por escrever poemas, podemos fazer uma leitura de como a arte era vista por aquela sociedade que preparava as crianças para o trabalho, qualquer atividade de lazer, de reflexão e de expressão de sentimentos deveriam ser controladas, e conseqüentemente ridicularizados.

A instituição escolar é questionada e destruída pela revolta dos alunos, revolta essa que aparentemente se passa apenas na subjetividade do protagonista. Michel Foucault, via na educação maneiras de adestramento do corpo e da mente, a instituição escolar é um “instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes”. È através do longo período que nossas crianças passam nas escolas, que se pode moldar as condutas, reproduzir conceitos, e disciplinar comportamentos. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo ( em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)” (FOUCAULT, p.119). Acompanhamos nos dizeres de Foucault, a mesma imagem criada no filme, dos alunos passando na linha do trem, todos com o mesmo rosto e andando no mesmo caminho, prontos para a sociedade capitalista, formatados e controlados. Pink, que está fora do trem, consequentemente representa o desertor, logo, precisa ser punido e remodelado. Ele vê o trem que passa e as pessoas que tem sempre o mesmo rosto dentro dele, como simples tijolos no muro. “São todos tijolos no muro”, que só fazem volume na parede, e que na sociedade, são seres indiferentes, logo, só servem para tijolos que tapam furos e aumentam barreiras.

Além de ser uma super produção psicodélica, (“super” aqui entendida do ponto de vista da sensibilidade artística ) por apresentar uma ótima fotografia, uma estética bem definida e trilha sonora original, The Wall também é um grande instrumento de discussão e reflexão sobre a sociedade, as instituições escolares, a política da guerra, e a própria conduta humana, são questionados e explorados nas cenas marcantes do filme, que pode ser indicado para educadores, estudantes e acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento, promovendo reflexão crítica sobre a sociedade.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.

Disponível em: http://whiplash.net/materias/especial/000242-pinkfloyd.html

Consultado em: 08/06/08

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Wall

Consultado em: 08/06/08

Filme : Pink Floyd The Wall – 92 minutos

Direção: Alan Parker

- Inglaterra -1982.

Josiane Geroldi
Enviado por Josiane Geroldi em 23/02/2010
Código do texto: T2102313
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