Sobre "O Senhor das Armas"

“Se vocês morrerem não haverá razão para a minha existência”.

Arnold Schwazenegger como o robô de "O exterminador do futuro 3 – A rebelião das máquinas".

Yuri Orlov é imigrante ucraniano disfarçado de judeu que, na verdade, tem muitas identidades a fim de atender aos esquemas trabalhistas à realização dos sonhos de qualquer homem ambicioso como ele: ganhar muito dinheiro – de preferência, rápido – e ter certas mulheres.

Personagem de Nicolas Cage em "O Senhor das Armas" (USA, 2005), dirigido por um tal Andrew Niccol, o filme conta história desse que se transforma num traficante de armas, promotor de guerras entre inimigos os quais, todavia, tenta conservar indiscriminadamente como seus “amigos”. Porque pensa poder se utilizar de esperteza diplomática a efetivação de sua intenção básica: faturar. (A cena de quando Yuri ouve o tilintar da registradora enquanto um de seus mortais produtos automáticos cospe cartuchos de balas é uma boa invenção das estripulias imaginativas dos artistas produtores do filme. Outra? No início do filme, depois de fazermos um passeio entre milhares de cartuchos de balas sobre gigantesca e quase imperceptível poça de sangue, acompanhamos de perto a trajetória da concepção industrial de um projétil de fuzil à sua chegada nos depósitos de munições de guerrilheiros e para além, quando cuspidos de dentro de uma arma, indo ao encontro da testa de um “rebelde” adolescente africano).

Durante a cena de abertura do filme, depois que passeamos por sobre aquele monte de cartuchos vazios, paramos num enquadramento de plano médio onde Cage, interpretando seu personagem, nos diz:

- Há mais de quinhentos e cinquenta milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Uma arma de fogo para cada doze pessoas do planeta. A pergunta é: como armar as outras onze?

Tenho um amigo que, durante o plebiscito sobre a necessidade da posse ou não de armamento pelo povo brasileiro, fez campanha contra o desarmamento promovendo um cartaz com o seguinte slogan:

“Desarme-se e vire alvo fácil”.

Em meu comentário "Adeus às armas", fazendo referência a um conto sobre o diabo em "Conversas com o diabo" – livro do filósofo russo Ouspensk – escrevi que muitos sabem que o caso do personagem do conto “O inventor” não está limitado, como gostaríamos, ao âmbito da ficção. É provável que muitos industriais construtores de armamentos ao redor do mundo, no começo de suas vidas profissionais, tenham provocado desavenças em família somente para venderem bons revólveres – como disse o personagem bandido Ramírez em meu livro "A última história de Batman" (que assinei com o pseudônimo de "Andryus Tzappak"). O ex-presidente norte-americano George W. Bush foi eleito graças ao dinheiro de seus compatriotas donos de indústrias de armamentos, os quais exigiram dele a promoção de conflitos, de preferência grandes, justificados “em nome de Deus” (de quem presidentes norte-americanos normalmente se julgam legítimos representantes) ao lucrativo movimento de seus negócios bélicos.

Numa referência as falsas esperanças que nutrimos às narrativas sobre as possibilidades de escapatória do Apocalipse, que apontam um futuro positivo à nossa trágica história passada (e, infelizmente, ainda presente), o personagem de Cage assegura:

- Eles dizem que o mal triunfa quando homens bons falham. O que eles deveriam dizer é que o mal triunfa.

No final, Yuri é abandonado pela família (pelo filho levado pela esposa – a quem todo tempo enganou para possuir – pela mãe, que secamente se despede dele por telefone ao lhe dizer ter perdido os dois filhos - incluindo-o tão morto quanto seu outro filho mais novo, sócio de Yuri metralhado pelas armas que vendia, durante uma transação comercial na África - e, finalmente, abandonado pelo jovem agente do governo, que o perseguia acreditado poder, ao prendê-lo – caso, no fundo, não fosse Yuri um dos “homens do Presidente” – dar sua contribuição à redução de mortos ao redor do mundo).

Na conclusão de "O Senhor das Armas", Yuri Orlov tenta justificar sua opção pela continuidade de seu trabalho, onde é “o melhor” (sendo isso demonstrado na cena quando reclama pelo assassinato de um dos soldados por certo general com quem faz negócios; não pelo assassinato em si, mas porque o general usou a arma que Yuri pretendia vendê-lo, estando então o general obrigado a comprá-la, uma vez que Yuri não vende produtos usados). E então ele nos pergunta, com a tranqüilidade dos verdadeiros anjos caídos:

- Você sabe quem vai herdar a Terra? Os negociantes de armas. Porque todas as outras pessoas estão ocupadas demais matando umas as outras.

Como um viciado recentemente cônscio de sua prazerosa degenerativa dependência, durante o filme, para satisfazer a esposa – depois que ela descobre a origem de sua fortuna – ele tenta não continuar a provar do mal que lhe promove o gozo, mas não consegue. Em meio da secura em que se transformou, um nada de razão ainda persiste em sua consciência inerme, ainda capaz de fazê-lo ter um lampejo (um tanto óbvio) sobre como devemos proceder em nossas relações conosco e com o próximo.

- Este é o segredo da sobrevivência – ele nos adverte: - Nunca faça guerra. Principalmente contra você mesmo.