“Avatar” (Avatar)

“Avatar” (Avatar)

Americanos mercenários já estão rodilhando há decênios um planeta chamado Pandora, para extrair certa substância, que, na Terra, custa 20 milhões US dólar o quilo. Ou a grama. Que importa?

Pergunta aos técnicos: “americanos mercenários” pode ser encarado como pleonasmo?

Richelieu, o Cardeal, dizia que corrupção é apenas uma questão de oportunidade na linha do tempo. Nossos índios tentaram dar uma canseira na máquina de guerra lusitana por causa do “bom e fino Brasil”. Levaram a pior, mas foi uma questão de tempo. Os incorruptíveis índios de Pandora, que se conectam com as bestas através do fio do cabelo (arre...), voam montados em pterodátilos de colorido mezzo hippie mezzo pop e desfrutam do néctar da floresta encantada até o beligerante invasor bater à sua porta. O de sempre no paraíso, quando não é uma serpente, é uma caravela. Ou, no caso, uma espaçonave.

Vamos combinar que a média do depoimento dos que saíram das salas de exibições foi, via de regra, esta: ah, gostei, os “gráficos” são legais e tem umas mensagens muito edificantes sobre a Mãe Natureza.

E com isso o termômetro está apontando para onde de fato parece estar apontando.

A galera que foi no cine assistir o delírio de Cameron, parte dela, ficou com água na boca graças ao novo 3D, capaz de produzir o mais impressionante colorido, feito e visto por olhos humanos, desde que Da Vinci deu o último retoque na Virgem das Rochas.

“Senhor dos Anéis” também tem “gráficos legais” e cá pra nós acho que a força de J.R.R. Tolkien é tamanha que irradiou para a série uma combinação de cinema + gráficos bem superior e sem óculos.

Quanto à Mãe Natureza...(alguém deveria inventar reticências com nove pontinhos).

Foi-se o bonde, amigo, amiga, o último vagão do último trem passou há mais de três décadas, quando jovens de antanho lotaram salas minúsculas para saírem dali duas horas delirando Dersu Uzala.

Quais são os signos do Avatar, considerando porém ser esse plural autoesvaziante e a questão em si uma retórica autocamuflada?

A grande conexão do bípede com o animal é a conexão das crinas. Sim, o bípede ou aborígine tem uma crina que conecta à crina do okcavalográfico e eles se tornam UM, tal qual uma conexão USB.

Espiritualmente dizendo, tudo em Pandora é uma questão de plugue no plugue.

Então vamos combinar que no primitivo planeta Terra conecta-se de outra forma. E já que estamos em cinema, a relação homem/cavalo é bem explicada com a história do jóquei do ManOWar, garanhão avô do Sea Biscuit, por sinal, história muito parecida com a do neto, e com dezenas de outras e outras.

“Você sente que ele (o cavalo), desacelera porque tem uma espécie de compulsão ao chegar na curva. Ele olha para trás e para o lado, sua coxa esquerda bambeia, parece um relógio, basta apenas afrouxar a rédea direita e tocar de leve em seu pescoço. Daí ele dispara”.

Conexão tem a ver com percepção e com o respeito incondicional dos mecanismos sutis do outro, daquele ou daquela a participar do evento conectivo.

Quando os soviéticos divulgaram para o ocidente, na década de 50 (séc. XX), seu experimento com uma cadela e filhotes, o mundo ficou boquiaberto. A cadela era colocada num quarto hermético e os filhotes noutro quarto hermético, separados dezenas de metros. Toda vez que eles cutucavam os filhotes, a cadela gania.

Isso é conexão.

Considerado pelos cínicos como um mix de Matrix e Pocahontas, os 120 e tralálá minutos de Cameron nas selvas digitais leva o espectador a dedilhar mais uma vez com os botões da camisa sobre o mérito do Oscar para “The Hurt Locker”, um filme cuja inteligência começa pelo título.

Sigourney Weaver, a cientista durona com um bom coração, e Sam Worthington, vivem a (já cansativa) realidade de conectarem seus corpos a corpos idênticos aos dos aborígines, ou seja, Sigourney e Sam estão presos a cansativa realidade de uma cama com eletrodos e manejam (da cama mesmo), os corpos clones grandalhões e coloridos dos nativos.

Giovanni Ribisi é o chefe sem farda dos mercenários, tem a mesma tolerância de uma água viva e quer rechaçar os nativos o mais rápido possível, pois, como o próprio Ribisi explica, os acionistas não tem tempo a perder, ou algo do gênero. Descontando os cerca de 4 séculos de colonização, foi no 20 mesmo que a mancha da nossa história oficial ficou um tanto dilatada, quando tecnologia e impiedade cunharam o mote “índio bom é índio morto” e botaram pra quebrar nos recônditos do nosso Brasil Brasileiro. Tal e qual os gringos em Pandora.

O único tcham de “Avatar” repousa na concepção do sonho versus realidade, algo zero inédito para cinéfilos, freqüentadores de escolas de pensamento, leitores de HQ e fica muito por conta do protagonista ser um “cadeirante” numa dimensão da realidade e, na animação, um vigoroso guerreiro. Se isso foi usado como metáfora acerca da situação mediana global, ou seja, se só vivemos de fato quando nossas pálpebras estão cerradas, então ok, pode editar a segunda metade do filme e assim limar a martirizante ação, deixando apenas os plugues e os alohas do final.

Mastiga-se tudo e de tudo para a geração pós Nitendo e, as anteriores (gerações), dopadas pela soma dos anos sem sonhos, aplaudem mecanicamente.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 03/05/2010
Reeditado em 21/07/2016
Código do texto: T2234218
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